Um manual de instruções para o luto no rock.

Estamos em 1973. Em poucos meses, o açúcar castanho da heroína mata dois grandes amigos de Neil Young: o guitarrista dos Crazy Horse- Danny Whitten; e o roadie Bruce Berry. Tonight’s the Night é a homenagem e elegia aos amigos perdidos; e um ajuste de contas com a mitologia do rock, repensando o lugar que as drogas, a morte e a fútil fama ocupam no seu seio.

Como se faz o luto no rock? Tonight’s the Night responde sem ambiguidades: colocando o volume dos amplificadores no máximo, deitando tudo cá para fora, chorando e rindo ao mesmo tempo. As garrafas de tequila, entornadas noite adentro, ajudam a anestesiar a dor; mas é preciso, em certa medida, fazer o contrário: agarrar a mágoa pelos cornos, expurgá-la, e, ao mesmo tempo, celebrar o milagre de se estar ainda vivo.

Tonight’s the Night é esse grito confuso de dor e vitalidade, registado na fita tal como aconteceu: gravado ao vivo numa exígua sala de ensaios, ao primeiro take, sem truques de estúdio a maquilhá-lo. Por isso, tudo é tão fluido e verdadeiro. Como uma criança a chorar com um brinquedo partido na mão.

Nunca Neil Young levara tão longe a sua filosofia de capturar a verdade do momento, em detrimento de uma perfeição asséptica e mentirosa. Parte da grandeza de Tonight’s the Night provém, justamente, das suas imperfeições: a voz de Neil a fraquejar nas notas mais altas, as harmonias vocais inacabadas, os erros técnicos na distância do microfone. A transparência é absoluta, raiando o obsceno; uma janela indiscreta por onde, voyeurs, espreitamos tudo.

After The Gold Rush terá, porventura, melodias mais fortes; Harvest será, com certeza, mais preciso e rigoroso. Mas pela sua brutal honestidade, e intimidade quase pornográfica, Tonight’s the Night será sempre o meu preferidoNele, Neil transforma a dor profunda em rasgos únicos de beleza. Haverá outra maneira de se fazer grande arte?