A história do jazz contemporâneo está a passar por aqui.
Javier Subatin é um guitarrista e compositor de jazz, que há muito trocou a Buenos Aires da sua infância pela nossa Lisboa. Decidiu finalmente gravar o seu primeiro álbum, só com composições suas, desenhadas sobretudo para guitarra eléctrica e piano. A guitarra é interpretada pelo argentino, e o piano é entregue a alguém muito especial: João Paulo Esteves da Silva.
Apesar do coração de Autotelic pertencer a este duo guitarra-piano, alguns temas contam com texturas adicionais mais do que bem-vindas: Desidério Lázaro no saxofone tenor, André Rosinha no contrabaixo e Diogo Alexandre na bateria.
Num statement estético, todo o disco é embrulhado com embrulho nenhum. Os títulos dos temas não levam palavras, mas sim algarismos, ordenados sem lógica numérica. O título do disco é uma palavra grega que quer dizer “que tem o fim em si mesmo”. Onde Javier quer chegar é que a música que compôs e interpretou foi motivada por razões estritamente musicais, sem qualquer significado para além de si própria. Com Autotelic, Subatin não quer expressar quaisquer estados de alma, quaisquer memórias biográficas, quaisquer preocupações políticas ou existenciais; quer apenas expressar a beleza intrínseca da sua música.
Simpatizamos com a posição de Javier Subatin. Muitos críticos discorrem longos tratados filosóficos à procura do significado profundo de uma obra quando o essencial está à superfície, na própria forma estética. Tentaremos não incorrer no mesmo erro. No entanto, uma advertência: não sabemos apreciar uma forma musical sem o recurso a uma linguagem metafórica de imagens e sensações. Javier pode não gostar da nossa abordagem impura. Mas, uma vez saída cá para fora, a sua obra já não lhe pertence. É agora património nosso.
Para Subatin, “#6” é, talvez, uma simples brincadeira à volta do ritmo afro-americano do candombe. Mas nós ouvimos meninos cor-de-chocolate a correrem felizes debaixo de uma chuva tropical.
Para o autor, “#8” será um novo exercício à volta de um ritmo latino, desta vez a chacarera da sua terra-natal. Mas no seu saxofone nós ouvimos loucos a dançarem nos corredores de um hospício.
Para o argentino, “Solo” será a exploração de um determinado ciclo harmónico, e os pratos irrequietos da bateria serão, talvez, samba. Mas, no subir e descer escadas da mão esquerda do piano, eu juro que ouço o fantasma da minha avó a dançar em cima da sua velha máquina de costura.
Falta-nos, porventura, uma linguagem mais rigorosa para descrever o jazz de Subatin e seus comparsas. Mas é a única forma que temos de lhe dizer que a sua música, de tão bela, nos comove.
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