sexta-feira, 18 de outubro de 2024

“Outubro ou Nada” (Antídoto, 2002), Bidê ou Balde

 

 

Entre o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, o rock gaúcho vivia um novo momento de ebulição. O apoio combinado da imprensa local e a recepção entusiástica do público ajudaram a dar visibilidade a uma nova geração de bandas do cenário roqueiro de Porto Alegre. Nomes como Cachorro Grande, Pública, Identidade e Video Hits eram algumas das bandas de destaque daquela nova cena roqueira da capital gaúcha. Foi nesse contexto efervescente que a Bidê ou Balde surgiu, trazendo um som único que mesclava indie rock com letras irreverentes e inteligentes. 

A história da Bidê ou Balde começa em 1998, em Porto Alegre, de forma curiosa. Apaixonado por cinema, Carlinhos Carneiro queria fazer um filme musical. Para isso, reuniu amigos em um estúdio para criar músicas para o filme. As músicas ficaram tão boas que decidiram formar uma banda. Logo gravaram um single, assinaram contrato com gravadoras e a carreira musical de Carlinhos tomou forma a partir daí. O que era apenas um objetivo cinematográfico acabou se transformando em um projeto para uma carreira musical. 

Contando com Carlinhos Carneiro (vocal), Gisele Figueredo (vocais de apoio), Kátia Aguiar (teclados), Rafael Rossatto (guitarra), André Surkamp (baixo) e Sandro Caveira (bateria), estava formada a banda Bidê ou Balde. 

O nome "Bidê ou Balde" foi decidido em grupo, com a ideia inicial de ter um nome com a letra "B", inspirado em bandas como Blitz, Blur e Beatles. Durante os ensaios, surgiram as sugestões "Balde" e "Bidê". Incapazes de escolher entre os dois, pediram ao técnico de estúdio para decidir, mas ele anotou ambos os nomes. Então, o baterista Sandro Caveira sugeriu combinar os dois com "ou" no meio, e assim ficou "Bidê ou Balde". 

Gisele Figueredo ficou por pouco tempo e logo foi substituída por Vivi Peçaibes. Não demorou muito, e a banda já era uma das mais populares do circuito de shows de rock de Porto Alegre entre 1999 e 2000. No final de 1999, a Bidê ou Balde gravou uma fita demo com a música "Melissa", que logo foi parar na programação das rádios de Porto Alegre e se tornou o primeiro grande sucesso da banda.

 

Bidê ou Balde em 2002.

Em 2000, a Bidê ou Balde assinou contrato com o selo independente gaúcho Antídoto. Naquele mesmo ano, lançaram o primeiro álbum, Se Sexo É O Que Importa, Só O Rock É Sobre Amor, lançado pelo selo Antídoto e distribuído nacionalmente pela gravadora Abril Music. Em 2001, a banda deixou Porto Alegre e mudou-se para São Paulo, onde foi agenciada por Manoel Poladian, um dos mais importantes e influentes empresários do meio musical brasileiro. O álbum de estreia da banda trouxe a já conhecida "Melissa", cujo videoclipe foi bastante exibido pela MTV Brasil e foi vencedor do VMB (Video Music Brasil), promovido por aquela emissora, na categoria "Melhor Grupo ou Artista Revelação", em 2001. A banda tornou-se mais conhecida, o que lhe rendeu convites para participar de vários festivais por todo o Brasil, como Goiânia Noise (Goiânia), Recbeat (Recife) e Porão do Rock (Distrito Federal). 

Em meio ao sucesso, houve uma ruptura da banda com Poladian, e a banda retornou para Porto Alegre. Rossatto preferiu ficar em São Paulo e foi substituído por Rodrigo Pilla. 

No final de 2002, veio o segundo álbum de estúdio da Bidê ou Balde, Outubro Ou Nada, trazendo uma linha de trabalho que diferia do álbum de estreia. Enquanto Se Sexo É O Que Importa, Só O Rock É Sobre Amor vibra com uma pureza pop, Outubro Ou Nada traz guitarras intensas e um som dançante, aproximando-se do estilo de som praticado pela banda Autoramas na época. A produção do segundo álbum é mais polida e refinada comparada à do primeiro álbum. Para Outubro Ou Nada, a inspiração foi a new wave de B-52's, Blitz, Blondie, Go-Go's e Cars, cujo resultado é um álbum alegre, divertido e até certo ponto juvenil, emulando a energia e a capacidade de criar hits das bandas de rock brasileiras dos anos 1980. 

Outubro Ou Nada começa com "Hollywood #52", um rock bem ao estilo new wave que traz uma crítica cheia de ironia e irreverência à superficialidade da indústria do entretenimento em Hollywood. Mas há quem diga que a mensagem seria endereçada à própria indústria do entretenimento do Brasil. A nostálgica "Cores Bonitas" celebra a vivacidade e a alegria da infância, fazendo referências a brinquedos do passado, à professora da escola e até a Claudiomiro, ídolo do Internacional nos anos 1970. 

"Microondas/Ímpares Fantásticos" são praticamente duas músicas em uma. A primeira parte é um rock vibrante que trata sobre a perda do frescor das relações amorosas e traça uma crítica à superficialidade das interações sociais e à dificuldade em lidar com mudanças. A segunda parte é instrumental e de ritmo mais lento, onde é possível ao ouvinte conferir um pouco das habilidades dos membros da banda com seus respectivos instrumentos. 

"Bromélias" é um pop agradável e veloz que traz um tecladinho new wave marcando a música. De forma poética, a letra versa sobre um relacionamento amoroso à distância, marcado por partidas e retornos. "Adoro Quando Chove / Pobre Johnny Thunders" segue o mesmo conceito de "Microondas/Ímpares Fantásticos": primeira parte um rock cantado e a segunda parte instrumental. Nesta faixa, Carlinhos Carneiro canta sobre o indivíduo que foge de suas responsabilidades. Após uma breve pausa, a faixa segue num ritmo instrumental e lento, remetendo aos rocks baladas do final dos anos 1950. 

Cena do videoclipe de "Bromélias", faixa do
álbum Outubro ou Nada.

Na agitada e energética "A-há", a Bidê ou Balde aborda as confusões e contradições da vida cotidiana, misturando eventos triviais e situações absurdas. "Matelassê" reflete sobre as futilidades dos modismos e daquelas pessoas que vivem de aparência. Os versos metafóricos e surreais de "Dulci" se referem a uma mulher que busca um sentido na sua vida num mundo plástico e fantástico. 

"O Antipático" traz o eu lírico que se recusa a bancar o agradável e o sorridente para ganhar a atenção. "Soninho" é uma música em forma de canção de ninar que trata, de forma debochada, sobre um indivíduo que, após um dia exaustivo de trabalho, quer apenas se jogar na cama e dormir para, no dia seguinte, enfrentar mais um dia de trabalho duro. Em "Aeroporto", a Bidê ou Balde conta a história de um sujeito que encontrou no aeroporto a mulher de sua vida: uma estudante de moda que usava uma meia rasgada. 

A faixa "O Que Eu Não Vejo Não Existe / My Name Is Going" trata de relações superficiais, a dificuldade de comunicação e a ideia de que o que não é visto ou experienciado diretamente não tem importância real. O tom é de desapego e urgência em aproveitar o momento presente antes que a oportunidade passe. É mais uma faixa presente no álbum que se divide em duas, sendo que a segunda parte é instrumental. Neste caso, uma segunda parte dispensável. 

"Não Adianta Chorar" é um rock muito bem apoiado em guitarras que traz uma mensagem encorajadora, a de seguir em frente apesar das adversidades da vida. O álbum encerra com uma versão acústica de "Cores Bonitas" com o subtítulo "Hidden Track". O que parece ser o fim desta faixa, na verdade, é um imenso desperdício de tempo em forma de pausa de mais de quatro minutos, um silêncio que só é quebrado por um trechinho instrumental nos dez últimos segundos da faixa. 

Apesar de bem produzido e com um repertório com potencial radiofônico, Outubro Ou Nada não chegou a ter a grande repercussão que se esperava. Uma das razões para explicar o desempenho comercial modestíssimo de Outubro Ou Nada foi a falência da gravadora Abril Music, em 2003. Embora não fosse contratada da Abril Music, mas sim da Antídoto, era a Abril Music quem distribuía os discos do selo gaúcho. A gravadora não resistiu à concorrência com as gravadoras multinacionais e nem com a pirataria de discos que corroía o mercado fonográfico brasileiro na época. 

A história do rock brasileiro está cheia de exemplos de discos que passaram despercebidos na época em que foram lançados, mas alcançaram reconhecimento anos mais tarde através das novas gerações. Talvez, quem sabe, esse seja o destino de Outubro Ou Nada.

 

Faixas

1-“Hollywood #52” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

2- “Cores Bonitas” (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá – Rafael Rossatto)

3-“Microondas” (Carlinhos Carneiro – Katia Aguiar - Leandro Sá - Rodrigo Pilla)

   3.1-“Ímpares Fantásticos” (André Surkamp – Katia Aguiar – Leandro Sá - Vivi Peçaibes)

4-“Bromélias” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

5- “Adoro Quando Chove” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá – Rafael Rossatto - Vivi Peçaibes)

   5.1 “Pobre Johnny Thunders” (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

6- “A-há!” (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá – Rafael Rossatto)

7- “Matelassê” (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

8- “Dulci” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá – Rafael Rossatto)

9- “O Antipático” (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

10- “Soninho” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá – Rafael Rossatto)

11- “Aeroporto” (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá )

12- “Q Que Eu Não Vejo Não Existe” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

     12.1- “My Name Is Going” (André Surkamp – Leandro Sá)

13- “Não Adianta Chorar” (André Surkamp – Carlinhos Carneiro - Leandro Sá)

14-“Cores Bonitas”(versão acústica) (Carlinhos Carneiro - Leandro Sá – Rafael Rossatto)

 

Bidê ou Balde: Carlinhos Carneiro (vocal), Gisele Figueredo (vocais de apoio), Kátia Aguiar (teclados), Rafael Rossatto (guitarra), André Surkamp (baixo) e Pedro Hahn (bateria), Sandro Caveira (bateria na faixa 6).



Ouça na íntegra o álbum 
Outubro ou Nada


"Cores Bonitas" (videoclipe oficial)


"Bromélias" (videoclipe oficial)

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