Ensonada e querida como um coala constipado, Courtney desceu do seu eucalipto para nos entregar mais um grande disco. Quando todas as notas e palavras estão certas não há como não lhe perdoar o desencanto que agora nos traz.

Declaração de interesses: o autor destas linhas está apaixonado pela Courtney Barnett; o que não o impedirá de exaltar o seu maravilhoso novo disco com rigor e objectividade.

Quem gostou do álbum de estreia terá necessariamente de aplaudir este “pisca-o-olho ao alternative rock dos nineties, parte II”. Versos suaves/ refrões explosivos à Pixies e Nirvana? Voz blasé à L7? Solos desengonçados e maravilhosamente ao calhas à Pavement? Coros das irmãs Deal das Breeders mais o primeiro nome da artista partilhado com a líder das Hole? Cruz em todos os quadradinhos da lista de compras em nostalgia de flanela.

Mas o seu revivalismo grunge é apenas uma nota de rodapé. O que realmente interessa em Barnett é a sua singularidade enquanto songwriter. Cada geração tem o dever de oferecer novos inquilinos para a Tower of Song (para utilizar a expressão feliz de uma canção de Leonard Cohen), e Courtney reforçou, com o pessoal e intransmissível Tell Me How You Really Feel, o seu direito à sua pequena água-furtada. Que ela habite o mesmo infame prédio onde Lou Reed, depois de esmurrar o seu amigo Bowie, vai pendurar as suas meias e seringas no estendal, desviando-se das garrafas de whiskey vazias que Tom Waits e Neil Young lhe arremessam, é menos um privilégio do que uma maldição.

Este segundo capítulo não toma banho no mesmo rio. O álbum de estreia era um disco luminoso, com um olhar poético sobre o mundo, onde Barnett se predispunha a encontrar magia nos pequenos-nadas do quotidiano, por mais neurótico e retorcido que fosse o seu sentido de humor. Agora, Courtney perdeu essa candura original, e um certo desencanto assoma: nas melancólicas melodias, nas amargas palavras. Os planos de conjunto à John Ford dão agora lugar a close-ups à Bergman, olhos e bocas ocupando todo o ecrã em acusatórias cenas da vida conjugal; e os dribles poéticos são agora evitados em nome de uma linguagem crua e directa mas certeira e inteligente. Não há aqui cartas, há telegramas, mas redigidos pelo próprio coração.

É uma pena que a lucidez de Courtney desapareça quando se trata de corresponder aos sentimentos que o autor deste texto há muito lhe endereça. Não faz mal. Ninguém é perfeito. E, não por rancor, mas por destino, um dia todos morreremos. Só a Torre da Canção perdurará.