sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Grandes álbuns do Prog-Rock: Los Jaivas - "Los Jaivas (Aka: El Indio)" (1975)

 

Los Jaiva
s é uma das bandas mais duradouras do cenário musical chileno. É considerado o grupo musical chileno mais importante até hoje. Formou-se em 1963 em Viña del Mar, região de Valparaíso, no Chile. Inovador na forma de fundir Rock e Folk, eles combinaram Rock psicodélico e Rock Progressivo com ritmos folclóricos latino-americanos, especialmente andinos. Estão em atividade até hoje (são mais de 60 anos) e já foram agraciados com muitos prêmios relacionados à cultura, mérito artístico e tradições folclóricas. As origens dos Los Jaivas estão no núcleo familiar formado pelos irmãos Eduardo, Cláudio e Gabriel Parra, em Viña del Mar. Junto com Eduardo "Gato" Alquinta e Mario Mutis (amigos e colegas do ensino médio no colégio Liceo Guillermo Rivera Cotapos), eles começaram a descobrir a música como forma de expressar a sua criatividade e inquietação. Em ago/63, sob o nome de "The High & Bass" (algo como "altos e baixos", uma alusão às diferenças de altura entre eles), fizeram sua primeira apresentação no teatro municipal. O evento acabou sendo desastroso, infelizmente, mas durante os seis anos seguintes, com a formação estável (Eduardo no piano; Cláudio no acordeão; Gabriel na bateria; Mário no baixo e Gato na voz e guitarra), a banda desenvolveu sua proposta musical em festas e confras locais (basicamene "música tropical", isto é, Cha Cha ChaCumbia, boleros, Dance Music em geral). 
Após esses anos de testes e aprendizados (e notável experiência), o grupo passou a questionar fortemente seu trabalho e, influenciado pela então nova cena musical (tanto universitária, quanto a internacional), decidiu modificar seu estilo e passar de meros intérpretes a criadores, dando lugar à plena improvisação e vanguarda. Entre 1970-71, como nome agora "Los Jaivas" (uma mutação de seu nome original "High-Bass", que numa pronúncia em espanhol virou "Jai-bas", mas para evitar o significado dessa palavra, "caranguejos", eles introduziram um erro ortográfico e virou "Los Jaivas"), os concertos do grupo transformaram-se em improvisações absolutas, sem guias ou esquemas preparados e com cada instrumento musical a gerar atmosferas próprias.
A mudança também os levou à introdução de raízes musicais latino-americanas e à exploração de sonoridades de instrumentos ancestrais, combinando estilos aparentemente inconciliáveis. Vários concertos desta época (incluindo os realizados no Festival Internacional de la Canción de Viña del Mar, em jan/70; na "sala de la reforma" da Facultad de Ciencias y Artes Musicales da Universidad de Chile, em mai/70; no Cine Arte de Viña del Mar, em jun/70; no Parque del Instituto Cultural de Las Condes, em mai/70), além de uma trilha-sonora preparada em out/70 para um filme que nunca foi concretizado ("¿Qué Hacer?", de Raúl Ruiz, cineasta chileno), foram gravados (e depois, em 2004, lançados na coleção de discos "La Vorágine").
Nessa época, o grupo também participou do mítico Festival Piedra Roja (também chamado "Festival de Los Dominicos", um festival chileno que, seguindo o êxito do Woodstock, aconteceu na cidade de Las Condes, região de Los Dominicos, nos dias 10-12/out/70) e gravou seu álbum de estreia, homônimo, porém muito chamado como 'El Volantín', por sua capa características (lembrando uma pipa). Lançado em 71, continha improvisações nos moldes das experiências exploradas anteriormente, mas também incluía os primeiros esboços de composições, principalmente em canções como "Foto De Primera Comunión" e "Que O La Tumba Serás". Musicalmente, tratava-se de uma mistura de sons andinos (e quase tribais), muitas percussões e flauta, com muita improvisação, porém ainda não havia Rock Progressivo. Um estilo único no qual cada instrumento gerava atmosferas/timbres que reunidos produziam uma música folclórica altamente improvisada (sem nenhuma estrutura escrita, sem letras ou melodias definidas). Na verdade, apesar de ser o primeiro álbum deles, registrou uma transição capturando Los Jaivas saindo de sua era de ritmos Folk totalmente improvisados e percussão andina para o que viria a seguir (quando adicionariam o mundo da psicodelia, do Rock e do Prog). É repleto de belas melodias com dezenas de instrumentos étnicos. A improvisação não significava abstração, mas sim pedaços melódicos que eram repetidos ("grooves" étnicos) para que os vários instrumentos pudessem improvisar em torno deles (incluindo frenesis selvagens). Tudo muito primitivo, sincopado, criativo e viajante! Em abr/72, o grupo lançou o single "Todos Juntos / Ayer Cache", que o catapulta à fama em todo o Chile (lembrando que Salvador Allende havia sido eleito em 1970 e desenvolvia uma política econômica que fez o país entrar numa crise financeira com hiperinflação, que levaria a confrontos violentos nas ruas e finalmente a um golpe militar chefiado por Augusto Pinochet, comandante-chefe do Exército, em 1973, iniciando um período de ditadura). Os Jaivas não participaram desses agitados momentos históricos. "Todos Juntos" tinha letras que clamavam pela unidade e paz, apoiada numa combinação de ritmos latino-americanos com instrumentos tradicionais do Rock.
Los Jaivas em 1972: Mario, Gabriel, Eduardo (sentado), Claudio e Gato
A fama da banda aumentou em set/72 com o lançamento de outro single, "Mira Niñita / Cuero y Piel", cujo lado A também se tornou um clássico da música popular chilena. Com o lançamento de seu segundo álbum autointitulado no início de 1973 (conhecido pela capa como 'La Ventana', ou 'a janela' em português, e reeditado sob o título 'Todos Juntos' em vários países da América Latina), que incorporava os dois lados A dos singles de 1972, além de um lado repleto de canções totalmente improvisadas, o sucesso do grupo é ainda maior, numa época caracterizada pelo idealismo da ideologia Hippie. O álbum era quase 100% música Folk acústica com leves toques de instrumentos elétricos. Extravagantes interlúdios de percussão, temas hipnóticos de sonoridade oriental, violino e guitarras vibrantes, muito ritmo. Espécie de "Santana acústico", às vezes impressionante, repleto de aventuras musicais. Esqueça sofisticações Prog-Rock, mas este álbum é considerado o mais importante desta fase pela fusão inicial do Rock Psicodélico com a genuína música andina. Intrigante, poético, lírico, verdadeiro, espiritualmente carregado, um trabalho inesquecível para o povo chileno.  Los Jaivas passam a ser vistos no Chile como um símbolo dos tempos e seu prestígio/popularidade só aumentam graças à participação em numerosos concertos incluindo o recital "Los caminhos", em fev/73, e outro em ago/73, em Viña del Mar, em que apresentam as suas primeiras abordagens com música sinfônica. Ainda em 73, o diretor de cinema Raúl Ruiz os convidou para criar a trilha sonora de outro de seus filmes, "Palomita Blanca", que só veria a luz do dia dezenove anos depois.
O golpe de estado liderado por Pinochet em 11/set/73 fez com que o grupo decidisse se mudar para morar numa comunidade na cidade de Zárate, na Argentina. Estabelecidos lá e em aliança com o músico brasileiro Manduka, em 1974 eles gravaram uma série de canções nos estúdios Odeón (de Buenos Aires), que em 1979 seriam lançadas pelo selo Movieplay na Espanha, dentro do álbum "Los Sueños de América" (um trabalho cheio de composições formais e improvisações espontâneas entre os músicos). Em set/74, Mario Mutis decide retornar ao Chile, por motivos pessoais, e se ausenta da banda até nov/74, período em que foi brevemente substituído por Freddy Anrique, músico que já havia ajudado a banda nas gravações de "Palomita Blanca", no ano anterior. Mario voltou no final de nov/74, mas em mai/75, após um breve retorno do Los Jaivas ao Chile, ele resolve permanecer no país, sendo substituído no baixo por Julio Anderson. Com este baixista, o grupo gravaria outro álbum autointitulado e conhecido como "El Indio", lançado em dez/75. O álbum, que se tornou um sucesso na Argentina, contém entre outras a canção "Pregón Para Iluminarse" (mais de 5 minutos), a lenta "La Conquistada" (mais de 7 minutos) e a extensa elaboração musical "Tarka y Ocarina" (mais de 13 minutos) que se tornaria um ponto-chave nos shows do grupo. Foi este álbum que acabou por definir a identidade musical do Los Jaivas, em termos da fusão de sonoridades tradicionais latino-americanas com outras provenientes do Rock Progressivo, como a guitarra eléctrica, o órgão e a bateria, e ainda elementos da música erudita. Enquanto os dois primeiros álbums tinham música folclórica cheia de charme e personalidade (porém, já deixando claro o interesse em expandir possibilidades musicais), aqui em "El Indio", os Jaivas assimilaram o Prog e passaram a usá-lo como uma estratégia para realizar sua visão artística. Foi o "ponto de virada". O Prog passa a ser a estrutura principal. Sim, permanecem as flautas, percussões, o Folk e tal, mas isto tudo cede espaço ao fogo do Prog-Rock. Órgão distorcido, piano de orientação erudita, passagens Jazz Fusion, eletricidade e intensidade, jams com partes Hard Rock e guitarras na linha de frente, seção rítmica surpreendente (reunindo tanto a magia do antigo folclore, quanto Jazz e Rock). Música complexa, de identidade própria e alma local, múltiplos instrumentos (espécie de orgia de percussões), passagens longas, excelentes composições Prog Folk, musicalidade soberba e apaixonante. Este álbum é reconhecido como essencial no contexto do Prog sulamericano. 

P.S.: Los Jaivas seguiram enriquecendo sua sonoridade. "Canción del Sur", de 77, o álbum seguinte, também é muito elogiado. No final de 77, a banda resolve se mudar para a Europa e se estabelece em Paris. Tocam em teatros, em clubes na Holanda, em festivais ao ar livre, viajam pela Bélgica, Alemanha, Espanha e Itália. Em 79, fazem uma turnê pela Inglaterra. Gabriel Parra é eleito um dos melhores bateristas do mundo. Gravam "Alturas de Machu Picchu", de 81, e "Obras De Violeta Parra", de 84, dois de seus álbuns mais elogiados, incorporando mais elementos Prog, tornando seu som cada vez mais único. Entre retornos ao Chile, turnês europeias, mudanças na formação, idas e vindas, a banda está aí até hoje.



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