No seu nono registo sonoro de longa duração, All Melody, Nils Frahm continua a revelar-se uma das figuras mais audazes de um universo musical peculiar que casa elementos de música clássica contemporânea, eletrónica e ambiente.

“A minha música consegue ser bastante pesada ao vivo – algumas pessoas desmaiam”, confessou ao The Guardian, em 2016, o músico e compositor alemão Nils Frahm. Em 2018, com All Melody, o seu mais recente álbum de estúdio, lançado em Janeiro passado, torna a pressionar cuidadosamente todos os botões que constituem a engrenagem emotiva da sua audiência. O álbum, gravado e trabalhado ao longo de dois anos num pequeno estúdio que remonta à década de cinquenta, situado na zona de Berlim onde em tempos reinou a RDA, é talvez o seu trabalho mais significante até à data. Segue-se a uma colaboração discreta com o autor e músico F.S. Blumm, traduzida no álbum de 2016, Tag Eins Tag Zwei, e a uma miríade de discos tão sóbrios como ambiciosos, como Felt, de 2011, no qual envolve as cordas do piano em tecido de forma a abafar o seu ruído, permitindo-lhe tocar durante a noite, Screws, de 2012, tocado integralmente com um polegar partido, ou Spaces, de 2013, que resulta de uma cuidadosa colagem de gravações fora de estúdio. Frahm é sempre, consistentemente, uma figura de uma ambição tremenda, mas talvez a sua maior das ambições seja aquela que sempre definiu o seu corpo de trabalho: uma vontade e um desejo imenso de unir dois mundos que parecem destinados a viver separados – o clássico e o eletrónico.

A música eletrónica, por muitos, é entendida como vivendo singularmente no espectro do automatismo, do objetivo, da precisão fria e concreta, despindo-a de qualquer tipo de pretensão emocional; a música clássica, por outro lado, é frequentemente colocada num lugar privilegiado no que toca à sua capacidade de acesso às emoções mais profundas do ser humano. Bach, Beethoven, Mozart, Debussy, ao longo de séculos e séculos, todos eles especialistas em escavar um lugar no fundo do coração humano, mexendo-lhe, virando-o do avesso, provocando a fúria, a angústia, o riso e a lágrima, e o seu veículo, claro, o universo da música clássica. Frahm cresceu rodeado de música, particularmente deste foro, na sua infância em Hamburgo; o seu pai, Klaus Frahm, era então fotógrafo associado à editora ECM Records, que, embora frequentemente mais associada com jazz, é responsável pela edição de alguns dos trabalhos de música clássica contemporânea mais importantes do século XX. Poisou os dedos nas teclas do piano de cauda em criança, e o seu interesse por texturas sonoras distintas levou-o a fazê-los tocar com a mesma paixão nos sintetizadores e nas drum machines. Se a música clássica foi o primeiro grande amor de Frahm, a música eletrónica, exibindo sedutoramente um enorme leque de possibilidades sonoras por explorar, foi a sua amante da qual nunca se soube desfazer.

A união entre a paixão da música clássica e precisão do mundo eletrónico, o aparente calor de uma e a aparente frieza matemática de outro foi sempre a ambição primordial de Frahm, e talvez tenha conseguido não apenas aproximá-las, mas misturá-las de tal forma que se torna difícil separar o que pertence a cada mundo, de um modo perto do perfeito em All Melody (2018). E, assim, converte cuidadosamente o poder emotivo inerente ao mistério da música clássica às texturas da música eletrónica, todos eles misturados para construir as ferramentas necessárias de chegar ao coração, criando uma hora e pouco de música que parece, triunfalmente, confirmar que sim, o seu universo sonoro tem o poderio de mover a sua audiência ao extremo das suas capacidades, fazendo-a mesmo perder os sentidos. O tema que inicia a viagem, de nome “The Whole Universe Wants to Be Touched”, parece funcionar, assim, como uma espécie de aviso: prepare-se para se comover, porque sabemos que assim quer. E como queremos. Agora, é só fechar os olhos e ir recebendo a magia dos imponentes coros femininos de “A Place”, o acariciar de cordas de “Human Range”, ou os ritmos hipnotizantes da faixa título, até que chegue o fatídico mês de junho e que possamos ver o nosso coração a explodir dentro do nosso peito no Parque da Cidade, na próxima edição do NOS Primavera Sound.