Nada como as exceções para baralhar quem acredita que tudo acontece sempre segundo os mesmos princípios… E de facto não é difícil torcermos o nariz quando se fala de discos novos por parte de bandas com algumas décadas de existência que, após longos hiatos, tocam a reunir e, para lá dos palcos, em modo nostalgia, resolvem gravar novos álbuns com material inédito… E basta citar nomes notáveis como os Bauhaus, Culture Club ou Visage (para ficar entre figuras da mesma geração) para que um eventual ceticismo sobre a sugestão acima lançada encontre confirmação nos títulos bem marinhos de ideias através dos quais juntaram novas canções às suas discografias. Mas todas as “regras” comportam exceções. E, entre esta mesma geração britânica com berço entre finais dos anos 70 e inícios dos 80, o nome dos Orchestral Manouevers In The Dark (OMD) cada vez mais parece ser o de uma digníssima fuga ao modelo… É que, a cada novo disco que lançam, desde a sua reunião há 17 anos, cada vez mais parecem se aproximar do patamar dos melhores momentos da sua discografia – que corresponde aos álbuns “Architecture & Morality” de 1981, “Dazzle Ships”, de 1983 e, uns ligeiros patamarzitos abaixo, “Junk Culture”, de 1984.
Depois de uma ausência de 11 anos, maior ainda se tivermos em conta que Paul Humphries se havia afastado da banda em 1989 (apesar de manter uma colaboração autoral até 1996 salvo no álbum “Sugar Tax” de 1991), os OMD voltaram a juntar a sua dupla original, por um lado trabalhando um regresso aos palcos a partir de 2006, três anos depois acrescentando à sua discografia o inesperadamente bem nascido “History of Modern” (2010). Em 2013 fizeram de “English Electric” mais um passo seguro, juntando a bordo sinais da sua genética kraftwerkiana a ecos da obra que haviam gravado em meados dos anos 80. Quatro anos depois “The Punishment of Luxury” retomou precisamente essas duas linhas centrais de ação sem, contudo, procurar fazer das janelas abertas para com a memória uma declaração de nostalgia. E agora, como que a culminar todo este percurso de regresso “sustentado”, eis que entra em cena “Bauhaus Staircase”, álbum que entra diretamente para terceiro lugar do pódio dos melhores discos do grupo.

Se em finais dos anos 70, quando eram um oásis de atenção pelas emergentes eletrónicas entre as novas bandas que se apresentavam no mítico Eric’s em Liverpool, desenhavam sobretudo uma visão plástica rumo a uma nova forma de entender a canção pop, já em 1983, no então quase ignorado “Dazzle Ships” (entretanto transformado em clássico de referência), traduziram ecos dos sinais dos tempos, refletindo sobre o clima de guerra fria em que a Europa vivia numa época em que a pop mainstream britânica oferecia, sobretudo, rotas de luz, festa e escape. A necessidade de responder, com êxitos, ao fracasso comercial de “Dazzle Ships” levou o grupo a mudar as linhas das suas rotas. Porém, nos caminhos (já sem essa carga nos ombros) que têm trilhado desde a sua reunião, os sinais dos tempos têm começado a ganhar expressão nas suas canções. E, após seis anos de pausa criativa, em “Bauhaus Staircase” levam ainda mais longe essa vontade em refletir sobre o nosso tempo político e social que passava já por “The Punishment of Luxury”, apresentando no novo álbum quer olhares críticos sobre a classe política, a ascensão do populismo e os riscos que a nossa casa comum corre perante as evidências das alterações climáticas.
Contudo, e mesmo com uma carga política bem mais vincada (que de resto Andy McCluskey tem sublinhado nas recentes entrevistas), “Bauhaus Staircase” não perde a alma feita de luz pop que sempre marcou a obra dos OMD. Este é, de todos os discos desta série pós-reunião, aquele em que de forma mais bem assimilada se confrontam as marcas de novidade e desafio com as genéticas de referência que desde cedo definiram a sua linguagem. Canções como “Slow Train” (que evoca o mood abrasivo da pop de Goldfrapp por alturas do seu segundo álbum) ou o tema-título traduzem a abertura do som dos OMD a estímulos recentes. Depois, por vários momentos do álbum, escutamos ecos das suas fontes de inspiração e da sua própria maneira de desenhar canções pop, reencontrando em alguns momentos o gosto em trabalhar a voz falada (piscando aqui o olho, agora com outro conforto, sobre a memória do belíssimo “Dazzle Ships”). Num disco viçoso que nasce em tempos assombrados, os OMD não fecham a porta nem à dimensão mais pessoal que as emoções podem moldar (como em “Aphrodite’s Favourite Child”, que na verdade estava na gaveta há alguns anos), nem à festa (escute-se “Don’t Go”, nascida por alturas de uma recente antologia), encerrando o alinhamento com um convite sereno à redenção, sugerindo em “Healing” o desejo em ultrapassar algumas das feridas que faixas como o alarmante “Antrophocene” ou o crítico “Kleptocracy” antes colocam em cena. Escutado de fio a pavio “Bauhaus Staircase” (com uma capa que evoca os tempos em que Peter Saville desenhou grafismos icónicos para os seus discos), sentimos, apesar dos rumores de eventual despedida na linha do horizonte, que os OMD, aos 45 anos de carreira, estão num pico de forma… Pela frente têm, em 2024, uma digressão de arenas no Reino Unido. Será para selar em festa o adeus? Ou para medir o pulso à coisa antes de um novo episódio?… Por aqui, assim sendo, nada como seguir com atenção as cenas dos próximos capítulos.
“Bauhaus Staircase”, dos OMD, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais numa edição White Noise.
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