segunda-feira, 30 de setembro de 2024

“Maquinarama” (Chaos/Sony Music, 2000), Skank

 

 

O Skank poderia muito bem ter fechado os anos 1990 deitado em berço esplêndid o, graças à fama alcançada pelos álbuns Calango (1994) e O Samba Poconé (1996), dois sucessos fonográficos que superaram cada um a marca de 1 milhão de cópias. Contudo, apesar da fama, havia algo que incomodava o quarteto mineiro: as bandas imitadoras do Skank. 

A sonoridade pop construída pelo Skank, que catapultou a banda para o estrelato, passou a ser copiada por dezenas de bandas Brasil afora, algumas delas chegando a ter seus "quinze minutos de fama", como diria Andy Warhol. Se algo não fosse feito, o Skank poderia acabar sendo uma caricatura de si mesmo.

 E o Skank agiu, lançando em 1998 o álbum Siderado, que já mostrava a banda iniciando uma tentativa de redirecionar sua orientação musical. Se o álbum não chegou a ter o mesmo apelo popular dos dois álbuns anteriores, pelo menos mostrou uma banda disposta a se reinventar. A faixa "Resposta" parecia apontar o futuro para o Skank. Outras faixas de Siderado, como "Saideira", "Mandrake e Os Cubanos" e a faixa-título, também alcançaram sucesso nas paradas de rádios. 

Após Siderado, foi cogitado o lançamento de um álbum ao vivo para criar um hiato, com a intenção de ter tempo suficiente para pensar no conceito do próximo álbum de estúdio, algo novo e que fugisse do padrão musical que lhes consagrou e que naquele momento era copiado por inúmeras bandas. 

Dentro desse processo criativo, uma das primeiras ações do Skank foi abrir mão de ser um "caldeirão de ritmos", condição que tornou a banda conhecida pelo grande público nos anos 1990, quando o quarteto fazia fusões de reggae, pop, ragga, ska e dancehall com alguns ritmos regionais brasileiros. 

Para o novo projeto, o Skank buscou referências musicais dos anos 1960, como Beach Boys (fase Pet Sounds), psicodelia, Beatles, Sérgio Mendes & Brasil '66 e Jovem Guarda (principalmente Roberto Carlos). Evidentemente, a banda mineira também mirou suas atenções em referências mais contemporâneas, como Asian Dub Foundation, Chemical Brothers, Ira!, Air, Lords of Acid, drum’n’bass e música eletrônica. 

Beatles, Chemical Brothers, Asian Dub Foundation e Jovem Guarda: referências do
Skank para conceber o álbum Maquinarama.

Para a composição do repertório do novo álbum, o Skank foi muito além da parceria Samuel Rosa – Chico Amaral, que dominou os álbuns anteriores. Contou com colaborações de Fausto Fawcett, Nando Reis, Lô Borges, Rodrigo Leão, Edgard Scandurra e até mesmo Lelo Zaneti, o baixista do Skank. 

A princípio, para a produção de Maquinarama, estava escalado o produtor sérvio radicado no Brasil, Mitar Subotić, mais conhecido como Suba. Lamentavelmente, Suba faleceu em novembro de 1999, aos 38 anos, após inalar muita fumaça ao tentar resgatar material de gravação de um incêndio em seu apartamento. A produção foi conduzida por Chico Neves e Tom Capone, o primeiro produzindo sete faixas e o segundo, as outras cinco. 

Neste novo trabalho, o Skank decidiu inovar. Maquinarama foi o primeiro álbum do Skank a ser gravado no estúdio montado pela banda em Belo Horizonte. Na verdade, o estúdio foi montado nos fundos da casa da mãe de Haroldo Ferretti, baterista do Skank. Muito provavelmente, para as gravações de Maquinarama, o estúdio passou por algum aprimoramento. As gravações ocorreram entre janeiro e abril de 2000 e contaram com as participações especiais de convidados ilustres como o guitarrista Andreas Kisser (Sepultura), o percussionista Ramiro Musotto (1963-2011), Mano Chao, entre outros. 

A produção de Maquinarama foi concluída nos estúdios 304 e Toca do Bandido, ambos no Rio de Janeiro. O material gravado foi mixado no estúdio Mega, no Rio de Janeiro, e no Bearsville, em Woodstock, nos Estados Unidos. A masterização foi feita no Gateway Mastering Studios, em Portland, nos Estados Unidos, por Bob Ludwig, engenheiro de masterização que já trabalhou com estrelas do rock como Rolling Stones, Beatles, Jimi Hendrix, Queen, Bruce Springsteen, Nirvana, Lou Reed, entre outros. 

Lançado em 1º de junho de 2000, Maquinarama traz em sua capa um Cadillac Sedan Deville, de 1961, grafitado pelo pintor americano Kenny Scharf. Discípulo de Andy Warhol (1928-1987), ele foi contemporâneo de Jean-Michel Basquiat (1960-1988) e Keith Haring (1958-1990). 

Com um repertório composto por 12 faixas, o álbum Maquinarama começa com "Água e Fogo", e seu ritmo festivo inspirado no pop dos anos 1960. Em seguida, vem "Três Lados", um pop rock eletroacústico que traz em seus versos as contradições e incertezas numa relação de um casal. "Ela Desapareceu" é um pop rock com traços sutis de psicodelia que expressa o sentimento de perda, vazio e a dificuldade do eu lírico em aceitar a importância de alguém que se foi. 

O artista plástico americano Kenny Scharf é o autor da grafitagem no
Cadillac Sedan Deville que aparece na capa do álbum Maquinarama.

"Balada do Amor Inabalável" tem um arranjo com forte influência da bossa nova pop de Sérgio Mendes & Brasil '66, que conquistou o mercado americano nos anos 1960. Composta por Samuel Rosa e Fausto Fawcett, a letra traz a ideia de que uma canção pode ser um elo de ligação entre duas pessoas que se amam, mesmo quando estão distantes. 

Em "Canção Noturna", os versos falam de saudade e da presença constante de alguém na memória do eu lírico. A letra traz elementos de paisagens de lugares distantes e a linha melódica construída pelo Skank cria todo um estado de contemplação nostálgica para quem ouve a canção. Leve e cheio de efeitos de slide guitar, o pop rock "Muçulmano" traz um eu lírico apaixonado, capaz de comparar o seu amor a uma fé intensa, semelhante à do muçulmano quando se curva em direção à Meca, daí o título da canção. 

"Maquinarama", faixa que dá nome ao álbum, quebra uma sequência de canções calmas, trazendo seu ritmo frenético e nervoso, com inspiração no drum’n’bass. Somam-se a isso guitarras distorcidas e a percussão pulsante do argentino Ramiro Musotto. A letra expressa a incerteza e a complexidade da vida, destacando a importância do indivíduo em seguir em frente, apesar das dúvidas: “Motorista, siga aquela lua, aquela placa, aquela seta, aquela rua / Pois a minha sorte não é tão certa como a sua, mas atravessa esse beco e continua”. 

O guitarrista Andreas Kisser, do Sepultura, é convidado especial do Skank em "Rebelião", com seu som pesado e agressivo que serve de pano de fundo para versos que tratam sobre insatisfação e revolta contra o sistema opressor e injusto. 

A calmaria retorna com a balada "A Última Guerra", que faz referência aos efeitos devastadores de um amor intenso, comparado a uma guerra que deixa escombros e poeira. "Fica" remete ao Skank dos anos 1990, com um refrão "chiclete": “Pode parecer mentira / Pode parecer que não / Eu te tenho bem na mira / Mas você me tem na mão”. O romantismo de "Ali", parceria de Samuel Rosa e Nando Reis, descreve o momento de fascínio e contemplação do eu lírico diante da presença feminina, sugerindo a possibilidade de alcançar sonhos não realizados. 

Fotografias do encarte do álbum Maquinarama.


"Preto Damião" encerra o álbum, com um ritmo que oscila entre uma batida frenética e a calmaria psicodélica. A letra narra a história de um músico excepcional que supera desafios e aprende música de forma intuitiva, representando a resiliência e a determinação diante da adversidade. 

A recepção por parte da crítica, no geral, foi positiva, reconhecendo a tentativa do Skank em ousar e sair da zona de conforto. Na edição 180 da revista Bizz, de julho de 2000, o jornalista Ricardo Alexandre, em matéria sobre o Skank, afirmou que em Maquinarama “as canções soam mais orgânicas e elaboradas do que nos álbuns anteriores”. Para Pedro Alexandre, em seu artigo no jornal Folha de S. Paulo, de 8 de junho de 2000, o Skank não era mais a “banda que se fez dominante no mercado” nos tempos de Calango e O Samba Poconé, mas havia se tornado uma banda “mais sofisticada, menos populista, mais audaciosa. O Skank dá um salto no escuro, mas um salto para cima. Seja o que o mercado quiser”, escreveu o jornalista. 

Se do ponto de vista da crítica, o álbum foi bem avaliado, comercialmente Maquinarama teve vendas modestas para o que se esperava do Skank. O álbum vendeu cerca de 275 mil cópias, bem abaixo das milionárias vendas de Calango e de O Samba Poconé, ou mesmo de Siderado, que alcançou a marca de 750 mil cópias. 

Mesmo assim, apesar de ter vendido bem menos que os álbuns anteriores, Maquinarama emplacou faixas nas paradas radiofônicas. "Balada do Amor Inabalável" ganhou projeção nacional ao ser incluída na trilha sonora da novela Laços de Família, da TV Globo, exibida em 2000. As outras faixas que chegaram a fazer um sucesso modesto foram "Três Lados", "Fica" e "Ela Desapareceu". 

No segundo semestre de 2001, o Skank lançou seu primeiro álbum ao vivo, MTV ao Vivo: Skank, que foi lançado também em DVD. O álbum é um registro gravado ao vivo na Praça Tiradentes, em Ouro Preto, nos dias 7 e 8 de julho de 2001, quando a banda se apresentou para milhares de pessoas tocando um repertório formado pelas canções mais votadas pelos fãs no site do Skank. 

Maquinarama representou um divisor de águas na carreira do Skank. Com sua mistura de novas sonoridades, colaborações diversificadas e uma produção impecável, Maquinarama destacou a habilidade do Skank de se reinventar, de mostrar-se uma banda inquieta artisticamente e relevante na música brasileira. Além dessas qualidades, Maquinarama pavimentou o caminho para um outro trabalho que surpreenderia ainda mais o público e a crítica, o elogiadíssimo Cosmotron (2003).

 

Faixas

  1. "Água e Fogo" (Samuel Rosa/Chico Amaral/Edgard Scandurra)
  2. "Três Lados" (Samuel Rosa/Chico Amaral)
  3. "Ela Desapareceu" (Samuel Rosa/Chico Amaral)
  4. "Balada do Amor Inabalável" (Samuel Rosa/Fausto Fawcett)
  5. "Canção Noturna" (Lelo Zaneti/Chico Amaral)
  6. "Muçulmano" (Samuel Rosa/Rodrigo F. Leão)
  7. "Maquinarama" (Samuel Rosa/Chico Amaral)
  8. "Rebelião" (Samuel Rosa/Chico Amaral)
  9. "A Última Guerra" (Samuel Rosa/Lô Borges/Rodrigo F. Leão)
  10. "Fica" (Samuel Rosa/Chico Amaral)
  11. "Ali" (Samuel Rosa/Nando Reis)
  12. "Preto Damião" (Samuel Rosa/Chico Amaral)

Skank: Samuel Rosa  (vocal, guitarra e violão), Lelo Zaneti (baixo), Henrique Portugal (teclados) e Haroldo Ferreti (bateria). 


Ouça na íntegra o álbum Maquinarama


"Três Lados" (videoclipe oficial)


"Canção Noturna" (videoclipe com letra)


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