Não tenhamos dúvidas: Native Invader é o melhor disco de Tori Amos dos últimos longos tempos. Boas notícias, portanto!

Tori Amos perdeu muita da quase unanimidade que teve nos primeiros tempos do seu percurso artístico. Muitas terão sido as razões para que público e crítica a tivessem, passe a expressão, abandonado. Pouco importa agora tentar perceber o que realmente terá acontecido, mas é inegável que Tori Amos foi a menina bonita de meio mundo aquando dos seus primeiros quatro álbuns a solo, Little Earthquakes (1992), Under the Pink (1994), Boys For Pele (1996) e From the Choirgirl Hotel (1998). Mas na vida tudo se altera num instante, e a carreira da cantora e compositora norte-americana sofreu um ou outro revés, um ou outro momento de menor relevância. Também neste caso há nomes de trabalhos a reter: Abnormally Attracted to Sin (2009), Midwinter Graces (2009) e Night of Hunters (2011). A verdade é que Myra Ellen Amos (é esse o seu verdadeiro nome de batismo) foi perdendo alguma chama, embora continue a gozar de prestígio acima de qualquer suspeita. Ainda há quem veja nela uma segunda Kate Bush (ou, pior ainda, uma imitação da inglesa), ou apenas uma artista que se fez valer dos seus good looks para triunfar no sempre difícil mundo da música e do espetáculo. Mas não nos prendamos com estes e outros disparates sobre Tori Amos. O que importa agora é perceber que está de volta aos discos através de Native Invader, álbum saído este mês e que o Altamont já ouviu para vos poder dizer o que realmente é necessário saber sobre este seu décimo quinto trabalho em nome próprio.

Numa primeira impressão, Native Invader é Tori Amos até à medula do que se ouve. Está lá a voz que tão bem a caracteriza, estão lá as melodias muitas vezes apoiadas no piano (o seu velho companheiro de sempre), também por lá andam sopros de inquietação em certos momentos melódicos e cantados. A maior novidade, se assim quisermos chamar, será o conteúdo político dos versos de alguns dos temas do álbum. Versos anti-Trump, pois claro, embora nem mesmo aqui a novidade seja gritante, sobretudo se pensarmos que muitos outros dos seus colegas de profissão têm alinhado nessa mesma postura combativa e ideológica. No entanto, em Scarlet’s Walk (2002), o seu primeiro disco surgido após o tenebroso 11 de novembro de 2001, já Tori Amos se mostrava atenta em relação ao seu próprio país e ao que nele acontecia. De qualquer das formas, Native Invader é claramente um back to form de alguém que, para nós, nunca a perdeu assim tanto, embora tenha atravessado um ou outro deserto de ideias, sobretudo com a entrada do novo século.

O disco abre com “Reindeer King”, soberbo tema que faz parceria com “Wildwood”, a sétima proposta de Native Invader. São essas as melhores canções das quinze que o álbum nos dá. Mas há outras de qualidade equivalente, como são “Bats” ou “Broken Arrow”. Pelo que conseguimos ler dos seus versos, Tori Amos continua a mostrar possuir uma muito particular visão da existência humana, mas também uma relação com a dor (a sua e a do mundo) bastante idiossincrática. Ouça-se, por exemplo, a ainda não mencionada “Wings” para se perceber o que dizemos, para entendermos a mágoa e os seus periféricos adjacentes. Tudo com a tranquilidade inquietante a que sempre nos habituou. O mundo não é um lugar onde o sol brilha a todo o instante. O mundo não é um lugar onde o sol brilha para todos, e por isso é nas sombras que melhor entendemos a essência de tudo, sobretudo daquilo que somos.

Native Invader é um disco muito conseguido, um trabalho que reabilitará (assim o cremos) uma artista que já nos deu canções como “Silent All These Years”, “Cornflake Girl”, “Mr. Zebra” ou a mais superlativa de todas as que alguma vez compôs “Hey Jupiter”. Por isso, mas também por tantas outras circunstâncias que agora não importa documentar, há que haver respeito por Tori Amos, e Native Invader força-nos a isso.