Night And Day é um disco histórico! Momento de viragem na carreira de Joe Jackson, o álbum de 1982 soa ainda (e sempre) como novo. Quando o braço desce sobre o disco e a agulha repousa nas estrias do vinil, temos companhia para a vida!
Mais de três décadas e meia depois de ter sido lançado nos mercados discográficos, Night And Day ainda mantém acesa a luminosa chama que fez dele um disco incontornável na extensa discografia do músico nascido no condado de Staffordshire, mais precisamente em Burton Upon Trent, cidade inglesa bastante famosa pelas importantes fábricas de cerveja e pelo seu 76 Club, que nas décadas de 70 e 80 foi local obrigatório de passagem de nomes como AC/DC, Dire Straits, Judas Priest, Motörhead, Ultravox, Suzy Quatro e onde os Sex Pistols gravaram o seu Anarchy in The U.K. Live at The 76 Club. Night And Day é o quinto disco de Joe Jackson, mas a distância sonora que o separa dos seus primeiros registos é tão grande como a extensão da U.S. Route 66. Depois de três discos iniciais onde a New Wave, o Ska e o Punk-Rock se mostravam bem enraizados (Look Sharp!, I’m The Man e Beat Crazy), e ainda depois de um quarto disco (Jumpin’ Jive) totalmente marcado pelo Jazz, Jump Blues e pelo Swing, havia chegado a hora de mudar. De estilo, mas também de geografia. Irrequieto como poucos e profundo conhecedor de música (estudou violino e piano desde muito cedo, chegando a frequentar a Royal Academy of Music de Londres), partiu para o continente americano disposto a encontrar novos caminhos e orientações para a sua carreira artística. O primeiro passo nesse sentido foi dado com o pé direito, e pela importância desse magnífico registo, resolvemos hoje recordá-lo aqui.
Night And Day tem um conceito interessante: mostrar, nos dois lados do disco, a transição da noite para o dia. Um primeiro lado mais mexido, ritmado, mais nervoso, e uma segunda face mais tranquila e introspetiva, como se o dia começasse a raiar serenamente, depois da agitação do período noturno. De forma radical, todos os instrumentos de corda foram banidos das gravações, exceção feita ao baixo. As guitarras dos primeiros anos, nem vê-las! No lugar delas, piano e outros teclados, percussão e inspiração afinadíssima.
Do ponto de vista sonoro, Night And Day é, portanto, um misto de ritmo (pop, rock, latino, urbano), mas também apresenta um lado mais baladeiro, sem nunca perder a noção do todo que une as nove canções do álbum. Elas estão, aliás, sempre interligadas, não havendo um segundo de silêncio na transição dos temas. Se estivermos atentos aos versos cantados, também nesse capítulo seremos capazes de encontrar uma certa linha narrativa. Na primeira faixa (“Another World”), um homem chega a um mundo totalmente novo (Nova Iorque, presumivelmente), tenta encontrar “Chinatown”, e aos poucos vai percebendo que as pessoas estão mais interessadas no universo da televisões (“T.V. Age”) do que no convívio entre pessoas. Mesmo assim, quem nos guia pela noite fora até ao final da aventura, embrenha-se por locais onde reina a delinquência, os furtos (“Target”), acabando por, mesmo assim, celebrar toda a vida que existe na noite, sempre de uma forma otimista, até porque a rádio e a televisão fazem de nós prisioneiros, cativos numa idade de não temos : “We / Are young but getting old before our time / We’ll leave the T.V. and the radio behind / Don’t you wonder what we’ll find / Steppin’ out tonight”. E assim termina a primeira metade do álbum, com a soberba “Steppin’ Out”, o maior hit de sempre de Joe Jackson, canção tão injustamente esquecida com o passar dos tempos.
Depois, virando a face da bolacha sonora, vem a introspeção, o recolhimento, a hora de questionar a vida, os relacionamentos, o momento de colocar muita coisa em causa, sobretudo quando temos consciência de que vivemos num mundo que nos surpreende por estar sempre em mudança, alterando até os paradigmas do homem e daquilo que dele se espera, tanto do ponto de vista cívico como até da sua masculinidade. Nesta face B, o lado diurno do disco, uma canção brilha acima de todas as outras. Trata-se de “Slow Song”, obrigatoriamente favorita de todos os que amam Joe Jackson. Vindo de quem vem, que no início, como já aqui referimos, vivia de composições cheias de energia e ritmo (era o Punk a tornar-se saliente), não deixa de ser pertinente a crítica que faz a quem nas discotecas se recusa a passar uma slow song. É o reflexo do cansaço de quem esteve acordado a noite inteira e de quem, ao nascer dos primeiros raios de sol, só quer “a strong and silent sound / To pick me up and undress me / Lay me down and caress me”.
Um último instante para fazer referência à irónica capa de Night And Day. Simples e eficaz, diz bastante do que temos em mãos. Depois de nos ler, basta ouvir o disco para melhor entender o que aqui sugerimos.
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