Ao décimo-primeiro disco, os Animal Collective já sabem que podem fazer de tudo, até um álbum audiovisual cuja premissa inspiradora – a de alertar para os perigos da destruição dos recifes de corais – não chega para fazer valer os 54 minutos maioritariamente entediantes de Tangerine Reef.

Os corais, flores misteriosas do reino animal, que se organizam em colónias coloridas, são donos de uma beldade arrebadatora que não aumenta nem diminui por mais anos que por eles passem. Foi por estes curiosos bichos do mar, cuja tão bélica e horrenda pegada humana vai assassinando a pouco e pouco, que o coletivo de Baltimore conhecido como Animal Collective se apaixonou desta vez, fazendo deles e da sua conservação o mote para o seu décimo-primeiro album de estúdio, Tangerine Reef, lançado a 17 de Agosto pela Domino Records, de braço dado com o duo artístico/científico Coral Morphologic em celebração do Ano Internacional do Coral.

Se os corais possuem a admirável qualidade de respirarem vida nova durante milhares de anos, o mesmo não se pode dizer para a maioria dos músicos ou projetos musicais. A sua esperança de vida talvez esteja, na maior parte dos casos, mais perto da dos comuns animais domésticos como o cão e o gato – ao fim de pouco mais de uma década, tornam-se velhos e entorpecidos, incapacitados e sem energia, até acabarem por se enroscar a um canto discreto para morrer. Há, claro, excepções ao caso, munidas de poderosos elixires que ajudam no combate ao volver dos anos: mais comum, será talvez o intervalo musical, que lhes permite recolherem-se para uma sesta que lhes pode, possivelmente, armar de uma nova carga de energia e de ideias quando se lançam novamente (e finalmente) ao trabalho no estúdio; vejamos, por exemplo, o caso dos Slowdive, que recentemente foram acolhidos pelos braços generosos do Vodafone Paredes de Coura num concerto que celebrou o seu aclamado quarto álbum, Slowdive, lançado no ano passado: o anterior a este datava de 1995. Mas aqueles que resistem à força inexorável do tempo, desprezando-a e desvalorizando-a, continuando a lançar disco após disco, ano após ano, num fluxo turbulento e desvairado de superprodução, acabam, mais tarde ou mais cedo, por cair: seja pela via do derradeiro embaraço público, ou pelo mais recatado caminho do esquecimento por parte de quem antes prometia para sempre lhes prestar vassalagem.

Parecendo que não, já foi há quase uma década que os Animal Collective (que consistem, na sua totalidade, em Noah Lennox, ou Panda Bear, Dave Portner, ou Avey Tare, Josh Dibb, ou Deakin, e Brian Weitz, ou Geologist, que entram e saem do coletivo conforme o projeto) lançaram o seu álbum definitivo, Merriweather Post Pavillion; a colorida (à semelhança de um coral) coletânea de temas de pop psicadélico de dinamite fez explodir, em 2009, a cena musical alternativa, com críticos a desfazerem-se em elogios e fãs em declarações de amor. E tudo merecido: em retrospetiva, é talvez um dos discos mais memoráveis e excitantes da passada década. Ao qual ainda hoje e para sempre regressaremos. Mas para quantos mais discos dos Animal Collective (que, mesmo antes de assumirem um título de realeza nos futuros livros de história com Merriweather, já haviam lançado uma mão-cheia de álbuns maravilhosos) lançados na nova década podemos aplicar a mesma promessa?

É sempre um bizarro desafio para um fã de longa data virar as costas ao seu bicho de estimação moribundo e aceitar a noção aterradora da sua morte, ou, pelo menos, da sua doença fatal. A reação dos próprios Animal Collective à chegada da velhice em banda (eles que já lançam música, para todos os efeitos, desde 2000) tem sido caricata. Se os álbuns seguintes, Centipede Hurtz, de 2012, e Painting With, de 2015, revelavam uma luta feroz contra a chegada da vida adulta, transformada em dois tipos de abrasividade distintos, que, nos seus piores momentos, assemelhava-se em ambos os casos a uma birra obstinada de criança, o seu mais recente lançamento, Tangerine Reef, é a banda-sonora da seca da terceira-idade.

Apesar do seu ritmo de atividade que partilha mais características com o bicho carpinteiro do que com o contemplativo coral, os Animal Collective não sofreram de um dos males mais nocivos que assombra muitos projetos que se entregam à causa anos seguidos sem parar: nunca perderam a sua sinceridade, que torna ainda mais penoso arriscar diagnosticá-los como doentes terminais. O conceito de Tangerine Reef e a sua temática ambientalista – que havia inspirado recentemente, aliás, o EP de 2017 Meeting of the Waters, gravado na floresta amazónica – é, no mínimo, admirável. Os visuais que acompanham o disco, uma coletânea de quase uma hora de extraordinárias filmagens de magníficos corais de todas as cores e formas, dão força à causa. Mas não são suficiente; naturalmente, a triste velhice obrigou-o a munir-se de uma bengala de imagens arrebatadoras, enquanto a música em si quase que passa despercebida. São treze os temas que constituem o décimo-primeiro album de estúdio dos Animal Collective, difíceis de distinguir entre si, mesclando-se numa sopa mal temperada de instrumentais distorcidos e melodias repetidas até à exaustão – cuja força individual não lhes permite hipnotizar, apenas aborrecer -, enquanto Avey Tare parece cantar ele próprio escondido debaixo das ondas do mar, sendo que o ouvido se contorce com dificuldade ao tentar decifrar as palavras bonitas que de certeza que profere.

Nem tudo é mau: as guitarras ondulantes de “Buffalo Tomato” remetem-nos para os tempos mais felizes de Feels (2005), enquanto as teclas cintilantes de “Coral Understanding” em igual medida nos transportam para a esperança de voltarmos a sentir no peito a força de uns Animal Collective de outros tempos. A força das palavras de Avey Tare permanece intacta, suspensa por um fio à qualidade de trechos anteriores, e carrega com a mesma pujança de antigamente frases de ordem como “we give and we give And / we take and we take”, que sublinha e repete na fantásmica última faixa do album, “Best of Times (Worst of All)”. Mas, no seu todo, é um album cansado e cansativo, inclassificável por não se entregar suficiente a nenhum dos géneros anteriormente explorados pelo conjunto que já mergulhou nas ondas do pop psicadélico, ambient ou noise. A ausência da mão construtiva de Noah Lennox, ou Panda Bear, que, pela primeira vez, se ausenta de um disco da coletiva, sente-se e dói.

A tónica melodramática da metáfora fúnebre desta crítica não deve ser levada demasiado a peito: é apenas uma infeliz previsão, e Tangerine Reef não é necessariamente um diagnóstico final, apenas um sinal preocupante ao que o futuro virá a trazer aos Animal Collective que um dia, há muito tempo, nos deram Merriweather Post Pavillion. As boas notícias são que quase todos os membros da coletânea têm-se agigantado em qualidade no que toca a lançamentos em separado – desde o por muitos (injustamente) esquecido EP de Panda Bear deste mesmo ano, A Day With The Homies, a Eucalyptus de Avey Tare, de 2017, e até ao surpreendente Golden Chords que nos chega de Deakin no ano anterior. Talvez a união afinal não faça força: e talvez, aquilo que os Animal Collective eram já não equivalha aquilo em que se tornaram, por mais que os seus mais fíeis admiradores cerrem os dentes e se recusem a admitir a urgência de retiro. Não terá de ser um retiro infindável, apenas um breve interval que dê ao projeto um momento para se revunescer, para não se afogar e morrer no fundo do mar por se ter julgado mais corajoso do que a sua imortalidade. Os corais, aos olhos humanos, parecem durar para sempre. As bandas, se mal cuidadas, não.