sábado, 14 de dezembro de 2024

Najma “Atish” (1989)

 Em grande parte devido à mediatização junto dos circuitos mais próximos da cultura pop/rock que resultou da adesão de nomes como Peter Gabriel, David Byrne ou Paul Simon a sons vindos de outras e mais vastas geografias, a world music viveu um momento de evidente expansão nos escaparates das lojas de discos em finais da década de 80. A inglesa Najma Akhtar, de ascendência paquistanesa, foi uma das primeiras vozes relacionadas com a cultura asiática a revelar um gosto pelos diálogos entre culturas e a conhecer então visibilidade na Europa.

Tal como sucedeu com o indiano Bally Sagoo, o facto de ter nascido e de residir no Reino Unido colocou-a mais perto do que outros (como, por exemplo, Jolly Mukherjee) face aos pólos da edição e da divulgação, assim se justificando o calendário que de si fez então um dos primeiros “casos” sob o emergente rótulo world music.

Vale a pena notar que, para lá das memórias de exploração mais cinematográfica do som “exotica” (sobretudo nos anos 50), não era invulgar a presença de músicas dos mais diversos cantos do mundo nos escaparates das discotecas, mas não só o grosso dessas gravações até então refletiam sobretudo o trabalho de recolhas etnográficas como raros eram os casos em que estes discos chegavam aos espaços de divulgação relacionados com o gume de agitação do mercado. Foram exceção casos como os protagonizados pelos marroquinos Master Musicians of Jajouka (gravados sob o entusiasmo de Brian Jones dos Rolling Stones), o mais recente “fenómeno” gerados pela 4AD com o álbum “Le Mystère des Voix Bulgares” ou até casos de sucesso pop com discos de Ofera Haza ou Mory Kanté, isto sem esquecer o surto de interesse pela música andina na sequência da versão de Simin & Garfunkel para “El Condor Passa”. Animados pelo impacte do álbum “Graceland” de Paul Simon ou o surgimento das editoras Real World (de Peter Gabriel) e Luaka Bop (de David Byrne), Najma, e outros mais artistas de diversas origens geográficas e culturais, ganharam então outra atenção junto das páginas da imprensa especializada e entre as programações de rádio… E na reta final dos anos 80, ainda antes do empurrão maior que a Internet mais tarde daria a estes diálogos, mais mundos começavam a chegar a mais públicos…

A cantora editava então sob o primeiro nome, Najma. Estreou-se em 1986 com “Ghazals by Najma”, seguindo-se “Qareeb” (1987), que cativou mais atenções e, afinando e arrumando ideias, abriu caminho para o que em 1989 nos mostou em “Atish”, aquele que é o seu álbum de referencia.

Como o seu percurso discográfico sugeria, a relação com genéticas tradicionais firma-se essencialmente através do ghazal (uma forma poética de origem árabe mas com expressão em algumas regiões da Ásia desde o século XII). Daí, e sob uma atenção evidente para com formas musicais de origem indiana, Najma, em colaboração com os produtores Iain Scott e Bunt Stafford Clark, parte para a construção de um espaço que nasce sobretudo de olhares sobre várias formas e referências de músicas da Índia mas depois aceita a contaminação de instrumentação ocidental (das guitarras às electrónicas), ousando ainda ocasionais incursões por terrenos da pop (como em “Faithless Love”, a única canção em inglês do alinhamento do álbum, na verdade uma versão de um clássico da country, de J. D. Souther) ou ao jazz (em “Atish Fishan”, inspirada pela raga “Gaujri Toodi”), que abre o alinhamento). Olhando para a ficha técnica notamos ali a presença nas tablas e outras percussões de um tal Talvin Singh, que pouco depois daria que falar.

É no modo com que explora estes diálogos, nos quais a sua voz (que cruza vários dialetos) tão bem enquadra, que nasce a alma de um álbum que, apesar das referências que soma, acaba por ter uma geografia global (característica afinal transversal a tantos outros discos do seu tempo e expressão identitária de uma nova etapa dos espaços da música do mundo, por oposição às tais memórias das gravações de recolha de música étnica tão em voga nos anos 60 e 70) ou às edições de artistas locais das mais variadas regiões que, salvo a atenção de nichos mais atentos, não conheciam então exposição mediática maior.

Com pérola maior em “Apne Hathon”, onde as tablas convivem com electrónicas e um saxofone, Najma ajudou aqui a desenhar caminhos para o paradigma de uma nova ordem que, por estes dias, se afirmou e criou descendência.


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