Tal como a rapariga da capa, com Psicopátria os GNR dão um mergulho olímpico rumo à sua consistência como banda.

Comecemos por colocar em cima da mesa um ditado popular bastante conhecido e utilizado na cultura portuguesa, que serve para início de conversa sobre este álbum – agradar a gregos e troianos. Aparentemente (sem moralizar?), é tarefa impossível para os comuns mortais, e há muitos que a utilizam como desculpa para assim encolherem os ombros e levarem a sua ideia avante. Mas há também quem queira desafiar esta impossibilidade, mostrando que, com afinco e inteligência, seria possível agradar a ambos os povos que habitavam nas margens do Mar Egeu. Nesse ponto se encontravam os GNR em 1986, com vontade de juntar o reconhecimento da crítica especializada com o do grande público, na que será, quiçá, a mais hérculea das tarefas dos fazedores de arte nas suas diversas formas em Portugal. É debate que tem barbas, e, seja nos domínios do cinema, música, literatura, televisão, pintura, escultura, contam-se pelos dedos das mãos quem tenha conseguido subir a esse Olimpo. Psicopátria será um desses casos.

Enquanto que nos três discos anteriores houve sempre espaço para devaneios, aqui quis-se minimizar esse lado, contraindo-se a vontade de fazer mais canções propriamente ditas. Alexandre Soares tinha perdido o protagonismo (com a sua saída da banda em 82 e regresso pouco depois, mas com estatuto de repescado) e era agora Reininho e Tóli que comandavam o leme (o primeiro ao nível de letras e o segundo ao nível da concepção musical). Tal como o próprio Tóli assume: “No Psicopátria a maior parte das canções são minhas e há a oportunidade de tentar fazer um disco de canções à séria, que se conseguiu muito bem (…) Sentíamo-nos bem a tocar aquilo, funcionava e era bom. Já havia coisas que soavam mais a canção, com cabeça, tronco e membros: Tinha um refrão, uma bridge. Nem sempre o tínhamos conseguido fazer e ali conseguimos.” Eis, pois, o caminho iluminado para um disco marcante do pop rock português.

O ano de 1986 foi um dos mais importantes para a história portuguesa. Com a entrada na CEE (que já tinha sido demandada pelos próprios GNR, cinco anos antes) o futuro estava já ao virar da esquina e Portugal teria a possibilidade de se tornar moderno. Toda uma catrefada de produtos novos iriam aparecer nos supermercados. Todo um vocabulário novo passaria a ser usado. E os GNR listam isso mesmo na música que abre o disco – “Pós-Modernos” é um hino pop, atirando para cima da mesa os kleenex, a kitchenette, os duplex, o ketchup, o video-club, o joystick, o squash. Claro que o travo de ironia e sarcasmo de Reininho também marcam presença – “Ah! Os pós modernos agarram na angústia / E fazem dela uma outra indústria”, mostrando que talvez (mas só talvez…) os problemas não ficassem todos resolvidos assim. “Bellevue” é um registo mais tranquilo, onde sobressai a capacidade lírica de Reininho com os seus trocadilhos corrosivos – “Era só para brincar ao cinema negro / Os corpos no lago eram de gente no desemprego.” Uma grande música, de uma densidade tremenda.

A concepção dos discos era, na altura, pensada para o seu próprio formato (vinil), com o lado A e o lado B. Hoje, poucas vezes se pensa nisso, mas a escolha da ordem das músicas era em muito influenciada por este aspecto. A este propósito “Coimbra B”, puramente instrumental, servia de encerramento ao Lado A e agora é simplesmente a sexta música do álbum, antecedendo o single que carregou o disco para o grande público – “Efectivamente”, uma das maiores canções da cancioneiro português. Logo de seguida, outra canção imponente, “Ao Soldado Desconhecido”, ou como fazer um retrato do dilema constante de se ser recruta:

“Sempre que fui combater rastejei pelo chão
Onde nem a beladona cresce tocando o musgo com a mão
Descarnado de alma, mas mantendo a calma
Dilacerado esforço em vão”

Em “Nova Gente” pisca-se o olho ao tropicalismo, com laivos de calypso, ao passo que “Choque Frontal” merecia estar na lista dos grandes êxitos da banda. Para fechar, e como não podia deixar de ser, temos resquícios de experimentalismo GNRiano (ou deveria dizer soaresiano?), em “To Miss”, cantada em inglês.

Após o lançamento de Psicopátria, os GNR atiraram-se de cabeça aos palcos, com ganas de mostrar o álbum a toda a gente. Segundo Reininho, foram mais de 100 concertos, inclusivé em Espanha e França, mas sobretudo chegando às salas grandes do país, os almejados Coliseus. O sucesso chegou antes das auto-estradas.