terça-feira, 26 de novembro de 2024

Secos & Molhados “Vira” (1974)

 Entre um quadro de ambiguidades, vincado pela própria imagem andrógina do grupo (em sintonia com o que então acontecia em terreno glam rock), a estreia em disco dos Secos & Molhados poderia ter ficado na história como um mero statement artístico ousado e único que, à partida, poderia chamar a atenção de melómanos e espíritos orientados pelas vanguardas do pensamento e comportamentos. Todavia, e apesar do tempo político e social que então se viva num Brasil  sob a presidência de Emílio Médici (o terceiro chefe de estado do período da ditadura militar), o álbum gerou um inesperado fenómeno de sucesso fulminante. E um dos alicerces deste fenómeno de sucesso foi uma canção que traduzia naturais ecos da história pessoal de um dos elementos do grupo: o português João Ricardo. 

Nascido em 1949 em Arcozelo, perto de Ponte de Lima, filho do poeta e jornalista português João Apolinário, a viver exilado no Brasil desde 1963, o jovem músico, depois de longas demandas, encontrou uma formação sólida para os Secos & Molhados ao juntar a si Gerson Conradi e um tal, então quase desconhecido, Ney de Souza Pereira, que (como Ney) tinha já interpretado canções na banda sonora de “Prá Quem Fica… Tchau” mas que, por aqueles dias, apresentando-se como um nome artístico que carregava a sua natural genética geográfica (e cultural), se preparava para se transformar numa das maiores referências da música popular brasileira.

A canção acima citada é o célebre “Vira”, que capta ecos naturais de memórias minhotas, mas para cujo arranjo o acordeão de Zé Rodrix acrescentou tonalidades de afinidade nordestina, criando um universo inesperado de encontros vincado depois pela guitarra elétrica de alma rock de John Flavin e, claro, a voz de Ney Matogrosso. “Vira”, que se revelou um dos fenómenos de sucesso colocados em cena pelo álbum de estreia dos Secos & Molhados editado em 1973 (também ele um inesperado e tremendo êxito), conheceu depois edição em formato de EP no Brasil em 1974, num alinhamento que recuperava outras três faixas do mesmo álbum: “Rosa de Hiroxima”, “Sangue Latino” e “Amor”. As ressonâncias de tão notável êxito acabariam por atravessar o oceano, gerando não só a edição portuguesa do álbum em 1974 como, depois, a edição de um EP que quase replicava o sete polegadas brasileiro, trocando todavia “Amor” por “Fala”, a faixa de encerramento do LP. A edição portuguesa apostou também numa capa diferente, usando uma foto da banda da altura do álbum de estreia, evitando assim a opção do EP brasileiro, que recorria à foto (icónica) de Antônio Carlos Rodrigues. O EP português, lançado sob a etiqueta Carioca, poderá datar de inícios de 1975 já que, na contracapa, vemos referências aos dois álbuns criados por esta formação do trio. E o segundo LP, lançado no Brasil em 1975, só teve edição portuguesa em 1975.



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