Entre duetos ibéricos, épicas canções de estádio e odes ao seu Norte natal, Rock In Rio Douro traz consigo um som novo e emergente, consagrando os GNR como banda líder do pop-rock português.
Os anos 80 foram, claramente, a melhor década da música em Portugal. Com a queda da ditadura, novas gerações começaram a aparecer e, a par de Rui Veloso, Xutos & Pontapés, Sétima Legião e Heróis do Mar, muitas mais bandas se foram afirmando, num constante boom musical que muitas saudades ainda trazem a quem viveu aqueles gloriosos tempos. Os GNR estiveram lá nesse início e sobreviveram aos anos em que as vendas não os estavam a ajudar a “meter o pão na mesa”. O êxito “Dunas” foi a lança em África que lhes fez ganhar um público que até aí se resumia à crítica especializada e a meia dúzia de indefectíveis, fãs de Bauhaus, Smiths ou Talking Heads. O Rock em Portugal, embora ganhando uma vitalidade que até aí não tinha, ainda estava a dar os primeiros passos e ainda não havia grande lugar para os experimentalistas. Daí que, intencionalmente ou talvez não, a banda portuense começou a ter um som mais directo, mais rock, mas nunca perdendo a qualidade musical e, especialmente, lírica, que sempre a pautou desde o início da carreira.
Psicopátria, último disco da banda na década 80, marca essa passagem para um som mais pop, mas é na nova década que se iniciava que o som da banda ganha uma camada extra de qualidade. Rock in Rio Douro, de 1992, é, sem dúvida, o pico, tanto criativo, como de visibilidade e retorno financeiro dos GNR.
Apenas nove músicas compõem o LP da banda, mas são todas de tamanha qualidade que teríamos de falar de todas individualmente de modo a fazer-lhes justiça. O seu primeiro single, “Sangue Oculto”, em dueto com Javier Andreu, da banda espanhola La Frontera, foi um sucesso imediato. A quantidade de vezes que o seu teledisco passou no já extinto Top+ e nas várias rádios nacionais poderia ter levado a música à exaustão, mas não há como não bater o pé e cantarolar ao som desse duelo ibérico, mesmo mais de 25 anos após a sua edição. Este era, como se disse, um novo som, mais rock, mais acutilante, mais próximo do que estava a acontecer no panorama internacional, mas a sensibilidade pop e a o constante jogo de palavras utilizado com mestria por Reininho, nota-se logo na soberba “Quando o Telefone Pecca” ou em “Acorda”.
Após o dueto ibérico, Reininho volta-se para as nossas raízes e canta, ao piano, com Isabel Silvestre, o tema “Pronúncia do Norte”. Uma ode à sua região e uma das músicas mais bonitas de toda a sua carreira. Acabaria por ser utilizada pela claque Super Dragões com letra adulterada em forma de ataque aos rivais do sul e para glória do Norte.
Futebóis à parte, pois o que aqui interessa é a grande qualidade deste disco que poderia, perfeitamente, ser uma espécie de “Best Of” de qualquer banda, pois se à quarta música já estávamos rendidos, o que dizer quando entra em cena “Ana Lee” e “Sub-16”, que abrem o lado B do velhinho vinil? A primeira, música ligeira e maioritariamente acústica, realça toda a qualidade de Reininho em jogar com as palavras, dando-nos um imaginário surrealista ao estilo de Lewis Carroll. Já “Sub-16” como que agarrava aquela nova geração que começava a ouvir Nirvana, Pearl Jam, a ir a concertos de estádio, a entrar em lutas estudantis, a ter os seus primeiros desamores. Um clássico instantâneo!
Em “Que Importa?” Rui Reininho faz uma crítica subtil aos que preferiam músicas cantadas em inglês (“Só gosto do que é importado…”), para logo fazer uma cover em português de “Homem Mau”, original de Paul Rodgers e Andy Fraser, dos Free, ganhando o direito de a cantar como se fossem os próprios GNR a criar este clássico.
O disco fecha com “Toxicidade” (a versão em CD continha ainda a versão inteiramente portuguesa de “Sangue Oculto”), uma faixa que tem na sua melodia elementos muito próprios do fim dos anos 80 e início dos 90. A guitarra cheia de efeitos acompanhada de teclados que enchiam todos os cantos da música. Uma baladona que é impossível criar nos dias de hoje.
Com Rock in Rio Douro os GNR cometiam a proeza de encher estádios (Alvalade e Antas) e várias salas míticas nacionais, coisa inédita no nosso país. Tinham, finalmente, chegado ao merecido reconhecimento!
Com a década de 80 a promover grandes bandas, tudo parecia estar a correr bem nesse início dos anos noventa para a música portuguesa. No entanto, o “império do mal” chegou, trazendo consigo tempos negros e, a partir de uma certa altura, ficou difícil ouvir cantar-se na língua materna. O tempo de antena virava-se para as girls e boys bands e programas de música pimba. Demorou mais de uma década até que a música nacional voltasse a conseguir levantar-se, recuperando o tempo perdido. Foi uma pena a existência desse fosso temporal, uma vez que estávamos a ir tão bem…
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