Em 1987, sem Waters no comando, David Gilmour assume as rédeas e transforma uma banda de culto num monstro de estádios, mas faz os Pink Floyd aproximarem-se perigosamente dos fãs de U2 e Dire Straits.

O divórcio entre os membros dos Pink Floyd foi longo e bastante duro. Muitos anos de gravações e concertos, aliado a problemas pessoais, começaram a abrir brechas na relações entre os quatro músicos ingleses. A pouca participação de Rick Wright no disco Animals e a crescente prepotência de Waters em tomar o controlo criativo da banda fizeram com que uma amizade de décadas e um legado de discos fantásticos começasse  a ruir. Wright acabaria por ser despedido ainda durante as gravações de The Wall, passando apenas a ser um músico contratado. Já nem faria parte do disco seguinte, o último gravado por Waters em nome dos Floyd.

Sem um anúncio oficial de término de relação, cada elemento dos Pink Floyd seguiu o seu caminho. Gilmour lançaria About Face e Nick Mason Profiles, de 1984 e 1985, respectivamente. Nenhum deles teve qualquer impacto ou êxito comercial, ao contrário de Pros and Cons of Hitchhiking, de Roger Waters, de 1984, que mostrava que o baixista ainda continuava em grande forma. Também Rick Wright, já fora da banda, lançaria um novo projecto, sem grande expressão, de seu nome Zee.

Embora Roger Waters continuasse numa boa maré criativa, as editoras e promotoras pediam por mais discos e/ou concertos de Pink Floyd, os verdadeiros geradores de dinheiro. Pelos cabelos com essa pressão e empregando um termo bem conhecido de uma música sua (“Welcome To The Machine”), Waters resolve, oficialmente, deixar os Pink Floyd, alegando que já não havia criatividade para continuar a alimentar esse monstro. Já David Gilmour, queimado por uma fraca recepção ao seu segundo disco a solo e consequente tour, estava esperançado que os Pink Floyd pudessem voltar a compôr e gravar, de preferência nos moldes pré-The Wall. Começava a era das acções judiciais. Waters queria impedir que os restantes membros da banda continuassem a usar o nome de Pink Floyd e Gilmour alegava que Waters não era dono da banda, e que a sua decisão de sair era apenas dele e que não seria impeditiva para que os outros continuassem a usar o nome do conjunto.

Nisto, Gilmour tinha começado a compôr músicas para um eventual terceiro disco a solo, no seu estúdio-barco Astoria. Estas gravações acabariam por se transformar no primeiro disco de Pink Floyd sem qualquer input de Roger Waters. Curiosamente, A Momentary Lapse of Reason tem participações mínimas dos restantes elementos, Nick Mason e Rick Wright. Gilmour, à altura, disse que ambos estavam quase catatónicos a nível musical, muito por culpa da pressão que Waters lhes tinha exercido. Nick Mason acabaria por ficar magoado com esta explicação, pois esperava que tivesse sido o “inimigo” (Waters) a atacá-lo e não o aliado.

É, então, irónico que Gilmour tanto tenha criticado Waters pela sua prepotência e desejo de controlo nos Floyd, acabando por praticamente fazer o mesmo sem a sua ausência, transformando um disco a solo num de Pink Floyd.

A Momentary Lapse of Reason é, ao contrário de The Wall e, sobretudo, Final Cut, um disco que vai buscar o imaginário mais abstracto e instrumental que caracterizou o som dos Pink Floyd durante os anos 70. Algo que os próprios fãs da banda já começavam a sentir saudades.

No entanto, ao contrário de Dark Side of the MoonWish You Here Were ou Animals, este não era um disco com um conceito que interligasse as músicas e faltava, sobretudo, qualidade lírica, condição que foi fundamental para o tremendo êxito dos Pink Floyd. O próprio Gilmour acabaria por admitir que fora muito difícil fazer um disco sem Waters.

“Signs of Life”, faixa que abre A Momentary Lapse of Reason e marca o regresso dos Pink Floyd aos discos, é puro Pink Floyd. Sons etéreos, conversas soltas e sensações de viagem faziam crer que estávamos de volta aos anos 70. No entanto, “Learning To Fly”, uma das músicas de maior sucesso do disco, faz-anos “cair na real”. Isto não é Pink Floyd vintage. É o som típico que Gilmour já nos tinha dado no seu disco a solo e que aproximava a banda ao rock fm e bastante comercial que brotava nos anos 80.

“Dogs of War” tenta regressar ao universo de “Welcome to the Machine” mas sem grande êxito, enquanto “On The Turning Away” é David Gilmour a tentar fazer o seu “Wish You Were Here”, um dos pontos altos do disco.

Tirando a música final “Sorrow”, onde Gilmour se exibe em grande forma, todo o resto do disco é um aborrecimento e uma desilusão. Se em The Final Cut poderíamos pedir mais David Gilmour, em A Momentary Lapse of Reason queríamos o contrário. Menos Gilmour e muito mais Waters. A dinâmica instrumental-letras sempre foi o ponto chave dos Pink Floyd. Tirando um desses aspetos, a banda ressente-se e falha rotundamente.

Enquanto o disco não caiu nas graças, nem da crítica nem dos fãs, a extensa tour que a acompanhou foi o maior sucesso da carreira da banda até à data, originando centenas de concertos esgotados e milhões de dólares recebidos. David Gilmour tinha acabado de criar um monstro de estádios, lucrando como nunca, mas tinha dado aos Floyd uma roupagem musical inferior, e fez a banda aproximar-se perigosamente dos fãs de U2 e Dire Straits.