Depois do sucesso de Harvest, Neil Young precisou de se refugiar dos seus fãs e dos seus demónios. On the Beach é um documento desse exorcismo.
Existe um famoso slogan referente aos anos sessenta que afirma que “Se te lembras dos anos sessenta, é porque não estiveste realmente lá”. Discutivelmente, essa mesma frase aplicar-se-ia tão bem, ou até melhor, aos anos setenta. Comparado com os anos sessenta, cuja primeira metade foi relativamente limpa, os anos setenta são lembrados e até celebrados pela sua decadência. Os relatos desse hedonismo geralmente pertencem a um de dois extremos: o da vitimização ou o da glorificação. No meio está Neil Young, um dos melhores e mais sóbrios cronistas dessa década turbulenta.
Depois de Harvest ter catapultado o músico para o estrelato, On the Beach é um deliberado ato de auto-sabotagem e um regresso às raízes rock and roll, com a sua produção mais crua. Gravado parcialmente nos estúdios Sunset Sound, parcialmente no rancho Broken Arrow onde Young ainda vive, consegue-se ouvir na música, a sala em que cada canção foi gravada como se esta se tratasse de um instrumento musical.
O disco e o seu irmão mais velho, Tonight’s the Night, surgem no rescaldo de um período traumatizante para Young no qual a heroína tirou a vida a Danny Whitten, guitarrista dos Crazy Horse e ao roadie Bruce Berry. Enquanto que Tonight’s the Night retrata o choque inicial e todo o caos associado, On the Beach retrata o pessimismo que imediatamente antecede a aceitação. O álbum abre com o rock soalheiro de “Walk On” cujos versos lânguidos e saudosos contrastam com o refrão otimista e triunfante:
“Some get stoned, some get strange / But sooner or later it all gets real / Walk on”.
Mas a atmosfera nem sempre é tão otimista como a canção de abertura sugere: “See the Sky About to Rain”, uma balada nostálgica tocada num piano elétrico, é um breve regresso à sonoridade country de Harvest, com magníficos solos de harmónica e guitarra que quase escondem a melancolia contida na sua letra. “Revolution Blues” é um duro ataque ao culto de Charles Manson enquanto que “For the Turnstiles”, por sua vez, é um desabafo de um músico que sentiu na pele as consequências do hedonismo desenfreado que a vida na estrada traz:
“I need a crowd of people / but I can’t face them day to day / Though my problems are meaningless / that don’t make them go away”.
A segunda metade do disco, ou o lado B na sua configuração original em vinil, contém três das melhores canções de Young: “On the Beach”, “Motion Pictures” e “Ambulance Blues”. A faixa título tem influências no blues, tal como “Revolution Blues” e “Vampire Blues” mas de forma menos explícita, encontrando um lugar entre a amargura da primeira e a sonolência da segunda. É uma demonstração de fatiga e alienação da parte de um músico com sentimentos muito ambivalentes em relação ao mundo da música. “Motion Pictures” reitera esse cansaço, desta vez em formato acústico numa canção dedicada à sua mulher na altura, Carrie Snodgress. Esta canção mostra também o quão capaz Young é a tocar harmónica. Os breves solos em “Motion Pictures” são de uma expressividade e sensibilidade melódica que raramente são evidenciados no panorama rock.
“Ambulance Blues” vê o álbum a chegar ao fim e fá-lo num suspiro mais otimista. A sua atmosfera intimista e informal força o ouvinte a prestar mais atenção à letra que documenta o seu passado como o músico e a sua infância no Canadá e, ao mesmo tempo critica a imprensa musical e até Richard Nixon no seguimento do escândalo Watergate. No cânone de Neil Young, “Ambulance Blues” é apenas lembrada pelos fãs mais sérios do seu trabalho; uma pequena tragédia, pois trata-se de uma das suas canções mais contemplativas e honestas, uma canção que, entre outras coisas, convida-nos a assumir as nossas responsabilidades para connosco e para com os nossos amigos:
And there ain’t nothing like a friend / Who can tell you you’re just pissing in the wind
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