Resenha
Exotic Creatures and a Stolen Dream
Álbum de Sunchild
2023
CD/LP
Sinceramente? Se eu falar que que me considero um dos maiores fãs no mundo do multi-instrumentista ucraniano Antony Kalugin, não acho que estaria sendo exagerado, até porque eu o acho bastante subestimado dentro de tudo aquilo que ele contribui para o rock progressivo contemporâneo e o número de pessoas que o valorizam como de fato merece acaba sendo pequena. Quando penso no nome de Antony Kalugin, estou pensando em um dos músicos mais dedicados de toda a história do rock progressivo. Por não ser um músico de muitas apresentações ao vivo – embora agora, morando na Polônia devido a guerra na Ucrania e, com isso, tendo uma facilidade maior para fazer shows, isso tem mudado -, costuma ficar “apenas” imersivo na sua capacidade de compor para aquecer seu coração musicalmente, algo que ele faz brilhantemente e de forma extremamente prolífica, lançado pelo menos um disco todos os anos, seja carreira solo, com a Karfagen ou com a Sunchild.
Exotic Creatures and a Stolen Dream é uma experiência e tanto, um álbum que soa coeso do início ao fim por meio dos seus dois épicos. Como é de se esperar, o som é bastante melódico e sinfônico, mas com espaço de sobra para incursões de sonoridade mais pesada. No geral, um ouvido não tão familiarizado com o universo musical do multi-instrumentista pode achar que seus projetos têm a mesma sonoridade ou são ao menos muito parecidos, só mudando o nome, bom, às vezes parecem mesmo e acho até que esse disco poderia ser da Karfagen se pegarmos a música apresentada nos últimos álbuns da banda, porém, aos mais acostumados é possível perceber que, quando ouvimos a Sunchild, ouvimos uma música de paisagem sonora mais sinfônicas e moderna do que a encontrada na Karfagen.
“Life Lines”, dividido em sete partes e com mais de 26 minutos de duração, é o primeiro épico do disco. Vale ressaltar, que todas as vezes que a banda tentou fazer algo ousado e ambicioso, ultrapassando a barreira dos 20 minutos de música, sempre produziu verdadeiras joias do rock progressivo – Under The Wrap, Sleepwalker e Victory Voyager que o digam - sendo que dessa vez, não foi diferente. Já começa categoricamente sinfônica, causando uma sensação de grandeza no ouvinte. Interessante perceber o quão estão presentes os vocais de Kalugin, não só aqui, mas durante todo o disco. Como já podemos esperar de uma música dessa magnitude, há de tudo um pouco do que um épico tem a oferecer, várias nuances, mudanças de humores e andamentos, variação entre momentos de tempestade e bonança, uma grande pluralidade de teclas, uma guitarra que entrega belos solos, belas linhas e de timbre maravilhoso e uma seção rítmica bastante sólida, seja pelas ideias criativas de bateria ou pelas ótimas linhas de baixo, além de possuir até mesmo uma passagem de acordeão. Os vocais de Kalugin, às vezes é acompanhado pela voz feminina de apoio de Maria Panasenko que também ajuda a engrandecer a faixa. “Life Lines” é daquelas peças que por meio de cada uma de suas brilhantes passagens, atingem o ouvinte de uma maneira tão certeira que é difícil não se arrepiar. Sem dúvida, uma das composições mais formidáveis de Kalugin em toda a sua carreira. Como única “reclamação”, se você já leu o que escrevi sobre a música, “First Contact”, da Karfagen e que abre o álbum, Messages From Afar - First Contact, vai lembrar que comentei sobre os vocais parecer os de “Learning do Fly” do Pink Floyd, pois bem, aqui novamente Antony em alguns pontos canta de uma maneira que lembra a faixa floydiana. Mas algo tão pequeno dentro de uma música tão grandiosa não pode tirar o seu status de obra-prima.
“Northern Skies”, com os seus pouco mais de 14 minutos e dividida em 4 partes é o segundo épico do disco. Carrega com ela o clima encontrado na Ucrânia a mais de um ano, logo, espere uma música de clima mais taciturno e tristonho que a anterior. Assim que começa, pensei que fosse ouvir uma versão de “On the Turning Away” do Pink Floyd, mas essa impressão durou menos de 5 segundos. Piano e algumas pinceladas de cordas sob uma interpretação vocal melancólica de Kalugin inicia a peça. Os vocais masculino e feminino dobrados aqui ainda são mais lindos que na faixa anterior. Inclusive, Maria Panasenko também canta de forma solo de forma sublime em momentos pontuais. Novamente, ótimas linhas de guitarra por toda a música e um belíssimo solo na primeira parte – por volta dos 3 minutos -, sintetizadores, além de teclados e piano que trazem uma ambientação sinfônica são os destaques da faixa. Baixo e bateria, ainda que tímidos, são sempre bastante consistentes. Devo elogiar algo pouco lembrado nos discos de qualquer projeto de Antony Kalugin, ou seja, os vocais, pois ele nunca foi de cantar tanto como aqui, parece que mais do que compor suas músicas, ele precisava desabafar, inclusive, conseguiu cumprir seu objetivo muito bem, pois as partes cantadas estão bem expressivas. Os refrãos são lindos e cada vez que aparecem soam com mais sentimento.
Antes das considerações finais, essa resenha foi feita sem a inclusão das 4 faixas bônus, pois elas acabam não agregando em nada no disco. Exotic Creatures and a Stolen Dream é um disco de rock progressivo que, instrumentalmente apresenta dois épicos do mais alto nível, pois essa é a alma da música produzida por Kalugin, mas que dessa vez vai além, entregando também, um trabalho rico liricamente.