
Vinte anos depois do segundo disco, os Black Grape do mítico Shawn Ryder estão de volta, num disco cheio de groove, energia e boas vibrações.
Os Black Grape, de certa forma, sempre tiveram uma vida atribulada. Nascidos depois do fim dos Happy Mondays (que se voltariam a juntar), serviram sobretudo de veículo para a criatividade de Shawn Ryder, fundador e vocalista dos Mondays, ícone de Madchester, crónico toxicodependente, génio das ruas e das sarjetas.
Inicialmente, com Ryder estavam Bez, o dançarino frenético e agitador de maracas dos Happy Mondays, e Kermit, dos Ruthless Rap Assassins. Bez saiu entretanto, está de novo na sua antiga banda (tal como Ryder), pelo que, na prática, estes Black Grape são um duo.
Depois de dois discos tremendamente bem sucedidos no Reino Unido – It’s Great When You’re Straight…Yeah (1995) e Stupid Stupid Stupid (1997), como que desapareceram do mapa. Ryder reentrou, saiu e voltou a entrar nos Mondays (que andam há dois anos a prometer disco novo), largou as drogas, colaborou com os Gorilazz, entrou em reality shows em Inglaterra e tornou-se uma celebridade para toda uma nova geração que não o conhecia dos tempos loucos dos excessos de Manchester nos anos 80 e 90.
Agora terminou o silêncio, com este Pop Voodoo, que é uma lufada de ar fresco. Já tínhamos saudades do humor de Ryder, da sua escrita e fraseado de hooligan de meia tigela, e deste som baggy e boa onda que sempre foi a sua marca.
Entre os Mondays e os Black Grape nem sempre é fácil traçar uma linha divisória simples em termos de sonoridade. Estes últimos são um pouco mais (northern) soul (“Set the Grass on Fire” é um claro e óptimo exemplo), têm uns cheirinhos de pseudo-rap, apostam mais no groove, enfim. Na verdade, ambos os projectos partilham da matriz da pop de Manchester na viragem para os anos 90, um som gingão e dançável, com toques de acid jazz e soul.
Pop Voodoo vem na mesma linha que os antecessores. Tem talvez menos malhas assassinas (“Nine Lives” é um estrondoso som de Verão, ainda assim) e a northern soul está mais presente, sendo sobretudo um disco com uma coerência superior, disparando para menos direcções e mantendo sempre um nível bastante aceitável.
O álbum arranca com “Everything You Know is Wrong”, uma hilariante sátira à política norte-americana, com Trump como principal alvo, mas nem Clinton nem Obama (“He’s a knobhead”, diz Ryder) escapam. O baixo saltitão domina o tema do princípio ao fim, mostrando que as boas vibrações não ficaram lá atrás, há 20 anos.
Mas este não é um disco político nem conceptual, e quer é fazer as pessoas dançar e divertirem-se. O já citado “Nine Lives” encarrega-se disso mesmo, com efeitos demolidores. Temos ainda a soul preguiçosa de “Sugar Money” ou “Whiskey, Wine and Ham”, a fazer lembrar os melhores tempos dos duvidosos Fun Lovin’ Criminals; a energia quase mod de “String Theory”; ou a arqueologia dançável de “Pop Voodo”, a evocar os primórdios dos A Certain Ratio.
Tal como nos registos anteriores, e tal como em todos os discos dos Happy Mondays, os Black Grape não têm a pretensão de inventar algo novo ou ser muito eruditos. Fazem, aliás, gala das suas origens de classe trabalhadora. Não se espere aqui nada de muito inventivo. Apenas um disco muito apetitoso, para desfrutar o que resta deste Verão solarengo.
Mais, apostamos que quem meta Pop Voodoo a tocar no carro não o vai tirar de lá tão cedo, a não ser que esteja clinicamente morto da cintura para baixo.
Sem comentários:
Enviar um comentário