No final do vigésimo aniversário do terceiro álbum dos Oasis, o espectro das opiniões já foi corrido de uma ponta à outra mais vezes do que é possível contar: de álbum mais antecipado de todos os tempos, a recordista de vendas com críticas eufóricas, até rei que vai nú e renegado pelo próprio criador, passando pelo ao-fim-de-algum-tempo-nem-é-assim-tão-mau. O único adjectivo constante acaba por ser “excessivo”, seja para bem ou para mal.
Agosto de 1996, Knebworth Park, duas noites esgotadas em cinco minutos, dois milhões e meio de candidaturas a bilhetes; convites para recepções em Downing Street; proclamações de serem maiores que Deus. A lei da gravidade parecia não se aplicar aos Oasis, pelo que as sugestões por parte do management de que desaparecessem durante um ano ou dois para descansar do turbilhão dos media, das drogas e da eterna picardia entre os irmãos Liam e Noel foram liminarmente rejeitadas em favor de um rápido regresso a estúdio.
Munido de maquetes gravadas durante umas férias acompanhado por Johnny Depp e Kate Moss na casa de Mick Jagger em Mustique, Noel encaminha a banda para Abbey Road em outubro, juntamente com o habitual produtor Owen Morris. Sintomaticamente, um estúdio não chegaria, nem dois. Como não chegariam dez pistas de guitarra a dobrar a mesma parte para cobrir as ambições (e a moca) de Noel. Um festival de excessos alimentados por doses industriais de cocaína que se viria a tornar no terceiro álbum dos Oasis, mas também na explosão final e titânica da Britpop.
O single de apresentação, “D’You Know What I Mean?” abre o álbum com um festival de overdubs, feedback, helicópteros, samples de “Straight Outta Compton” dos NWA, código Morse, vozes e mais guitarras em reverse, alusões a Dylan e Beatles na mesma frase e sete minutos e 42 segundos de duração, para desespero das rádios. Sob este manto, esconde-se exactamente a mesma sequência de acordes de “Wonderwall”, e assim a declaração de intenções fica feita. “My Big Mouth” acelera a fundo durante quase seis minutos sobre mais uma cama de feedbacks, enquanto “Magic Pie” promete ser o clássico mid-tempo cantado por Noel à guitarra acústica com um piano eléctrico a acompanhar. A promessa dura apenas um minuto, ao fim do qual reentra o camião com pistas sobrepostas de guitarras distorcidas, mensagens ininteligíveis em código Morse, coros de estádio e um pequeno disparate jazzístico nos últimos segundos.
“Stand By Me” foi o segundo single, um sing-along clássico alicerçado na sequência de acordes de “Ziggy Stardust” e numa intoxicação alimentar provocada pela falta de dotes culinários de Noel. A orquestra que voltará a fazer aparições ao longo do álbum entra aqui pela primeira vez. A caminho do meio do álbum, “I Hope, I Think, I Know” começa com (pasme-se!) mais feedbacks e o entusiasmo e auto-confiança esmagadores como só dois Gallaghers nos anos 90 conseguiam ter; “The Girl In The Dirty Shirt” é a maior aproximação pop-love-song do álbum, mas pelos padrões Be Here Now do que uma pop-love-song possa ser, ou seja, sem défices de distorção apesar do regresso do piano eléctrico dar um toque mais ameno.
Atingido o meio do álbum, “Fade In-Out” tem um live in studio feel, um ambiente assemelhável ao pico de forma duns Kula Shaker, percussões a marcar o tempo na primeira metade e uma guitarra slide tocada por Johnny Depp na segunda. “Don’t Go Away” aparece como um raro momento de vulnerabilidade no meio deste furacão sónico, tanto na performance vocal de Liam como na letra de Noel, alegadamente dedicada à mãe do guitarrista Paul “Bonehead” Arthurs, que estaria por essa altura a morrer de cancro. Segue-se o tema homónimo do álbum, em que a programação habitual é retomada: distorções, uma cadência esmagadora, mais alusões a Beatles, Liam a atacar as letras como quem arma uma cena de pancadaria no pub.
Chegando à recta final, o terceiro single “All Around The World” é o monumento final ao excesso que envolve este álbum. Mais de nove minutos de duração, o regresso da orquestra, três subidas de tom, um infindável coro final à la “Hey Jude” com a presença das namoradas dos elementos da banda e de um certo Richard Ashcroft, mais uma reprise orquestral para fechar o disco, antes da qual fica ensanduichado “It’s Gettin’ Better (Man!!)”, o último dos temas mais rock n’ roll nas pegadas de “My Big Mouth” e “I Hope, I Think, I Know”, feito por medida para moshpits do tamanho de um estádio.
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