9
Presence, marcado por dúvidas e uma fuga para frente, é o início do fim do domínio mundial dos Led Zeppelin, e o seu último disco que ainda merece um lugar ao lado das obras-primas anteriores
No início de 1975, os Led Zeppelin estavam no auge, ou muito perto disso. A edição do colossal e ambicioso Physical Graffiti tinha sido mais um enorme sucesso, e a digressão que se lhe seguiu serviu para afirmar ainda mais a banda como o conjunto mais poderoso da galáxia rock n’ roll mundial.
Terminados esses concertos, os quatro músicos fizeram uma pausa durante o Verão, com o recomeço dos concertos marcado para o final de Agosto. Mas tudo estava prestes a mudar, nesses planos e na história da própria banda. No início de Agosto, Robert Plant sofre um violento acidente de carro, enquanto passava férias na Grécia. Na viatura iam ainda a sua mulher, ao volante, e ainda os seus dois filhos e a filha de Jimmy Page. Maureen, a mulher de Plant, foi quem ficou mais maltratada, enquanto o marido sofreu também várias fracturas. Pela primeira vez desde as origens da banda, Plant era obrigado a parar. Mais, a visão próxima da sua morte e daqueles que lhe eram mais próximos encheu-o de dúvidas. A partir daí, começou a ver a vida, e também a música, com outros olhos.
Este acidente acaba por estar na origem de Presence, o disco seguinte. Não só este poderia não ter acontecido não fosse o acidente, como este acontecimento acabou por marcar inevitavelmente o ambiente desse álbum.
Plant, engessado, passou semanas de cadeira de rodas, e sem a garantia de que voltaria a andar normalmente. Sendo um exilado por motivos fiscais, não pôde recuperar em Inglaterra. Em convalescença e preocupado com a saúde da sua mulher, o cantor sentia-se isolado do resto da banda. Pior ainda, pela primeira vez em muitos anos, não tinha a certeza se tinha de vontade de voltar a estar com os seus colegas Zeppelin.
Planos diferentes tinham Peter Grant, o eterno manager da banda, e Jimmy Page, o seu criador e líder. Perante todas as dúvidas, a resposta era, para eles, um regresso ao activo. Se não podia ser com a digressão – que foi prontamente cancelada – então seria com um novo disco, ainda que o anterior, Physical Graffiti, tivesse chegado às lojas havia pouco tempo, em Fevereiro desse ano.
Relutantemente, o vocalista deixou-se enfeitiçar pelo seu mentor e amigo. Nesse período difícil e introspectivo, as letras que Plant ia escrevendo tornaram-se mais pessoais, mais sombrias, mais soturnas. E, mesmo no meio das dúvidas e da confusão, o comboio Zeppelin foi mais forte. Em Setembro, um debilitado Plant vai para Malibu e, com Page, lança as bases de seis das sete músicas que viriam a compor Presence. Esse período de composição e de inactividade viria a coincidir com o momento em que Page mais se deixou afundar nos seus hábitos de cocaína e heroína. Isto no exacto momento em que Plant cada vez duvidava mais se queria continuar a ser um deus do rock…
Seguiu-se um mês de ensaios em Hollywood, já com Bonham e John Paul Jones, onde as músicas foram ganhando cada vez mais forma. Depois, os quatro rapazes foram para Munique onde, em apenas 18 dias, gravaram e misturaram o novo álbum, num ritmo de trabalho que, juntamente com o estado físico e psicológico de Plant, trouxe ao de cima as primeiras grandes fissuras dentro da banda.
Na verdade, como explicámos até aqui, Presence foi uma espécie de acidente, não estava previsto acontecer. Com um disco mastodôntico editado poucos meses antes, não havia abundância de material, testado na estrada ou trabalhado ao longo do tempo. Perante a incerteza, Page e Grant obrigaram os Led Zeppelin a uma fuga para a frente. Havia dúvidas? Vamos atacar um disco novo, de cabeça.
O ritmo frenético de trabalho, sobretudo de Page (são míticas as histórias de dias consecutivos sem dormir, trabalhando obsessivamente nos overdubs ou na mesa de mistura), não caiu bem a toda a gente. Mais, Page parecia possuído por um espírito missionário de salvar a banda sozinho, chegando mesmo a dispensar os sempre subtis e valiosos contributos artísticos de John Paul Jones, que se sentiu completamente alienado durante o processo. Bonham estava no auge do seu consumo alcoólico e Plant, frágil e inseguro, compensou com sentimento a falta de confiança e de pujança nos seus deveres vocais.
Um disco-resposta, um álbum-desafio, um tira-teimas, uma fuga para a frente, Presence é um pouco de tudo isto. Não há aqui temas acústicos, baladas, épicos complexos e com textura como “No Quarter”, por exemplo. É um disco de rock, negro e “in your face”, um bluff na cara do destino. Na verdade, ao sétimo disco, os Led Zeppelin fizeram o seu trabalho mais fraco, que só viria a cair depois disso.
Não quer isto dizer que não se encontrem grandes momentos em Presence. A abertura, com “Achiles Last Stand” é um mamute rock, um potente ataque aos sentidos e talvez o tema que melhor defina a posição desafiante que estes rockers ainda tinham, quando o punk surgia já no horizonte. Tal como “Nobody’s Fault But Mine”, um clássico blues que é Zeppelin vintage (sendo um original, muito copiado já antes, de Blind Willie Johnson). Ou o fecho, com a bluesy “Tea for One”, que necessariamente nos atira para o ambiente de “Since I’ve been loving you”, o clássico de Led Zeppelin III, e que nos dá uma das letras mais pessoais e desoladas alguma vez saídas da pena de Robert Plant.
Presence, que acabou por vender muito abaixo dos seus antecessores, é, na verdade, o último disco da fase imperial dos Led Zeppelin. Sendo o primeiro sinal de cansaço e de que algo estava mal, fruto das circunstâncias, da droga, dos egos, ainda tem coesão e temas suficientes para estar ao lado dos trabalhos anteriores, ainda que sem o mesmo brilhantismo.
Presence ficou terminado em Novembro de 1975, mas só veria a luz do dia em Março do ano seguinte, devido a problemas com a impressão da capa, pela primeira vez a cargo do estúdio Hipgnosis, famosos por serem autores das capas mais conhecidas dos Pink Floyd. Quando saiu, a banda estava esgotada e numa outra fase. Ainda haveria mais canções, mais concertos, zangas e reconciliações. Mas o vento musical do mundo estava a mudar, e os Led Zeppelin pareciam estar a correr contra o tempo, numa eterna demanda de se afirmarem ainda como a mais relevante banda de rock do mundo.
Isso acabou a partir de 1976, e a partir de Presence, o último disco “essencial” da discografia dos Led Zeppelin.
Sem comentários:
Enviar um comentário