Sob o pretexto de revisitarem o rock e a soul dos anos 60 (bem como o prog e o disco dos 70), os Belle and Sebastian oferecem-nos mais um bonito disco, cheio de delicadeza e imaginação melódica.
Quando se pensa em rock, pensa-se em gasolina e testosterona. O seu infame livro de regras foi escrito por bandas malditas como os Stones e os Zeppelin. Mas sempre houve redutos que recusaram essa agressividade (Beach Boys, Donovan, Mamas & Papas, Simon & Garfunkel, R.E.M., Smiths). Os Belle and Sebastian seguiram e aprofundaram esta tradição, tornando-se os campeões indiscutíveis da fragilidade anti-rock. Ao pé do delicado Stuart Murdoch, Morrissey parece um roadie dos AC/DC.
Por tudo isso, o seu legado é incalculável. Se hoje há graciosidade no indie pop (Shins, Thrills, Kings of Convenience, Sufjan Stevens, Real State, Death Cab for Cutie), há-a porque os BS nos segredaram aos ouvidos que não faz mal seres vulnerável, que não te cai nenhum braço se fores afável, que ninguém te apedreja se não fores tão duro como o Keith Richards.
Na primeira fase da sua carreira, a que vai de Tigermillk (1996) a Storytelling (2002), os BS levaram ao limite esta estética da vulnerabilidade. Estes primeiros discos – caseiros, acústicos, intimistas – são obras-primas da pussy pop (não tendo “pussy” aqui nada de pejorativo; afinal de contas, é coisa lânguida e quentinha).
A partir de Dear Catastrophe Waitress (2003), e coincidindo com a saída da apetitosa Isobel Campbell, os BS entram numa nova fase. Saem do seu casulo, lançam-se em digressões, convidam produtores afamados, e oferecem-nos discos com mais electricidade e diversidade estilística (do rock às pistas de dança). Foi um acto corajoso pois havia o risco da sua preciosidade ficar soterrada por debaixo das novas roupagens. Não foi isso que aconteceu. Nenhum decibel conseguiu amarrotar a sua suavidade. Nenhuma bola de espelhos conseguiu apagar a melancolia do seu imaginário. Nenhum holofote mediático conseguiu ofuscar a sua intimidade. Se enveredassem pelo death metal, continuariam a soar a chávenas de porcelana na ponta da mesa. A sua vulnerabilidade é, sabemo-lo hoje, invulnerável.
Ora o novo disco, o budista How to Solve Our Human Problems, é um típico espécimen desta segunda fase dos BS: metade ousadia pop, metade delicada fragilidade. A sua habitual sensibilidade retro é agora dirigida para os anos 60 (folk, rock, motown) e 70 (prog, disco). Só o single “We Were Beautiful” opta pela contemporaneidade drum & bass, talvez para tentar disfarçar a sua insipidez, única anomalia num disco transbordante de imaginação melódica. Três canções destacam-se neste campeonato da inspiração, três melodias lindas de morrer que nos conquistam à primeira audição: “The Same Star”, “I’ll Be Your Pilot” e “There is an Everlasting Song”.
As letras são tipicamente belle-and-sebastianas, ternas homenagens aos underdogs, glamourizando a timidez e o falhanço, preferindo a beleza do sonho à fealdade da vida.
Sem surpresa, os Belle and Sebastian acertaram mais uma vez. Ganharam porque perderam. Foram fortes porque foram fracos.
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