Neste final de ano, ou em qualquer outro, tão cheio de sons em festa, é bom mudar um pouco o registo e recordar que também somos silêncio e quietude.

Por vezes temos a sensação de que o fim de qualquer coisa (um momento mais particular, por exemplo, ou um encontro, um ano, uma vida) surge envolto num límpido e tranquilo silêncio, ou mesmo numa qualquer estranha mas agradável sensação de vazio que perdura para lá dos limites dessa fronteira inicial. Já todos sentimos essa profundidade abrupta bastantes vezes, e quando isso acontece, a vontade poderá ser (por que não?) permanecer mais um pouco nesse estado de indefinição, nessa dobra de tempo, nesse limbo apetecível. E assim, nessa circunstância, prescindimos de quase tudo. Das palavras, sobretudo, mas nunca do silêncio que nos envolve. Se isto é, por vezes, bem verdadeiro, o prazer de nos aproximarmos desse sossego, dessa quietude, desse quase segredo entre nós e o que ao nosso redor se forma, não deve ser descurado. Antes pelo contrário. Saber cultivar esse recolhimento poderá bem ser um ganho importante para qualquer um de nós.

Em Approaching Silence há tudo o que acima se escreveu. Há muito mais do que isso, até. Dois longos momentos e uma brevíssima respiração sonora entre ambos. Três faixas, apenas. A primeira é “The Beekeeper’s Aprentice”, a terceira “Approaching Silence” e a segunda (curta, muito curta, no meio da imensidão das suas parceiras) é “Epiphany”. Ao todo, um pouco mais de setenta minutos de uma beleza torrencial, contagiante, mesmo que por vezes nada pareça acontecer. No entanto, talvez sejam esses os melhores momentos…

Há uma tensão em permanente metamorfose no tema de abertura do disco. O ambiente sonoro espraia-se, sacode-se como se estivesse em câmara lenta, espreguiça-se deixando atrás de si um vasto rasto hipnótico. Mesmo sabendo tratar-se de música pensada para uma instalação, a verdade é que “The Beekeeper’s Aprentice” consegue viver e fazer sentido muito para além do seu destino inicial. Parte da magia destes temas reside, aliás, nesse prolongamento adicional, digamos assim, nesse fôlego extra que todos carregam consigo. Outro aspeto interessante prende-se com a leveza de tudo o que vão mostrando, lentamente, abrindo espaços a que pequenas descobertas aconteçam, como se fossemos caminhando por atalhos esconsos e oblíquos, que ora são cintilantes, ora opacos e falhos de energia, mas que de qualquer das formas nos obrigam a uma enorme atenção aos pormenores da narrativa sonora à nossa frente. As descobertas, são as que quisermos, ou melhor, as que conseguirmos…

(a meio do caminho, a breve e inesperada “Epiphany” de dor e desespero, lugar de fronteira, de vazio, de transição.)

Depois, um novo e longuíssimo sopro de som, talvez um pouco menos leve do que o primeiro, talvez um pouco mais inquietante. Vem em ondas, como as marés. Trata-se de “Approaching Silence”, tema que dá o título a esta maravilhosa compilação. É aqui que entra em ação Robert Fripp e os seus frippertronics. É aqui que perdemos o pé no mar alto da composição e nos sentimos à deriva, sem rumo, embora sem nunca nos passar pela cabeça a preocupação do naufrágio total. Até porque, como não poderia deixar de ser, estamos em boas mãos: David Sylvian, Frank Perry e Robert Fripp sabem bem o que fazem e tratam-nos com as maiores delicadezas possíveis e imaginárias.

Ouvir Approaching Silence todo de seguida é embarcar numa inestimável aventura. É também ter de entender e respeitar os momentos de quase silêncio como parte de todo o processo encantatório em que nos deixamos envolver. Em Approaching Silence há, sobretudo, uma grande lição que nos é transmitida em segredo: só a quietude nos transforma e salva, só o sossego nos liberta, só a serenidade nos leva a sítios onde nunca imaginámos alguma vez poder chegar e permanecer.