Antes de partir, Sharon Jones deixou-nos um extraordinário disco, que consegue juntar todas forças desta incrível Soul Woman.

Só a história da vida de Sharon Jones dava um livro. À semelhança do também recentemente desaparecido Charles Bradley, seu colega de editora na Daptone Records, passou uma vida a lutar para poder cantar e ser ouvida. Chegou aos discos em nome próprio já depois dos 40 anos, e transportava na voz e na postura em palco toda a vida que já vivera, todas as dificuldades, todos os sonhos, toda a desilusão e toda a esperança.

Tal como sucedeu com Bradley, o seu tempo ao sol, tão longamente buscado, foi curto, demasiado curto. Sharon Jones morreu em 2016, vitimada por um cancro que há anos a consumia. A sua voz calou-se para sempre. Ou ainda não…

É que, antes de morrer, deixou quase pronto o disco que chegou às lojas no final do ano passado. Soul of a Woman foi sendo gravado por entre as sessões de tratamento a que Jones se tinha de submeter. O estúdio era marcado, os incríveis Dap-Kings estavam sempre prontos, e o disco foi sendo feito. A novidade foi dada em Outubro, mas não se sabia o que esperar deste disco póstumo. Seria uma espécie de colectânea de temas dispersos? Seria a banda de sempre a aproveitar faixas vocais já gravadas? Afinal, era mais do que isso.

Soul of a Woman surge-nos como um verdadeiro disco de Sharon Jones & the Dap-Kings, uma dádiva que achávamos já não irmos receber. Mais, é provavelmente o melhor álbum de uma carreira discográfica que só arrancou em 2002 e que começou a ganhar mais visibilidade por volta de 2010.

É que aqui está tudo. Estão temas de uma soul clássica, doce e profunda e inatacável, mas também foguetes de energia que tão bem caracterizavam os espectáculos de Jones, como tivemos a felicidade de testemunhar em Lisboa, em 2014. Os discos anteriores são todos bons, mas faltava sempre qualquer coisa. Agora, tão tarde e ainda tão a tempo, os astros alinharam-se. Finalmente, quando o céu ganhou mais um astro, negro, lindo, feroz, doce, exemplar.

O último tema que iremos escutar de Sharon Jones, que fecha Soul of a Woman, é “Call on God”, tema escrito pela cantora há anos, para a sua banda da igreja. É um hino de fé, que nos faz sair deste disco emocionados. Mas felizes.

Porque este não é um disco de despedida. É a Soul Woman em pessoa, na posse das suas faculdades, sabendo certamente que podia não ter já muito tempo, mas que nunca escorregou para a lamechiche nem entregou nada menos do que o seu melhor, como sempre fez.

Descanse em paz, Miss Jones, e obrigado por toda a música e pelo exemplo que nos deixou.