Sem Barrett, os Pink Floyd estavam à beira do abismo. Ummagumma foi um tiro no escuro que, apesar de não ter sido muito bem sucedido, foi o primeiro passo para um futuro glorioso.
Em 1969 os Pink Floyd estavam num impasse: Syd Barrett a força criativa da banda foi expulso devido ao consumo excessivo de LSD e o efeito que isso teve na sua já frágil saúde mental. Depois de comporem a banda sonora do filme More, estava na hora de voltar aos estúdios para criar um disco de estúdio a sério. Em A Saucerful of Secrets, Richard Wright e Roger Waters encarregaram-se da maior parte da escrita mas conseguiriam eles continuar a sua carreira sem Barrett? A solução partiu de Wright: Cada membro teria meio lado do vinil para compor, a solo, aquilo que lhe apetecesse. A banda aceitou o desafio.
Ummagumma é, no entanto, um álbum duplo, sendo que a sua primeira metade é dedicada a versões ao vivo extraídas da última digressão (na altura) da banda. “Astronomy Domine” abre o disco de forma misteriosa e abstrata. Esta versão é mais pesada e mais espacial que a original, sendo um veículo para os improvisos da banda. Apropriadamente, seria a última vez que Barrett receberia um crédito num disco dos Floyd. Em seguida uma linha de baixo minimalista anuncia o crescendo psicótico de “Careful with That Axe, Eugene. Os sussurros sinistros de Waters transformam-se num grito selvagem à medida que a guitarra de Gilmour pinta este pesadelo desenfreado. “Set the Controls for the Heart of the Sun” funciona como rampa de lançamento para Richard Wright cujas escalas egípcias se estendem interminavelmente, conferindo à canção uma qualidade abstrata à qual os Floyd raramente regressariam de então em diante.
Por fim, “A Saucerful of Secrets” vê, nesta versão ao vivo, a sua vertente avant-garde ritualista maximizada, com todos os ingredientes elevados ao seu expoente máximo: a guitarra slide de Gilmour ensopada em delay, Waters a sacrificar o gongo, a bateria mecânica de Mason e os teclados celestiais de Wright. É um ótimo exemplo da sinergia da banda nesta época, sinergia essa que, devido ao controlo de Roger Waters, viria a diminuir ao longo dos anos.
Em estúdio, no entanto (e, infelizmente, não será a última vez ), não haveria qualquer sinergia. Cada homem estaria por si. Richard Wright, o mago da atmosfera dos Floyd, dá o mote com “Sysyphus”, uma suite em quatro partes que começa como potencial banda sonora para o dia do juízo final, adquire tonalidades mais bucólicas a meio, e acaba com um tipo de experimentalismo que parece homenagear, talvez inconscientemente, o antigo líder da banda.
Roger Waters escolheu escrever duas composições contrastantes. “Grantchester Meadows” continua as explorações acústicas que caracterizam o trabalho de Waters nesta época. Não é a sua melhor composição neste estilo apesar de conter umas ideias interessantes, nomeadamente a adição do chilrear de pássaros ao longo da canção. Já “Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict” faz jus ao seu nome extravagante. Um exercício em manipulação de voz e efeitos, esta composição vê Waters a encarnar diversos animais a “groovar” com um escocês e o efeito é tão hilariante como desorientador. Como o próprio pergunta no final: That was pretty avant-garde wasn’t it?
“The Narrow Way” anuncia a chegada de David Gilmour. A sua primeira parte é um bonito instrumental influenciado pelo country que lembra alguns dos momentos mais calmos de More enquanto que a segunda parte volta ao experimentalismo a que a banda nos habituou. A terceira adquire o formato mais convencional de canção com vocais e tudo. Gilmour aproveitou para demonstrar o seu virtuosismo, tocando guitarra, teclados, baixo e até bateria nesta composição que, embora lembre alguns dos melhores momentos de Atom Heart Mother, nunca chega a esse calibre.
Nick Mason conclui o disco com um solo de bateria inserido entre dois solos de flauta tocados pela sua mulher, Lindy Mason. Como todos os solos de bateria (um clichê do rock psicadélico), não é particularmente interessante e prolonga-se desnecessariamente.
Do ponto de vista conceptual, Ummagumma é uma anomalia. Um álbum duplo híbrido com gravações ao vivo no primeiro disco e performances a solo da banda no segundo é uma proposição estranha até para os padrões bizarros dos anos sessenta. O resultado é um excelente disco ao vivo e um inconsistente disco de estúdio. Ummagumma tem boas ideias que pecam pela sua execução e falta de direção artística. A mesma ideia seria usada em Atom Heart Mother e até em Meddle com a diferença que todos os membros participariam nas músicas de cada um. Em retrospetiva, Ummagumma lembra-nos que o todo é mais do que a soma das suas partes.
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