Thomas Dinger é uma lenda do kraut, como bem se sabe. No entanto, talvez poucos conheçam esta pequena pérola sonora. Chama-se Für Mich e veio ao mundo no segundo ano da década de 80.

Depois de inúmeros aborrecimentos com o seu irmão Klaus Dinger, Thomas decide-se pelo afastamento. Deixou os La Düsseldorf depois da gravação de Viva (1978) e rumou até ao sul de França, local muito escolhido por músicos de vanguarda daqueles tempos. Anos mais tarde, embora sempre ligado à música, dá ao mundo o seu primeiro disco a solo, e dificilmente se poderia esperar melhor. Für Mich é esplendoroso, refugiando-se num som mais contemplativo, mais melódico, não cortando, note-se, com as amarras do kraut mais ritmado (a batida motorik enche completamente a faixa que dá título ao álbum, por exemplo), antes preferindo a produção de um som mais pastoral e elegíaco, se assim quisermos dizer. Talvez o melhor exemplo do que afirmamos seja a longa (quem dera que nunca tivesse fim…) “E-605”. É um tema incrível, extraordinário na forma como conduz o ouvinte durante pouco mais de 14 minutos, iniciando com sons que combinam eletrónica e distantes uivos de cães (talvez vindos do animal fotografado na contracapa do álbum), até que as teclas de um tímido piano começam a abrir o espaço, como se de uma profunda inspiração sonora se tratasse, até que aos poucos, a bateria vai trazendo outras cadências, sempre em crescendo. Não haverá no mundo melhor tema para um fim de tarde solarengo de outono.

Parece certo que Thomas Dinger queria mesmo fazer um disco só para ele (o título Für Mich quer dizer “Para Mim”), e em boa hora meteu mão à obra, uma vez que realizou um trabalho de enorme relevo, embora menos conhecido do que deveria. Com a ajuda de Hans Lampe na produção, também ele membro dos La Düsseldorf, Thomas Dinger deixou-nos um disco tremendamente melódico, contemplativo, revelador da grandeza do seu nome. Infelizmente desaparecido em 2002, com apenas 49 anos de idade, o legado do músico alemão pode ainda ouvir-se a solo no disco 2000, mas é sobretudo em trabalhos com os Neu!, os La Düsseldorf, La! Neu! e 1-A Düsseldorf  que a sua obra talvez seja mais reconhecida.

Não há por cá muitos amantes de krautrock ou de kosmische musik. Também não deixa de ser verdade que poucos serão aqueles que o divulgam em terras lusas. Lamenta-se, uma vez que esse extraordinário “mundo cósmico” tem demasiadas coisas importantes para oferecer nas suas mais variadas vertentes. Para além dos nomes mais conhecidos do público amante da música (Tangerine Dream, Neu!, Faust, Kraftwerk, Amon Düül II, Can, Harmonia ou La Düsseldorf), há ainda um vastíssimo território a explorar. Se quiserem optar por Thomas Dinger, este é o lugar certo para começar. Encontrarão em Für Mich um porto muito seguro, espécie de local de encantamento tecido de inúmeras camadas de miragens sonoras superlativas e que dificilmente vos sairão do “espírito” entre os mergulhos de cabeça nas ondas deste verão. Für Mich não é um disco para cantarolar (isso é coisa que não existe neste género musical), mas é bastante acessível mesmo para aqueles cujos ouvidos pouco ou nada treinados estejam para ouvir os inquietantes delírios que nele se podem escutar. Nesse sentido, e brincando um pouco com o título do álbum de Thomas Dinger, este é também um disco für dich (“para si”). Nem a língua alemã vos poderá incomodar, uma vez que para além dos latidos já mencionados, nenhuma outra voz se ouve por aqui.

Ouvir Für Mich continua a ser um bálsamo de características terapêuticas. Assim sendo, quem será aquele que, em boa consciência, o poderá recusar? Você? Claro que não!