O génio dos Pavement deixa a sua banda para trás e atira-se para o primeiro disco da sua futura carreira, que logo deixou claro que havia ainda muita música de qualidade para ver a luz.

O que fazer quando se acabou com a banda que foi a vida de um artista durante a década anterior?

a) entrar em depressão, refugiar-se em casa e dedicar-se à jardinagem;

b) entrar em euforia e passar longa temporadas em Ibiza a ouvir música electrónica e a tomar drogas;

c) suicidar-se;

d) fazer uma nova banda

Depois do fim dos Pavement, decretado naturalmente por si próprio, Stephen Malkmus tinha estas e outras opções pela frente. Felizmente, podemos agora dizer tantos anos e discos depois, optou pela última. Afinal, ao contrário do que chegou a dizer, não estava cansado de música, mas sim da estrutura, da logística e do drama sequencial que advém muitas vezes de fazer parte de uma banda.

Menos de dois anos depois do disco final dos Pavement, chegava às lojas este Stephen Malkmus, disco homónimo, a marcar o arranque de uma carreira a solo (mais ou menos). Na verdade, estão aqui algumas músicas do tempo da sua banda anterior e o álbum até conta com a participação de alguns dos membros que viriam a formar os Jicks, a banda que o acompanha desde então. O trabalho, aliás, teve títulos provisórios como Swedish Reggae ou Jicks (este é o nome que aparece na rodela do cd, mas não no livrete, onde surge sim o nome da banda que acompanha o compositor, nesta altura ainda referida como Dirty Jicks), mas a editora Matador, que quis de imediato editar o disco, insistiu no título homónimo. Malkmus bem podia querer começar uma nova vida boicotando-a, mas a Matador queria que fosse claro que este era um trabalho do génio dos Pavement, e não de um grupo novo e obscuro qualquer.

O disco acabou por ser bem recebido pela crítica e pelos fãs, e serviu de imediato para esclarecer, definitivamente, uma dúvida: a fonte musical de Malkmus continuava a jorrar tão livre e imponente como sempre, e poderíamos esperar grandes coisas para o futuro, o que hoje sabemos ser verdade.

A opção pelo nome Stephen Malkmus & The Jicks, que adornaria os discos seguintes, não é tão inocente como possa parecer. Os Jicks são uma banda, e Malkmus precisa disso; mas não são uma banda autónoma sem o seu nome antes, o que torna imediatamente claro aquilo que, nos Pavement, nem sempre foi, e que gerou problemas. Malkmus é o manda-chuva, o compositor, o vocalista, o mentor, o projecto. Ao contrário do que sucedia com os Pavement, que eram um emprego a tempo inteiro, o cantor inaugurou aqui o modus operandi dos anos seguintes. Vai trabalhando as suas músicas em casa, quando tem tempo e disposição, depois chama os Jicks, vai trabalhando mais um pouco, depois grava e fazem uns poucos concertos. É uma vida relaxada quando comparada com o caos do rock alternativo dos anos 90, e um estilo que assenta melhor e deixa mais confortável o músico de Portland.

O álbum homónimo tem, naturalmente, muitos ecos de Pavement. Tem aquele rock atrevido e relaxado; tem sentido de humor parvo; grandes malhas; letras sem sentido; e várias músicas que, um bocadinho ao lado, poderiam ter sido grandes êxitos.

O que se nota de diferente é, sobretudo, alguma maior consistência em termos de estrutura, o que é natural quando se trabalha a solo e não em jams consecutivas com uma banda. O tema mais diferente, estruturalmente, será o engodo da abertura, com “Black Book”: raramente tínhamos visto (ou vimos desde então) Malkmus tentar fazer uma canção clássica com verso/refrão tudo onde é suposto. É uma boa malha, mas não soa a Malkmus.

Dos 12 temas deste disco inaugural, não há nenhum, mesmo, abaixo da média, e muitos ficam claramente acima dessa fasquia. Liberto das grilhetas estéticas dos Pavement, Malkmus dá algum espaço a uma composição mais clássica, com melodias mais limpas e intemporais, com liberdade para as teclas e outros efeitos, por exemplo. Não falta rock por aqui, celebre-se!, mas já não existe em detrimento de tudo o resto.

Num trabalho muito coeso e equilibrado, destacamos a boa disposição de “Phantasies”; o rock solarengo do single “Jo Jo’s Jacket” ou de “Troubbble”; a bonita e sentida balada “Church in White”, a distorção Pixieliana de “Discretion Grove”; e a beleza relaxada de “Pink India”. Mas, francamente, não há por aqui canções fracas.

Malkmus continuou, ao longo dos anos, a fazer belíssimos discos, como é disso exemplo o recente e entusiasmante Sparkle Hardum dos sérios candidatos a disco do ano de 2018. Mas, de certa forma, tudo começou aqui. A prova de fogo de que uma nova vida era possível, apesar da enorme sombra dos Pavement. O tempo só veio a provar isso mesmo.