Liga o quatro pistas e em duas horas está feito: Ariel Pink faz parecer fácil a arte de criar bons álbuns. No entanto, o que se constata é que mais ninguém faz o mesmo que ele — a sua magia continua única e sem ser vítima de macacos de imitação.

Serão necessárias apenas algumas audições para perceber que Dedicated to Bobby Jameson é o álbum mais coeso e contido deste estranho habitante das colinas de Los Angeles — não ouvimos aqui o frenesi e o desfilar de freaks que marca pom pom, antecessor deste último álbum. Também por isso, é um dos seus melhores nos últimos anos, suplantado apenas por Before Today, na nossa opinião. É que neste registo, Ariel Pink, sem perder nunca o seu charme tão próprio, encontra uma nova voz. Ou melhor, une toda a esquizofrenia de personagens que marca a sua discografia numa só: ele próprio.

Se tivermos em conta quem foi Bobby Jameson, a quem Ariel tão explicitamente dedica este disco, esta ação aglutinadora faz todo o sentido. Numa época em que a Beatlemania estava a espalhar-se como uma doença por toda a América, surgiu na Cidade dos Anjos um tal de Bobby Jameson. Ao longo de várias campanhas e manobras publicitárias foi construída à volta do jovem cantautor a imagem de “próxima grande cena”. O seu primeiro single acabou por ser um grande insucesso, e, mesmo o lançamento de outras faixas sob diferentes pseudónimos de modo a provocar o efeito de novidade, Bobby não conseguiu lançar a sua carreira musical.

Nesta história de um artista sozinho contra o mundo, conseguimos ver porque é que Ariel Pink decide dedicar a Bobby Jameson este último álbum: à exceção do falhanço na carreira musical, Ariel sempre se mostrou invariavelmente só. Com todas as implicações que isso tem, uma é certa: atribui um caráter único a todos os seus registos; e Dedicated to Bobby Jameson não é diferente: é Ariel Pink do primeiro ao último segundo. Aquela maneira de modelar a voz logo no início de “Time to Meet Your God” remete-nos de imediato para o universo do artista americano — como se, de repente, não se tivessem passado três anos desde pom pom. A power pop enérgica da música de abertura faz de ponte com a sonoridade que pauta esse álbum.

Na segunda música passamos para uma bela canção que nos fala das coisas bonitas que um novo amor traz à nossa vida vida: em “Feels Like Heaven” cantam-se os anseios e expetativas, mas, sobretudo, a celestialidade que marca esta experiência da vivência humana. O terceiro single de Dedicated to Bobby Jameson emerge impregnado de influências dos 80s, entre as quais as mais gritantes são as sonoridades da pop lo-fi dos Cleaners from Venus e do twee dos The Wake, algo que ouvimos na escolha dos acordes, no borbulhar da guitarra carregada de chorus e nos sintetizadores brilhantes como raios de sol que espreitam por entre árvores num nascer de dia frio de inverno.

Nesta faixa somos confrontados com uma das grandes qualidades de Ariel: a sua enorme capacidade para escrever canções que ressoam fácil, embora profundamente, com qualquer ser humano. “Here I go again / Falling in love again” é uma maneira simples de falar sobre estar apaixonado, mas é na maneira como o artista desenvolve esta ideia que encontramos a magia de Ariel Pink enquanto autor. Como também se percebe ao escutar as letras ao longo de Dedicated to Bobby Jameson, esta perspicácia é temperada com doses muito bem medidas de ironia, humor e situações caricatas. Se em “Death Patrol” temos um vislumbre disso, em “Santa’s in the Closet” ouvimos a história de um Pai Natal feito gangster: “Santa Claus is at the bar / Santa wants to break the law / Santa’s goin’, goin’ down / And Santa wants to go to hell”. A versatilidade de Ariel como escritor de canções é, portanto, imensa: não é que seja algo novo — vem desde os seus primeiros lançamentos como Ariel Pink’s Haunted Graffiti —, mas não deixa de surpreender.

Quem segue Ariel há algum tempo sabe que a sua música oscila claramente num eixo entre dois registos sonoros: um lado mais doce e amoroso, com composições pop a variar entre sonhadoras e psicadélicas, e outro algures entre o garage rock dos anos 60 e um glam eletrizante, por vezes agressivo. Na primeira categoria, encontramos canções como “Another Weekend”, o fantástico primeiro single de Dedicated to Bobby Jameson, que nos fala de uma maneira muito bela sobre incontáveis fins de semana perdidos para a inércia, e outras como a super lo-fi “I Wanna Be Young” ou a balada “Do Yourself a Favor”. Já na segunda categoria, podem incluir-se faixas como “Dreamdate Narcissist” (que, por vezes, lembra The Electric Prunes), “Time to Live” e “Bubblegum Dreams”.

No meio de tanta música fantástica, há, a meu ver, três que se destacam. A primeira é a faixa-título “Dedicated to Bobby Jameson”. Nela, o que há de mais incrível é a transição entre um verso cujo órgão lembra o de Ray Manzarek e o refrão que explode numa pop soalheira. Com uma mudança de acordes nada esperada e o súbito pulsar da bateria, cria-se um curtíssimo, ainda que enorme, crescendo que termina tão rápida e epicamente como começou. Mais perto do final do álbum está a misteriosa e bela “Kitchen Witch”, que surge como enorme surpresa pela sua beleza invulgar. Envolta numa atmosfera nebulosa, este portento goth/dream pop é construído por uma guitarra que grita notas soltas através de uma parede de reverb e um teclado que vai seguindo o riff principal. Contudo, a grande magia está na bonita e etérea voz de Charlotte Coe a.k.a. Charles (namorada do cantor), que surge como uma suave brisa que afasta momentaneamente a música da sua carga invernal. Por último, a faixa que mais sai dos registos normais de Ariel Pink: “Acting”, a sua colaboração com D?M-FunK (que previamente tinha aparecido em Invite the Light, álbum de 2015 deste último). O groove desta fantástica canção parece quase tomar posse do nosso corpo: é impossível não abanar as ancas ao som da sua batida e baixo. Deste encontro já antes experimentado (em Mature Themes com “Baby”) resultou esta música sensual, situada claramente no mundo musical de Damon Riddick (nome do artista convidado) e ainda assim tão Ariel Pink.

Neste ótimo registo, Ariel deixa-nos mais um grande pedaço de arte, tão genuinamente bom como honesto. Ajuda a isto o facto de as músicas, apesar das distinções referidas, formarem uma estrutura muito coesa entre si, que não diverge muito em desvairos de loucura (como por vezes acontece em outros álbuns do artista), despindo-se de qualquer elemento menos necessário. Tudo o que aqui está aqui precisa de estar — e nada faz falta. Mantém-se aqui alguma da alta fidelidade que tem vindo a marcar os álbuns de Ariel desde a sua passagem pela 4AD, embora a música nunca deixe de declarar o amor eterno do artista por uma sensibilidade e estética lo-fi. Apesar dos traços tão reconhecíveis do seu estilo, há algo na música que Ariel Pink apresenta de álbum para álbum que faz com que cada obra seja o seu próprio mundo. Em Dedicated to Bobby Jameson somos convidados por Ariel para ouvir uma sitcom que não é sobre nada, mas que, pelo contrário, é sobre tudo: sobre a vida, sobre a morte, sobre ressurreição, sobre amor, sobre perda, sobre solidão. Sendo dedicado a Bobby Jameson, este álbum é uma imersão profunda em Ariel Pink e é sobre ele que tudo nos fala neste disco.