Musik Von Harmonia foi fazendo em nós um caminho bastante sinuoso, acabando quase por se perder nas curvas do tempo. Esteve várias vezes à beira de um despiste definitivo e mortal. Sobreviveu e teve caráter suficiente para continuar firme ao lado de quem tantas vezes pensou chutá-lo para canto.

Já nos aconteceu a todos, e seguramente mais do que uma vez: ouvirmos um disco com atenção e dessa audição nada de significativo acontecer.  Por via dessa falta de química, só voltamos a pegar-lhe algum tempo depois, dando-lhe assim uma segunda (e por vezes definitiva) chance de sobrevivência. E aí, nessa seguinte aproximação, as coisas ganham contornos diferentes, já lhe encontramos motivos de interesse, o disco já nos parece outro, totalmente distinto, embora sendo exatamente o mesmo. Nunca se perceberá bem o que está por detrás desse fenómeno, mas talvez algum estranho alinhamento cósmico possa existir na base dessa explicação que nunca chegamos verdadeiramente a entender. Noutros casos, menos comuns e talvez mais gravosos, o clique só nos chega ao fim de muitos anos e outras tantas forçadas e (quase) penosas audições. Foi exatamente isso que nos aconteceu com Musik Von Harmonia, obra alemã dos inícios dos anos 70. Os Harmonia, uma espécie de super-grupo daquele tempo, extinguiram-se ao fim do segundo álbum (Deluxe, 1975), este bem mais ear friendly do que o primeiro. Agora que Musik Von Harmonia já se encontra bem resolvido, entendemos de forma plena o que dele sempre se disse: ser um álbum fundamental na história da música kraut de âmbito mais experimental. Agora, sobretudo quando Musik Von Harmonia parece já ter baixado as armas perante tamanha insistência da nossa parte, olhamos para ele como um disco de contornos quase pop, coisa que nunca nos havia passado pela cabeça. Mas não só.

A música pop é aquela cujas harmonias e ritmos são pensados para o prazer mais óbvio e facilitado, sobretudo se comparada, por exemplo, com a música erudita. Ele tende a mostrar conceitos e formatos mais em voga num determinado momento, e mesmo parecendo estranho à primeira vista, tudo isto também acontece com Musik Von Harmonia, embora numa escala mais comedida. No entanto, se lhes juntarmos algum minimalismo repetitivo e ainda algum experimentalismo sónico, então chegaremos mais facilmente ao que representa o primeiro disco da breve história da banda composta por Dieter Moebius, Hans-Joachim Roedelius e Michael Rother. Os dois primeiros, como saberão, eram os nomes por detrás dos fantásticos Cluster, e Rother era uma das cabeças pensantes dos extraordinários Neu!  A faixa de abertura (“Watussi”), se tivermos a mente aberta que o disco exige, é pop à maneira daqueles (os alemães) que queriam uma música alternativa ao pop anglo-saxónico. É dançante, ritmada, melódica e repetitiva, como convém quando é a cabeça (tantas vezes em modo far out) que impera. Mas como nem só disso vive a música, a vontade de inovar através de sons mais espaciais e inventivos, em Musik Von Harmonia também há o reverso da pop. É o que ouvimos em “Sehr Kosmisch” nos seus esplendorosos quase onze minutos de duração. É o avesso, o contraponto, a procura de um certo equilíbrio interior que por força se dilui após a primeira faixa. Depois, à medida que avançamos, volta a imperar o ritmo, embora quase ausente de componente melodiosa. A estranheza de “Sonnenschein” pode demorar a desaparecer, mas vale a pena a insistência. No entanto, ouvi-la em repeat pode levar-nos à loucura momentânea. Fica o aviso. Já em “Dino”, o descaramento pop é total. “Dino”, ao contrário do que acontece com outras faixas, quer ser nosso amigo desde o início, e “Ohrwurm” é um motor que acorda lentamente, espreguiçando-se aos poucos de forma quase envergonhada e desconcertante. Para onde nos levam estes sons? A resposta, uma vez mais, pode demorar a ser encontrada. Fica um segundo aviso. “Ahoi”, a sexta fatia sonora do álbum, é uma espécie de porto de abrigo, uma concha que se entreabre aos poucos, de tão tímida, e quase se esquece do acanhamento inicial quando se aproxima do fim. “Veterano”, por sua vez, recupera o balanço de “Watussi” e parece gémea, embora falsa, do tema inicial. Escutem com atenção as guitarras que percorrem toda a composição e deliciem-se. Por fim, a despedida dá-se com a desunida “Hausmusik”. São fragmentos que temos pacientemente de juntar.

Compreender este disco levou-nos muito tempo, muitas horas de audição. Não foi um amor imediato, antes pelo contrário. Mas alguma coisa nele não nos largou durante anos, impelindo-nos à revisitação. Abençoados sejam os génios de Moebius, Roedelius e Rother.