Gilberto Gil tem múltiplas razões para se sentir de bem com a vida, e outras tantas que lhe conferirão, seguramente, um prolongado estado de tranquilidade e contentamento.

É um ícone vivo da música popular brasileira e tem o respeito da esmagadora maiorias dos músicos da sua geração, assim como tem e terá das gerações vindouras. Atingir esse bonito patamar não é para todos e são menos ainda aqueles que se vão mantendo na crista da onda, sobretudo quando constatamos que o baiano conta já com mais de cinquenta anos de carreira ativa e sem contratempos de maior. É, como costuma dizer-se, um histórico, um nome incontornável, um deus dos sons e dos ritmos tropicalistas, embora sem rédeas ou amarras a quaisquer períodos ou movimentos musicais do nosso país irmão. Mais ainda. Os tempos recentes fizeram-no sentir as agruras da idade (no entanto, como bom filho de ogun, saiu vitorioso dessa peleja íntima com alguma falta de saúde), mas também caudais de afeto que o correr dos anos pode naturalmente trazer. A família continua a crescer e Gilberto Gil é, cada vez mais, um avô babado que busca nesse elemento sanguíneo alimento sentimental e artístico. A prova do que acabámos de dizer vem escancarada, solta e para ser ouvida e cantada no seu recentíssimo Ok Ok Ok.
É um disco de entrega e de amor, este recentíssimo longa duração de Gilberto Gil. Amor aos próximos, aos seus, aos que brotaram há pouco para a vida, mas também para aqueles que lhe prolongaram essa mesma vida, curando-o de sérios problemas recentes de saúde. O tom musical de todo o disco é de imensa tranquilidade. Curiosamente, a faixa onde menos se nota essa característica é a que dá título ao trabalho, canção de indagações várias, de postura inquieta, problematizando o mundo e as suas circunstâncias. O Gil opinativo de sempre, político, mas também o Gil poeta como poucos conseguiram ser. Em todo o trabalho nota-se um enorme cuidado com o verso, com a palavra, que no caso do baiano parece sempre dextra, trabalhada como quem esculpe conteúdos e formas. Um artesão sábio.
Mais três ou quatro canções dignas de nota elevada são, por exemplo, “Na Real”, “Sereno”, “Uma Coisinha Bonitinha” e “Quatro Pedacinhos”. Juntamente com a “Ok Ok Ok” inicial, estas são as primeiras cinco faixas do disco, e ao ouvirmos todas em sequência, constatamos estar na presença de um excelente trabalho. No entanto, da sexta em diante, o disco perde um pouco o foco e a identidade, assume caminhos algo díspares, o que prejudica um pouco a obra.
Mas voltemos aos ótimos momentos. “Na Real” é só ternura e um bonito texto sobre Flora Gil, mulher do artista. Bom swing com notas de funk. Depois temos “Sereno”, sambinha bom de homenagem ao neto com o mesmo nome da canção, feito a meias com o filho Bem Gil. “Uma Coisa Bonitinha” é uma interessante parceria com João Donato e “Quatro Pedacinhos” (bonita homenagem a uma médica que o acompanhou na recente doença) é mesmo dos melhores momentos de todo o álbum, trazendo de novo o samba em cadência bem espaçada e tranquila. À parte este fulgor inicial, destacaremos ainda o samba “Jacintho”, sobretudo pela soberba letra de Gil sobre a velhice. Um primor!
Na generalidade, Ok Ok Ok é um bom regresso de Gilberto Gil ao mundo dos discos de temas inéditos. Não ficará para a história da sua própria discografia como um dos seus melhores trabalhos, mas para quem já nos deu tantos e tão bons álbuns, isso pouco importa. Gilberto Gil está bem vivo e isso é uma extraordinária boa notícia. Gravará em breve um peça musical para a importante companhia de ballet Grupo Corpo. Está, como se vê, de regresso ao trabalho e os tempos mais próximos parecem vir a ser de grande (e boa, desconfiamos) atividade.
Tudo “ok ok ok ok ok ok” com Gilberto Gil, portanto!