O que é que cada um faz quando o mundo o virou ao contrário, o atirou ao chão, lhe pontapeou a cabeça e lhe cuspiu em cima (para sintetizar: o que é que uma pessoa faz quando a deixam)? Vai beber copos em noites intermináveis com os amigos, olha para fotografias e mensagens antigas, apaga contactos do telemóvel, lê livros em catadupa, ou isola-se em casa a imaginar conversas que nunca irão acontecer. O que fez Marlon Williams? Escreveu canções de amor falhado – aquele que dá as melhores canções. São 11 temas que mostram tudo o que há de bom no amor, mas mostram principalmente a merda que vem quando acaba.

E a quem devemos este conjunto de canções? A uma mulher. E, tal como devemos levantar os braços aos céus e agradecer o facto de PJ Harvey ter deixado Nick Cave (fossem eles um casal feliz para sempre e não teríamos The Boatman’s Call), aqui temos de agradecer duplamente aos céus por Aldous Harding ter deixado Marlon Williams. As canções de Make Way For Love foram escritas na ressaca do fim da sua relação e – coisa bonita – Marlon convidou a antiga companheira para gravar aquele que é um dos mais bonitos duetos do ano (“Nobody Gets What They Want Anymore”).

Aos seus ombros, Williams traz uma herança pesada: carrega o peso da country, essa música tão querida n’América. Mas o neo-zelandês adicionou-lhe uma estética pop que permite tirar as suas canções dos honky tonk à beira das estradas desertas desse país tão longínquo que é a América profunda e trazê-la para este país beira-mar plantado. Mas a solidão, os desgostos amorosos e as bases musicais simples do country estão lá todos, elevados por lindíssimos e majestosos arranjos de cordas e por aquela voz de crooner (como assim a tradução de crooner para português é “cantor romântico”?) que nos deixa rendidos e destroçados quando canta coisas como: “The hard thing about love/ Is that it has to burn all the time” (“Beautiful Dress”).

Mas Marlon não cabe em nenhum rótulo deste mundo. Não é apenas um discípulo de Elvis ou Hank Williams. É um gajo singular. Talvez a melhor forma de o conhecer e escolher uma forma de o caracterizar seja através do vídeo que gravou para “What’s Chasing You“. Marlon (alto, magro e branco) está na praia com calções brancos, meias pretas e um magnífico bronzeado à camionista. E o que faz ele vestido desta forma parola? Exibe os seus melhores moves de dança, que podiam ter sido retirados de um qualquer filme ranhoso dos anos 80 com John Travolta no papel principal, mas que mostram uma total falta de capacidade de seduzir qualquer miúda numa discoteca. E mesmo assim, Marlon consegue ser bonito e sedutor. E até o conseguimos perceber e perdoar quando, pelo caminho, destrói o castelo de areia de um miúdo. Talvez seja por estar a cantar uma canção tão bonita e triste ao mesmo tempo…

As músicas de Make Way For Love têm todas uma estrutura semelhante: são conduzidas por uma guitarra ou por um piano, mas nenhuma é simples. Há guitarras slide, violinos, conjuntos de cordas, sintetizadores, baixos fortes e um acordeão em “Can I Call You” (entramos sem nos apercebermos, no mundo de Edith Piaf e tudo bate certo).

Mas o que nos faz ficar neste disco são mesmo as palavras de Williams. Aquelas palavras destroçadas arrancadas das ruínas de um coração partido. Aquelas palavras que o músico convidou a ex-namorada a entoar e que ela aceitou. Aquelas canções que nos fazem sentir que estamos a entrar em terreno que não nos pertence, mas que não resistimos em invadir.

Ouvir este disco e gostar dele é tirar prazer do sofrimento alheio. É ser um canibal que se alimenta do sofrimento (tenho a certeza que já usei esta metáfora algures) de um frágil jovem com um talento do tamanho do mundo. Mas não podemos deixar de o ouvir porque aquelas canções são inacreditavelmente bonitas e deixam-nos a pensar no raio da vida e do amor.