Apesar de lhe terem feito uma pira fúnebre no Comiskey Park, em Chicago, a 12 de julho de 1979, o disco não morreu. Carregada de significados, a Disco Demolition Night que, mais do que uma mera reação a um tipo de música, traduzia um conflito cultural e demográfico, e chegou a ser comparada por Nile Rodgers às queimas de livros na Alemanha nazi dos anos 30, na verdade acabou por abrir caminho a várias descendências e novas vidas do fenómeno que havia nascido na club culture norte-americana dos anos 70. E, apesar de heranças diretas no Hi-NRG que então floresceu entre São Francisco (com Patrick Cowley como principal fonte de ideias) e Nova Iorque (ali com Bobby Orlando), foi sobretudo em terreno europeu que ideias entretanto já em marcha geraram novos fenómenos de sucesso primeiro nas pistas de dança, depois nas rádios e, logo depois, nas tabelas de vendas. O tempo ensinaria que, afinal, o disco tinham pela frente mais vidas até que os gatos…
Ao mesmo tempo que, com epicentro em França, o space disco traduzia o tempero futurista com que então se encarava a chegada dos oitentas (e vale a pena chamar aqui a esta equação o sucesso de “A Guerra das Estrelas” e “Encontros Imediatos de Terceiro Grau” que, em 1977, colocaram a ficção científica no patamar dos maiores sucessos de bilheteira no cinema), em Itália, sob ecos destes mesmos sabores (desde logo experimentados pelos La Bionda em, por exemplo, “I Wanna Be Your Lover”) e com atenções focadas no Hi-NRG norte-americano, emergiu uma nova música apontada à pista de dança, feita de canções com alma pop, temperadas a sintetizadores, musculares com baixo e percussões eletrónicos, inicialmente recorrendo ao vocoder e a temáticas sic-fi, depois evoluindo para traduzir sobretudo paisagens de festa, calor, dança, prazer. Tal como pelo Reino Unido, epicentro de uma nova cultura pop surgida na viragem dos anos 70 para os 80 (com os new romantics), as propostas de escotismo chegavam pela música.
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Conquistando primeiro atenções em Itália com discos de Koto, P Lion, Savage, Fun Fun ou Doctor’s Cat (todos eles com singles marcantes em 1983), logo depois revelando nomes como Ken Lazlo, Scotch, Silver Pozzoli, Raf, Sabrina ou Eddie Huddington, seduzindo ainda figuras vindas de outros universos musicais como, por exemplo, a cantora Ivanna Spagna (a dada altura foi uma das vozes do coletivo Fun Fun), Miko (que passou a apresentar-se como Miko Mission) ou percussionista Tulio de Piscopo (e notemos como, nos 70s também os Rolling Stones ou Rod Stewart tiveram os respetivos flirts com o disco). Todos eles usavam o inglês para cantar e não a língua italiana, habitualmente presente nos maiores sucessos discográficos no país. O fenómeno rapidamente passou as fronteiras, com nomes como Baltimora, Gazebo ou Ryan Paris a chegar inclusivamente a capitalizar episódios de sucesso no Reino Unido (então pouco aberto a casos da pop “continental”), sendo que por muitos outros territórios europeus houve muito mais momentos de êxito tanto nos discos como nas noites dançantes. O fenómeno alcançou tal dimensão que gerou até versões internacionais, como a dos belgas Kazino que gravaram a sua leitura para “Around My Dream” de Silver Pozzoli ou a norte-americana Laura Braningan que recriou “Self Control” de Raf, dando-lhe dimensão de êxito planetário.
Foi numa série de compilações da editora alemã ZYX Music, lançadas ainda em finais dos anos 70, que nasceu a designação italo disco que se foi associando depois a esta música que, em meados dos anos 80, estava a somar êxitos Europa fora, gerando depois descendências locais que acabaria conhecida como euro disco, com surtos maiores de edição na Alemanha, França, Espanha ou Grécia, o que não impediu a vaga de atravessar o atlântico e contagiar, por exemplo, os canadianos Lime. Em Itália, o fenómeno gerou depois os habituais sucedâneos menores… Até que, com os noventas na linha do horizonte, e já sob as marcas de uma nova cultura chegada do outro lado do oceano (a house de Chicago em particular), entra em cena o italo house, com os Black Box (e o seu “Ride on Time” como cartão de visita internacional). E então, discretamente, o italo disco sai de cena.
Esta é a história agora recuperada em “The Italo Disco Collection”, caixa de 4 LP (com um tote bag como extra, sei lá para quê, mas enfim) que recupera os nomes centrais e os êxitos mais significativos do fenómeno. Pena, perante tão atenta curadoria, a ausência de um booklet que nos desse o contexto social e cultural que teve esta música como banda sonora.
“The Italo Disco Collection”, com faixas de vários artistas, é uma caixa de 4LP disponível numa edição da ZYX Music.
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