“The Girl is Crying in Her Latte” apresenta surpresas e mudanças de rumo a cada faixa, deixando aquele saboroso travo a ‘best of’. Pode não trazer revoluções, mas apresenta belas canções.

Com mais de 50 anos de atividade e não aparente vontade em sequer vislumbrar a ideia de parar, os Sparks já nos deram mais do que suficientes razões para neles podermos identificar um dos mais notáveis casos na história da música pop, sendo de notar quão influentes foram já entre pares e admirados por melómanos mas mais diversas esferas do gosto, sem que tamanho reconhecimento fosse alguma vez traduzido no que poderíamos comparar com a mais clássica ideia de uma carreira de grande sucesso. Houve momentos de glória e de “êxito”, mas a vida e obra dos Sparks viveu sempre mais de ideias, mudanças de rumo, visões e bom humor do que propriamente com um calendário cheio de memórias registadas nas tabelas de vendas. Com uma obra em disco que já ultrapassou o meio século de vida, na verdade já nos deram suficientes álbuns daqueles que traduzem momentos de golpe de rins rumo a algo completamente diferente, não perdendo nunca, seja em que terreno se apresentaram, a força maior de uma personalidade (e consequente expressão como marca autoral) que acaba sempre por suplantar o espaço novo que então resolveram visitar. Seja em clima com afinidades para com os tempos do glam rock nos dias de “Kimono in My House” (1974), a colaboração de travo disco com Giorgio Moroder em “Nº1 in Heaven” (1979), a celebração luminosa de uma reinvenção pop em “Gratuitous Sax & Senseless Violins” (1994), a visão arrebatadora de uma ideia de pop minimalista em “Lil’ Beethoven” (2002) ou a partilha de protagonismo com os brilhantes Franz Ferdinand em “FFS” (2014), os Sparks nunca deixaram de soar a… Sparks. E no momento em que lançam um 26º álbum de estúdio, ninguém na verdade espera outra coisa…
O primeiro aperitivo para o novo “The Girl is Crying in Her Latte” chegou precisamente com a canção que dá título ao álbum, apresentada na forma de um teledisco no qual os irmãos Ron e Russel Mael (ou seja, os Sparks), partilham a imagem com a atriz Cate Blanchett… A canção, na verdade, não era mais do que uma nova abordagem à ideia de pop minimalista que tem cruzado vários dos discos que os Sparks nos têm dado a escutar desde “Lil Beethoven”, mood que se manteve quando escutámos “Veronica Lake”, o segundo single… Ao terceiro, lançado já em maio, chegava o episódio que ia baralhar as expectativas… Pensada num claro piscar de olho às memórias pop/rock dos dias de “Kimono In My House” ou “Propaganda” (1975), “Nothing Is as Good as They Say It Is” é um reencontro de travo vintage com os Sparks de outros tempos, o que faz pleno sentido num álbum que assinala o reencontro da dupla com a Island Records, editora para a qual lançaram o histórico trio de álbuns que os colocou no mapa das atenções entre 1974 e 76. Daí em diante o alinhamento baralha-nos a cada nova faixa, numa sucessão de canções que visitam várias linguagens e sons, sugerindo mais um clima de ‘best of’ do que aquela clássica ideia de um álbum com um rumo feito entre bitolas mais próximas entre si. Mas na verdade não estamos senão em ambiente clássico para os Sparks, com as ocasionais doses fartas de apelo épico, nonsense quanto baste (escute-se “We Go Dancing” onde o líder da Coreia do Norte surge retratado como DJ) e as pitadas de surpresa que sempre caracterizaram a sua visão pop. “The Girl is Crying in Her Latte” pode não ser um disco visionário como o foi “Lil’Beethoven” ou capas de fixar, com personaliadade, os sinais dos tempos como o fizeram “Kimono In My House” ou “Nº1 in Heaven”. Mas deixa uma vez mais plenamente satisfeito quem neles espera mais um disco… de Sparks.

“The Girl is Crying in Her Latte”, dos Sparks, está disponível em LP, CD e nas plataformas digitais num lançamento da Island Records.
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