Ao seu quarto registo de longa-duração, Assume Form, o britânico James Blake ostenta uma visão cada vez mais clara, transparente e quase… feliz, no qual o negrume musical dos seus primeiros lançamentos se dissipa para revelar um homem e músico cada vez mais direto.

Aquando o lançamento do agridoce single “Don’t Miss It”, em maio do ano passado, James Blake, compositor e produtor londrino, parecia alcatifar o chão para receber mais um dos seus álbuns macambúzios, soturnos e melancólicos. Afinal de contas, desde o início da sua carreira, na qual foi primeiro apresentado ao mundo sob a forma de canções melancólicas embrulhadas num dubstep tristonho, e depois no impecavelmente produzido Overgrown, de 2013, uma mistela de pop, soul e música eletrónica gélida que lhe valeu um tão cobiçado Mercury Prize com a tenra idade de 25 anos, sempre foi o menino infeliz preferido da música alternativa. Mesmo quando começou a deixar entrar alguma luz na sua música, com The Colour in Anything, três anos mais tarde, a mensagem perdeu-se algures no meio de um álbum longo, cansativo, desorganizado e inchado nos seus desnecessários 75 minutos de duração.

Mas James Blake acordou em 2019 a saber exatamente a nova forma que queria assumir para a sua música: passados oito anos a ser o porta-voz da melancolia, agoiro e tristeza, retransformou-se enquanto homem e músico, emoldurando assim o que agora parece a sua balada de despedida de outros tempos, “Don’t Miss It”, com temas que revelam um novo lado seu relaxado, solto e direto que nunca nos deixara conhecer antes. E assim, para a surpresa de todos, Assume Form, o novo álbum de James Blake, é um disco de amor. À vida, à música, a si e à recém-descoberta alegria de fazer músicas felizes.

Na faixa título, que abre com o seu inconfundível lustroso teclado, Blake não esconde as suas intenções, proclamando com uma segurança que nunca antes havíamos ouvido no seu característico falsete: “I will assume form, I’ll be out of my head this time”. E assim o faz. Apesar do tema que se segue à confiante introdução, “Mile High”, deixar tudo um pouco a desejar apesar dos promissores colaboradores (Travis Scott e Metro Boomin), segue-se “Tell Them”, hino de anunciação corpulento no qual a rouquidão sumarenta da voz de Moses Sumney e os coros de Blake juntam-se a uma batida irresistível de um trap de bom gosto. Já “Into The Red” é um dos muitos tributos insuportavelmente doces à mulher da sua vida, na qual a compara literalmente à corrida do ouro americano do século dezanove – haverá lá alguma comparação mais romântica?

O destaque é obrigatório para uma das convidadas mais aguardadas do novo disco de Blake, a catalã Rosalía, sensação do país vizinho que empresta aqui o dramatismo teatral da sua voz flamenca ao cintiliante dueto “Barefoot in the Park”, no qual o espanhol e o inglês entrelaçam-se sem esforço. Mas talvez um dos temas mais fortes deste Assume Form seja “Can’t Believe the Way we Flow”, ponte de bronze entre as duas margens do disco – a música mais luminosa que Blake já alguma vez assinou, que nos faz apanhar o queixo do chão quando recordamos que ouvimos o mesmo narrador de coração partido de “Retrograde”.

A segunda metade do álbum é tão boa ou talvez até melhor do que o seu primeiro capítulo: abre com “Are You In Love?”, que transborda soul e sentimento que não chocalhamos dos ouvidos assim com tanta facilidade, seguindo para mais uma parceria que entusiasmava os curiosos desde o seu anúncio, pouco antes do lançamento de Assume Form: “What’s the Catch” é James Blake, é uma linha de piano fantasmagórica, é uma guitarra elétrica dobrada em distorção – e, de repente, como um leopardo que surge dos arbustos, são os versos relâmpago do saudoso Andre 3000, que navegam entre os harmoniosos coros de Blake com a facilidade do costume. No entanto, se “Are You In Love?” interroga e “What’s the Catch” desconfia, “I’ll Come Too”, uma das mais belas canções que Blake já alguma vez suspirou, assume um estado de apaixonado que até os adolescentes mais pirosos têm vergonha de professar ao mundo. Depois de ouvir Blake, cuja voz parece esconder um sorriso de uma alegria, a sugerir alterar o GPS de uma ponta da América para a outra para fazer companhia à pessoa com quem mais quer estar, à sombra de um sample de Bruno Nicolai, acreditamos no amor novamente. Semelhante feito surte a deliciosamente melosa “Power On”, na qual os baixos corpulentos sublinham diálogos tremendamente reais de apaixonados do século vinte e um como “let’s go home and talk shit about everyone”.

As luzes fecham-se com a doce “Lullabye for My Insomniac” e olhamos para trás para um verdadeiro disco de amor hiper-moderno. James Blake pode ser o que ele quiser, ao contrário do receio que expressou aquando o já distante lançamento de “Don’t Miss It” ainda antes do verão passado; na altura, tinha medo de ser triste, mas, agora, tem orgulho em ser feliz. O mundo já é complicado que chegue para James Blake não se poder descomplicar e lançar um punhado de canções (maioritariamente) de amor simples e diretas que atingem numa linha reta o epicentro do ouvido. Assume Form é o regresso definitivo de Blake aos grandes álbuns – e o seu mais recente é, sem sombra de dúvida, o seu melhor trabalho em muito, muito tempo. Às vezes, menos é mais. Quase sempre.