Moz regressa igual a si próprio, polémico, político e moralista. Infelizmente parece ter perdido uma das coisas que mais nos faziam amá-lo: as grandes canções.

A nossa prima donna preferida está de volta, com um novo disco, depois dos problemas criados à volta do anterior World Peace is None of Your Business (reacções divididas, guerras com a editora que levaram o disco a ser retirado das lojas quase de imediato, enfim, o normal na vida de Morrissey).

Três anos depois, o novíssimo Low in High School era, como habitualmente, aguardado com muita expectativa. Moz tem alguns dos fãs mais fiéis do mundo da música e, através das suas já habituais polémicas, acaba por estar sempre presente.

Este álbum é, na prática, uma continuação do anterior. A banda está absolutamente estabilizada, as rotinas de composição também, e Morrissey parece cada vez mais confortável neste conjunto. Tal como em World Peace is None of Your Business, também aqui as músicas são trabalhadas, cheias de arranjos inventivos e de pormenores de produção, revelando as camadas em cada tema (até excessivamente, como aquela mania de meter uns ruídos de electrónica que são dispensáveis).

O problema, e há aqui um problema, não é esse. É que as músicas, num sentido mais pop de canção, não são grande espingarda. Até o difícil disco anterior tinha algumas pérolas, como as grandes malhas pop de “Staircase at the University” ou “Kiss me a lot”, algo que é aqui mais difícil de encontrar. Mais do que trabalhar profundamente um tema que nunca vai ser mais do que médio, muitas vezes nada substitui uma boa e eventualmente simples ideia à partida. É assim que se fazem as enormes canções.

Há aqui excepções, felizmente. “Spent the day in bed” é um bom single, embora a anos-luz dos que já fez; “Home is a question mark” é uma boa balada negra que chega a lembrar os melhores tempos dos Pulp; o dramatismo de “In Your Lap” funciona e é a música menos adornada do disco, o que é bom; o quase cha-cha-cha de “When You Open Your Legs” é um regresso à pop de qualidade; e há que salientar a elegância sóbria de “The Girl from Tel-Aviv Who Wouldn’t Kneel”.

Tudo material de qualidade acima da média que, se conjugado com algumas malhas mais fortes – que saudades dos tempos de You Are the Quarry! – poderiam ser a base de um disco num patamar superior. Infelizmente, o melhor está aqui, e isso acaba por ser pouco.

A peça central do disco traz-nos o Morrissey político, em “I bury the living” que, acima dos sete minutos, se foca na estupidez da guerra, o soldado que é um falso-herói, num tema muito trabalhado mas que acaba por cansar. E depois há “Israel”, a balada que fecha o disco, que mais uma vez nos traz o Moz pregador e evangelista, sempre pronto a dar-nos mais uma lição de moral que, francamente, dispensamos.

Nada de tão grave como, por exemplo, a desinspiradíssima “All the Young People Must Fall in Love” ou “My Love, I’d do anything for You”- que abre o disco – que até soa a Morrissey de há uns vinte anos, mas não aos seus melhores tempos.

Numa vida de polémicas e de tiradas politicamente incorrectas, nos últimos tempos Morrissey tem conseguido até alienar muitos dos seus fãs de longa data. Desde os tempos dos saudosos Smiths, a persona de Moz sempre apelou aos inadaptados, aos excluídos, aos sensíveis, enfim, aos que – de uma forma de certa esquerda adolescente vagamente intelectual – tinham as causas certas mas perdiam sempre para este mundo desumanizado.

Acontece que, depois da causa vegan que sempre abraçou com fervor, Morrissey tem andado a divertir-se com coisas como a defesa de Kevin Spacey e Harvey Weinstein nos escândalos dos abusos sexuais, numa posição algo ambígua sobre a imigração ou na sua visão maniqueísta de Israel como a única terra do mundo merecedora de protecção, por exemplo.

Esta é uma das dificuldades de ser um fã de Morrissey em pleno ano de 2017. Jurámos defendê-lo até à morte, venha o que vier, porque esse é o tipo de relação que com ele criámos. E não, não nos choca a sua recente descoberta do tema da sexualidade como imaginário de algumas músicas, ao contrário da estranhamente púdica imprensa britânica que quer continuar a imaginar Morrissey com um jovem estranho e assexuado. A questão é que há um custo associado a todo este moralismo, a todas estas missas cantadas sobre os Grandes Temas do Mundo.

Aceitamos que, na sua forma desastrada e politicamente incorrecta, tenha defendido que as coisas não são assim tão preto e branco nos escândalos sexuais de Hollywood; aceitamos que nos obrigue, nos seus concertos, a ver de frente imagens de animais a serem barbaramente abatidos; aceitamos, com um sorriso conhecedor, que cancele espectáculos porque o aquecimento do palco está avariado e ele se recusa a usar um casaco; aceitamos até que ignore os crimes de Israel em nome de uma visão idílica e estritamente pessoal da História.

O grande crime não é esse, que faz parte intrínseca da personagem. O grande crime, e um que nos custa muito a aceitar, é que nos negue as canções maiores que a vida que já em tempos nos deu, e com fartura. Dêem-nos um riff inspirado, um refrão que nos muda a vida, e aceitamos toda a soberba e todos os disparates.

O problema é que Low in High School continua carregado de soberba, mas deixou as grandes canções na gaveta. E, aí, o que fica é só um gajo de meia-idade a dar lições de moral aos seus fiéis ouvintes.

É claro que, apesar da sua doença, continua a ser um vocalista fabuloso, um autor carismático e uma personagem como já não existem. Mas Morrissey parece-se cada vez mais como aquele tio que em tempos foi divertido, e que agora se limita a embriagar-se e a estragar os jantares de Natal da família por se achar melhor que toda a gente.

Aceitaríamos até isso, de bom grado, se nos desse discos, músicas, canções, que nos fizessem de novo vergar ao seu poder. Infelizmente, em Low in High School não é esse o caso.