O álbum de estreia dos Specials capta na perfeição o espírito tumultuoso do tempo. E fá-lo escolhendo um lado da barricada: o das pessoas decentes contra a estupidez do racismo.

Os Clash já tinham apontado o caminho, mostrando que era possível misturar punk com música jamaicana, mas os Specials fizeram desse cruzamento a sua própria identidade. Era o ska de segunda vaga acabadinho de chegar, o primeiro revivalismo de uma música nascida duas décadas antes em Kingston. Do ska, traziam a alegria dançante; do punk, a raiva e o desmazelo.

O interesse pela música caribenha era natural. Desde o pós-guerra que milhares de jamaicanos haviam imigrado para o Reino Unido, trazendo consigo a riqueza da sua tradição musical. Os próprios Specials são o resultado desse melting pop, misturando brancos e negros na sua formação. Os dois tons da 2 Tone Records.

O álbum de estreia dos Specials é mais conhecido pelas soalheiras “A Message to You, Rudy” e “Monkey Man”, mas quem ouvir o disco com atenção encontrará um feeling bem mais sombrio, cheio de referências às tensões raciais das ruas de Coventry. Recordemos as circunstâncias históricas. A crise económica agudizava-se. Muitas fábricas fechavam, lançando milhares para o desemprego. A extrema-direita aproveitava a confusão para crescer (1979 foi, justamente, o auge da influência da National Front). Brancos, pretos, carecas, punks- todos se guerreavam na “Concrete Jungle” que era a Inglaterra de então. O disco capta na perfeição o espírito tumultuoso do tempo. E fá-lo escolhendo um lado da barricada: o das pessoas decentes contra a estupidez do racismo.

O som dos Specials é uma orgulhosa caldeirada. O elemento mais punk no seu som é a voz inexpressiva e despenteada de Terry Hall. A guitarra-ritmo é puro ska, nervosa e percussiva, duplicando as batidas em relação ao reggae. O baixo é funky e irrequieto, trazendo para o bolo o groove da música negra americana. A guitarra-solo brinca na areia ao rockabilly. A segunda voz, bateria e sopros são jamaicanos até ao tutano. Last but not the least, surge o órgão vintage de Jerry Dammers (o líder da banda, criador do conceito e principal escritor de canções).

A produção de Elvis Costello é irrepreensível, conseguindo captar em fita a vivacidade dos seus concertos. Destaca o baixo na mistura, como mandam as boas etiquetas jamaicanas. Realça também as vozes, para que todas as palavras sejam perfeitamente compreendidas. As letras inteligentes e espirituosas assim o exigem.

Há bandas que nos fazem pensar e combater, outras que nos fazem rir e dançar. Só os especiais fazem quatro em linha.