Os sons que começamos a escutar muitas vezes moldam não apenas um gosto mas também um eventual caminho na música. Foi o que aconteceu com Robert Palmer (1949-2003), autor de um percurso a solo particularmente marcante nos anos 70 e primeira metade dos 80, que viveu os dias de infância em Malta, escutando (com os pais) os sons da American Forces Radio, na qual descobriu a emergente os blues, o rhythm and blues, depois a emergente soul… Ao regressar ao Reino Unido, onde tinha nascido 12 anos antes, o seu mapa dos sons era claramente americano, pelo que não foi de estranhar que, ao passar de ouvinte a criador de música, esses caminhos acabassem por apontar rumos, tendo-se associado a bandas que navegavam perto dos blues e do jazz, do rock e da soul, a mais célebre das quais os Vinnegar Joe, nos quais militou entre 1971 e 74, dividindo então o lugar atrás do microfone com Elkie Brooks. Foi depois da passagem pelos Vinnegar Joe que a Island o desafiou para gravar a solo, surgindo então “Sneakin’ Sally Through the Alley” (1974) álbum gravado em New Orleans pelo qual surgiam claras marcas das vivências até aí somadas e do gosto então já bem definido.
Este álbum abre agora a caixa de memórias que, sob o título “The Island Years” recupera os nove álbuns que Robert Palmer lançou a solo entre 1974 e 1985 pelo catálogo da mítica editora fundada por Chris Blackwell, a cada título sendo adicionadas faixas adicionais que completam o olhar panorâmico sobre este período. Ao álbum de 1974 seguiu-se, num azimute não muito diferente, “Pressure Drop” (1975) vincando a costela blue eyed soul e começando a somar ecos do reggae que, possivelmente por osmose, circulavam pelos corredores da editora, rota aprofundada (sob mais marcas rock e funk) em “Some People Can Do What They Like” (1976), com o seguinte “Double Fun” mais focado nas genéticas rock’n’roll, mantendo as cores e elegância que vinham já das experiências anteriores, talvez mais próximo de terreno ao gosto do FM americano no seguinte “Secrets” (1979).
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A chegada dos oitentas revela contudo uma mudança de interesses, assimilando as emergentes electrónicas e as sugestões de um pop/rock mais desafiante sugerindo pela new wave. “Clues” (1980), que surge depois de uma participação em “Remain In Light” dos Talking Heads (retribuída pela contribuição neste disco de Chris Frantz), apresenta-se já em sintonia com novos rumos e conta até mesmo com Gary Numan nas teclas de uma versão do seu “I Dream Of Wires”. O disco nasceu na atmosfera certamente inspiradora dos Compass Point Studios em Nassau (Bahamas), tal como sucedera já com o anterior “Clues” ou o seguinte “Pride”, os três sendo inteiramente produzidos pelo próprio Robert Palmer. “Pride” é um magnífico disco de alma pop que não perde as marcas de gosto históricas do músico, da soul ao funk, vincando os caminhos de maior ousadia que por aqueles dias caracterizava a sua música.
O passo seguinte, que representaria a última criação de Robert Palmer para a Island, traduziu sobretudo as ressonâncias da recente aventura nos Power Station, um dos dois projetos nascidos em tempo de pausa dos Duran Duran. Palmer convidou inclusivamente Andy Taylor para tocar guitarra em “Addicted To Love”, de vincado sabor rock que lhe deu o número um nos EUA (antes, com “Bad Case of Loving You – Doctor, Doctor” tinha alcançado essa mesma posição, mas no Canadá). No alinhamento de “Riptide” há ainda evidências da passagem pelos Power Station por via da presença do baterista Tony Thompson e pela produção assumida pelos Ex-Chic Bernard Edwards. Apesar do impacte de “Addicted to Love”, um dos momentos maiores deste disco (e uma das melhores canções da obra do músico) surge em “I Didn’t Mean to Turn You On”, um exercício pop funk minimalista que merecia um lugar de maior destaque no Olimpo das memórias dos oitentas.
“Riptide” encerra o capítulo revisitado nesta caixa, que assim deixa de fora os seis álbuns que Robert Palmer lançaria depois, entre 1988 e 2003, o primeiro dos quais “Heavy Nova”, claramente pensado para desenhar um novo passo no mesmo sentido do disco de 1985, com cartão de visita em “Simply Irresistible” a conseguir capitalizar ainda o momentum… Mas essa é história para outras revisitações da obra de Robert Palmer que terão de caber à Warner, Eagle e Universal (a casa da Island) que detém os respetivos títulos nos seus catálogos.
“The Island Years”, de Robert Palmer, é uma caixa de 9 CD numa edição da Island/Universal.
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