Indie desmazelado com pozinhos country. Para quem gosta de tentativas de suicídio e de chapéus de cowboy.

Os Pavement e os Silver Jews são bandas irmãs. Partilham a mesma estética do desmazelo, tão definidora do indie dos anos 90. Extrair beleza a partir do desleixado é a sua arte. Para aumentar a confusão, Stephen Malkmus participou em alguns discos dos Silver Jews. Devido a estas sobreposições, muitos pensaram que a banda não passava de um projecto paralelo dos Pavement. Nada mais longe da verdade: a alma dos Jews sempre foi David Berman, sendo Malkmus apenas um ocasional colaborador. Stephen não é, contudo, um músico qualquer: é, talvez, o guitarrista mais imaginativo do indie rock. Quando às canções enormes de Berman se soma a guitarra inventiva de Stephen a magia de American Water acontece.

O que mais distingue os Silver Jews dos Pavement é a ambição das letras. Malkmus é o mestre da coolness nonsense, marimbando olimpicamente para a substância. David Berman vai mais longe, é um poeta com livros publicados, uma espécie de Leonard Cohen do indie. As suas palavras formam um mundo. American Water é feito de small towns na América profunda, underdogs dançando em bares manhosos, jukeboxes com música country lamecha, corações partidos ensopados em whisky barato, motéis rascas à beira da estrada, coisas parvas escritas em lavabos públicos, autocolantes kitsch nas traseiras dos carros, objectos escangalhados deitados à rua. Um mundo arbitrário mas sagrado, desolado mas especial. Que a sublime poesia de Berman nos chegue através de uma voz indiferente e amarrotada é 80% do encanto de American Water.

A música tem muito de alternative country. A voz de barítono de David Berman é a voz que Johnny Cash teria se não soubesse cantar. É um country dissonante e demente que qualquer verdadeiro redneck odiaria. O fã típico é doutorado em literatura moderna e viciado em crack. As tentativas de suicídio são recomendáveis mas opcionais.