sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Pavement – Terror Twilight (1999)


O último disco de originais dos Pavement é uma obra mais madura, cansada e contemplativa, mas deu-nos alguns dos mais belos hinos desta enorme banda.

Terror Twilight é o último disco da carreira dos Pavement, a banda por alguns caracterizada como a melhor e mais influente do rock alternativo dos anos 90. Há uma tentação difícil de escapar, quando se analisa o último disco de qualquer grupo: encontrar nele os sinais de exaustão e as mensagens crípticas de despedida. O mesmo sucede aqui, mas talvez seja um pouco como adivinhar o fim do filme depois de já o ter visto.

Terror Twilight é uma espécie de patinho feio da carreira discográfica dos Pavement. Os fãs hardcore tendem a preferir os primeiros discos, mais anárquicos, com mais energia, mais lo-fi, enfim, mais “autênticos”. Podemos usar esses argumentos todos, mas o que interessa, no fim, é a qualidade da música, das canções. E aqui, neste disco de despedida, a qualidade é desigual, mas ainda assim com um nível médio bastante elevado. As diferenças não estão aí, mas sim no espírito, na atitude, na energia.

Uma década após se terem juntado, os Pavement viviam algumas crises, existenciais e de relacionamento. Numa banda conhecida pela sua ausência de ambição comercial (é ilustrativo um episódio de Beavis & Butthead em que, vendo o vídeo de “Cut your hair”, estes gritam para a televisão: “try harder, dammit!”), já estava claro o lugar dos rapazes na cena. Nunca seriam gigantes, seriam sempre influentes, mas estavam presos na sequência disco/digressão/disco, sem grandes objectivos à vista.

Stephen Malkmus, o génio slacker da banda, é uma mente inquieta, e andava avariado. Já não via o propósito em fazer a mesma coisa, com a mesma banda, no mesmo registo, e nem a evolução de som dos Pavement lhe dava algum sentido de estar a caminhar para algum lado. As digressões dos anos anteriores não tinham sido grande espingarda, com a grande montra do Lollapalooza desperdiçada por actuações anárquicas e narcotizadas. Mais, dentro da banda, o ambiente já não era o mesmo.

Este último disco tem algumas particularidades para além de cronologicamente ter marcado o ponto final dos originais do grupo. É o seu álbum mais curto, com apenas 11 temas; é o único a contar com um produtor externo, o mago Nigel Godrich; e só conta com músicas de Malkmus.

Estes dois últimos pontos merecem ser explorados. Godrich foi chamado depois de duas semanas de trabalho que de trabalho tiveram pouco. No lugar da inspiração, a banda entreteve-se jogando Scrabble, pelo que foi decidido que seria preciso chamar alguém para meter a casa em ordem. Só o facto de isso ter acontecido, e de Malkmus já ter desistido de assumir esse papel, é sintomático. Depois, rezam as lendas, Godrich deu-se imediatamente bem com o líder da banda mas ignorou praticamente os restantes, percebendo que, se ia haver disco, tinha de sair da guitarra e da composição do vocalista. As ideias dos restantes, como do guitarrista Spiral Stairs, foram empurradas para o lado, e o facto de Malkmus não ter procurado uma maior inclusão só agudizou as tensões. E não foi só na composição, também nas gravações Malkmus assumiu grande parte das despesas, naquilo que seria um ensaio para uma futura carreira a solo.

É fácil encontrar fóruns de fãs de Pavement que chamam a Godrich a Yoko Ono da banda, culpando-o pela separação. Isso é excessivo, claro, e há vários pontos positivos da influência do produtor. Terror Twilight é mais coeso e menos anárquico do que os registos anteriores, é mais coerente em termos sonoros, com um resultado mais polido. Muita gente, que não gostou disso, culpa Godrich, mas temos outra opinião, confirmada mais tarde pela carreira a solo de Malkmus. Era o génio da banda quem estava mais maduro, mais calmo, mais desiludido, mais cansado, mais cínico. Todos estes elementos podem ser ouvidos em Terror Twilight, com bons resultados.

Ouçam-se os dois hinos maiores do disco, a abertura com “Spit on a stranger” e a lindíssima “Major Leagues”. São temas mais lentos, muito bonitos, assentes em contemplação, num som de quem olha mais para trás do que para a frente, o que só é possível a partir de uma certa idade, quando já temos muitos quilómetros percorridos. “You are the light” repete o registo, mantendo-se Pavement vintage, ainda assim. Na verdade, são estes temas que marcam o disco e o elevam a um patamar superior. Aqueles que apostam mais no típico registo anterior acabam por saber a pouco, em quantidade e, sobretudo, em qualidade.

Por outro lado, “Cream of gold” carrega finalmente na distorção, mas não traz consigo nenhuma da jovialidade inconsequente dos primeiros tempos, dando sim pistas daquilo que Malkmus faria mais tarde, a solo e com os Jicks, o mesmo se podendo dizer de “Platform Blues”. E o que dizer de “The Hexx”, o tema mais negro do disco? Solidão, dúvida, cansaço, tudo isso pode ser ali ouvido, numa música complexa e obsessiva, com várias mutações estilísticas, com um tom de pôr-do-sol apocalíptico. Os garotos já não se estavam a divertir assim tanto.

Num letrista críptico e pouco literal como Malkmus, é difícil retirar grandes significados das suas palavras, mas ouçamos a linha introdutória de “Ann Dont Cry”: “the damage has been done, I am not having fun anymore“. Pois.

A última música original gravada pelos Pavement não traz nenhuma solução. É a alegre e não muito inspirada “…And Carrot Rope”. Dificilmente uma mensagem de despedida que os fãs pudessem perceber.

A banda segue em digressão, e pouco tempos depois esfuma-se. Nunca ficou necessariamente claro o porquê. Famílias, outros projectos, outros interesses, ou muito simplesmente o crescimento de pessoas que, se calhar, depois de uma década a dar tudo num projecto comum, perceberam que afinal não gostavam tanto assim umas das outras.

Terror Twilight recebeu o nome pelo baterista Bob Nastanovic, referindo-se à hora do dia entre o pôr-do-sol e o anoitecer, em que metade dos carros já acenderam as luzes e a outra não, sendo por isso das mais propensas a acidentes. A banda acaba por separar-se sem choques ou metal retorcido. Apenas se separou, se distanciou. Este último álbum não é o melhor nem o mais representativo do som dos Pavement. Mas não deixa de ser um bom disco, com algumas músicas incríveis e incontornáveis, e que marcaria o que estaria para vir, ao virar da esquina.



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