E ao terceiro disco, mais um delicioso fracasso comercial, mais um disco apreciado pela crítica! Com Os Homens Não Se Querem Bonitos, os GNR faziam o pleno dos extremos. Por um lado palmas, por outro o desinteresse do grande público. A exceção deu-se com “Dunas” e também um bocadinho com “Sete Naves”. O álbum, esse, ainda hoje se ouve com muito gosto e muita satisfação.

Depois de Defeitos Especiais, disco com título muitíssimo bem esgalhado, os GNR aproximavam-se um pouco mais da pop que os veio a caracterizar um pouco mais tarde. Nesse sentido, o da definição derradeira do caminho a traçar no futuro, Os Homens Não Se Querem Bonitos poderá ser entendido como um álbum de transição, espécie de arma de fogo musical com muitos gatilhos prontos a metralhar em direção a alvos variados e de diferentes latitudes sonoras. Um desses disparos, uma dessas balas, que não necessariamente perdida, rumou a África, por exemplo. A canção “Apartheid Hotel” é disso um bom exemplo. É um quase-instrumental, ouvindo-se nela a voz dada da mlerifiana Anabela Duarte, num dos momentos mais experimentais do disco. É o penúltimo dos seus nove temas. No derradeiro, nova experiência, desta vez com alguns contornos orientais, se assim podemos dizer. “Azraël”, é esse o titulo da faixa que encerra o álbum, terá incomodado os mais incautos pela aposta da banda em encerrar, mais uma vez, um longa-duração de maneira estranha, embora não tão repleta de avarias.

A ideia de começarmos este texto pelas canções que finalizam o álbum não é totalmente inocente, até porque elas poderão muito bem ser entendidas como as últimas a desempenhar essa estranha coerência instrumental final que teve início em Independança, passou por Defeitos Especiais e terminou em Os Homens Não Se Querem Bonitos. Tal coisa nunca mais aconteceu, pelo que resolvemos destacar o facto. Mas voltemos a rodela preta para o início do seu Lado A. O disco tem início com “Santa Polónia”, tema pouco mais do que interessante, espécie de “comboio sem apitar”, como por lá se canta. Segue-se a ritmada e esfuziante “Sonora”, canção bem à maneira new wave daqueles já longínquos tempos, a lembrar os sempre saudosos The B-52’s, misturando inglês com castelhano. “Freud & Ana” tem uma pegada mais roqueira, brincado (como sempre) com palavras e expressões do nosso imaginário (“Mão morta / Mãe morta / Vai bater àquela porta”), embrenhando-se depois num xadrez lírico onde se comem cabeças de bispos e de damas à vontade sem regras de Rui Reininho. Depois, para muitos, o disco começa e termina em “Dunas”. Na verdade, dificilmente se encontrará início mais icónico em toda a história do rock português. Bastam aquelas batidas no princípio da música para que todos a reconheçam. Será, eventualmente, o sucesso dos sucessos da banda, e assim continuará de geração para geração. As “dunas” serão sempre os “divãs” do nosso eterno contentamento. “Sentidos Pêsames” é uma bonita balada (gostamos especialmente das inflexões de voz da voz de Rui Reininho, que pontuam a canção de forma muito particular) que não ficou para a história luminosa dos temas best of dos GNR, mas que teria lugar de destaque, se tal coisa houvesse, num worst of de excelência musical que a banda sempre soube produzir. “Sete Naves” é um tema algo datado, embora o baixo forte de Jorge Romão ainda hoje soe bem. Não fosse o “efeito eucalipto” de “Dunas”, “Sete Naves” poderia ter sido um hit discreto de Os Homens Não Se Querem Bonitos. Enfim, talvez tenha sido, mas “Dunas” tudo abafou. Curiosa é ainda a canção “Made In Oporto”, a última gravada a ter a voz de Alexandre Soares no lugar da de Rui Reininho. E, diga-se, é excelente, embora pareça um pouco deslocada de todas as outras, sobretudo se privilegiarmos  uma certa visão de conjunto, o que não parece, na verdade, exercício muito sábio a ter em conta. Ou seja, num disco ainda feito em busca de uma (futura) voz mais própria, a principal riqueza caleidoscópica de Os Homens Não Se Querem Bonitos é essa mesma, a da diversidade criativa.

Em conclusão, passa-se com os discos, o mesmo que se passa com os homens: não é forçoso que tenham de ser bonitos. Basta, aos discos e aos homens, que sejam bons, que tenham qualidade, como é claramente o caso.