quinta-feira, 1 de junho de 2023

Discografias Comentadas: Cactus

 

Discografias Comentadas: Cactus

Na alvorada da década de 70, o Led Zeppelin já tinha virado a América do avesso, fazendo duas tours no ano de 1969 e deixando os Beatles na poeira. Mas o berço do rock n’ roll não poderia deixar uma nova invasão britânica ficar sem resposta. O Cactus, assim como o Led Zeppelin, não foi o tipo de banda formada por amigos de escola – foi algo projetado para ser grande, pesado e volumoso, contando com a cozinha do Vanilla Fudge (Tim Bogert, baixo, e Carmine Appice, bateria) a guitarra do Mitch Ryder’s Detroit Wheels (Jim McCarty) e o vocal dos Amboy Dukes (Rusty Day). Essas três bandas tinham diferentes graus de sucesso e reconhecimento nos EUA, mas o ponto é que os quatros músicos já tinham estrada e enxergavam claramente o quanto a fórmula do Led Zeppelin funcionava junto ao público jovem. As semelhanças com o Led Zeppelin não ficam apenas no aspecto musical e na maneira como a banda se reuniu – o agrupamento logo foi acolhido pela Atlantic Records (mesmo selo do Led Zeppelin), outra instância que entendia o quanto aquele tipo de música era necessário naquela época. Infelizmente, o sucesso do Cactus foi bem mais modesto que o do Led Zeppelin, uma trajetória bem mais curta e com menos discos. Vamos tratar deles nesse texto. A importância da banda foi gigantesca para a consolidação do hard rock/blues-rock, e seus discos são reverenciados continuamente ao longo das décadas.


Cactus [1970]

A própria Atlantic Records, em sua campanha de marketing, tratava o Cactus como o Led Zeppelin norte-americano. Alguns fãs exaltados acham a comparação descabida, inclusive achando que o Cactus supera o Zeppelin (!). Não se trata de fomentarmos a competição entre duas excelentes bandas. Entendendo a questão de forma fria, trata-se de dois quartetos com a mesma formação, com sonoridade relativa similar (com uso de guitarras Gibson e a presença eventual da gaita tocada pelo vocalista) usando uma abordagem bastante parecida a partir dos riffs e melodias oriundas do blues norte-americano, bateria fortíssima, guitarra no talo e vocais agudos. A própria produção do disco, lançado em julho de 1970, também traz semelhança ao que Led Zeppelin fez nos dois primeiros discos, com os instrumentos chegando perto de uma saturação de volume e muito peso impresso na cozinha com, eventualmente, várias camadas de guitarra saltando das caixas de som. O Cactus, porém, se soltava um pouco mais no estúdio e deixava o virtuosismo fluir – Tim Boggert, por exemplo, abusa dos improvisos (ao contrário da frequente discrição e precisão de John Paul Jones), Carmine Appice também não deixava por menos e Jim McCarty pisava fundo na distorção quase sempre, não tão dinâmico no conceito “luz e sombras” quanto Jimmy Page. Tratando sobre o repertório é difícil destacar algo em particular, porque é o tipo de disco que é certeiro, mantém o nível de energia no alto o tempo todo – gostou da primeira, vai gostar do disco todo! Há duas adaptações blueseiras no disco – “Parchment Farm” e “You Can’t Judge a Book by the Cover”. Assim como no caso da estreia do Led Zeppelin (que também tem duas versões em seu disco de estreia) podemos dizer que essas nunca foram superadas dentro dos territórios rockeiros. Os 4 músicos tem performances fantásticas – Tim Boggert bota a casa abaixo em “Oleo” e Carmine Appice faz o mesmo em “Feel So Good” – e o disco é essencial para quem gosta de rock pesado dos anos 70.


One Way or Another… [1971]

O álbum de estreia havia tido um sucesso mediano nos EUA (54ª posição na parada de álbuns da Billboard) e, pairava no ar a necessidade de superar a marca anterior. One Way or Another tenta captar um pouco da necessidade de ir mais direto ao ponto, deixando as firulas instrumentais e os improvisos para os palcos. A identidade criada no álbum de estreia, porém estava intacta – o blues-rock eletrificado às últimas consequências e tocado com mão de ferro. O disco, gravado no Electric Lady Studios em NY e lançado em fevereiro de 1971, abre com outra versão arrasadora (“Long Tall Sally”) e traz na sequência uma faixa com cara de hit, “Rockout Whatever You Feel Like”, um boogie-rock curto cantado por Tim Boggert. As faixas tem um swing certeiro e mostram Jim McCarty usando mais o violão. McCarty, aliás, tem grande destaque nesse disco, seja pela variedade maior de timbres e pelas passagens pra lá de inspiradas, como a beleza de “Song for Aries” a acidez lisérgica de “Hometown Burst” ou o riff infalível da faixa título do álbum. Apesar de ser um disco que acena para um público mais amplo de rock (tem faixas não tão pesadas e mais swingadas), não foi possível uma grande veiculação nas rádios. Apenas um single foi lançado na época (“Long Tall Sally / Big Mama Boogie”) sem uma repercussão forte; as tours e as plateias continuaram mais ou menos do mesmo tamanho (relativamente grandes, mas nada comparado as do Led Zeppelin, ou mesmo as do Grand Funk Railroad). Essa é uma infeliz constatação, pois trata-se de outro petardo rockeiro do período.


Restrictions [1971]

Restrictions foi o tiro de misericórdia junto a Atlantic (os discos estavam saindo pela sua subsidiária Atco.). Lançado no fim de 1971, ele dá seguimento as tentativas do álbum anterior. O disco segura um pouco a mão no peso, mas conserva as digitais do Cactus 100% do tempo. A elegância instrumental do quarteto e sua energia na execução do blues é impressionante. “Token Chokin” tem um groove que lembra um pouco o Humble Pie da fase Peter Frampton; já a faixa seguinte, “Guiltless Guilder” tem uma longa sessão instrumental onde o quarteto deita e rola. Novamente, versões pesadíssimas dão as caras e uma delas é o principal destaque do disco – “Evil”, de Howlin’ Wolf, que surpreende pela garra com que é executada e pelas viradas incríveis de Carmine Appice. Não dá pra dizer que o gás da banda estivesse acabando, mas fica uma certa impressão de que se a banda não tinha feito sucesso até ali com todo esse material, dificilmente faria se continuasse na mesma direção. Restrictions tem um repertório consistente e honroso, ainda que careça de momentos mais marcantes como nos dois discos anteriores. O disco teve um desempenho fraco em vendas (154ª posição na parada da Billboard) e o contrato com a Atlantic não foi renovado.


‘Ot’N’ Sweaty [1972]

Apesar de ser um bom disco, ‘Ot’N’ Sweaty tem gosto de comida requintada. A formação da banda tinha mudado bastante – Jim McCarty havia se mandado e Rusty Day foi despedido por Appice-Boggert. Nisso, a banda se transformou em um quinteto, com o guitarrista alemão Werner Fritzschings, o tecladista Duane Hitchings (que também tinha sido membro do Buddy Miles Express, assim como Jim McCarty) e o vocalista inglês Peter French (ex-Leaf Hound e ex-Atomic Rooster). O disco abre com faixas registradas ao vivo no festival Mar y Sol, ocorrido em Porto Rico, no início de 72. O grupo já vinha praticando um boogie-rock/rock n’ roll mais básico, mantendo o peso e a velocidade; Fritzchings apesar de esforçado, ficava devendo a McCarty em habilidade e Peter French já tinha provado ser um bom vocalista em seus trabalhos pregressos, mas nas faixas ao vivo sua voz não estava 100%. Nas faixas de estúdio, como “Bad Stuff” e “Bedroom Mazurka” ele se sai bem melhor, sendo as faixas de maior destaque no lado estúdio do álbum, com boa performance de Hitchings aos teclados e a habitual competência de Appice & Boggert em seus respectivos instrumentos. A balada do disco, “Bringing me Down”, passa um pouco batida e “Telling You” tem um ar um tanto dramático, até então não experimentado pela banda. A qualidade da gravação oscila ao longo do álbum, o que dá ainda mais pinta de ser uma colcha de retalhos e não um álbum realmente bem concebido em conjunto. Appice & Boggert já estavam nessa época se encontrando frequentemente com Jeff Beck para retomar a parceria que havia ficado na gaveta em 1970. No fim de 1972, eles se mandam em definitivo do Cactus para formar o BBA. Hitchings ainda tentou manter a banda, mas acabou indo para uma nova formação batizada infamemente como “New Cactus Band” (que do Cactus só tinha ele mesmo).


V [2006]

Bogert, Appice & McCarty reativaram o Cactus para o novo milênio. A despeito da formação diferenciada, não dá para dizer que o Cactus tenha perdido sua essência – o blues-rock pesado e cheio de groove está presente em todas as faixas desse retorno aos estúdios. Jimmy Kunes, vocalista que fez parte de uma das muitas formações do Savoy Brown, é quem assume os microfones e faz bem seu ofício. Os três outros músicos estão em boa forma e o repertório é muito respeitável; o único porém é que, enquanto nos anos 70, a produção de seus discos os colocavam em uma posição de destaque no cenário pesado, nesse caso a produção é um bocado genérica e nivela o Cactus a dezenas de outros grupos de blues-rock contemporâneos. A postura de Carmine Appice e de Tim Boggert são mais centradas e econômicas; McCarty, por outro lado, é que deixa mais nítido o mesmo ímpeto de sua juventude na guitarra, destilando timbres incríveis em todo o álbum. Seu solo, por exemplo, em “High in the City” é avassalador, na sequência de um também magistral solo de gaita conduzido por Randy Pratt. V é um bom disco, e uma honrosa continuação do legado sonoro do Cactus.


Black Dawn [2016]

Tim Boggert deixou de trabalhar com o Cactus em 2008. Os remanescentes (Appice, McCarty e Kunes) seguiram com Pete Bremy no baixo e incorporam também o gaitista Randy Pratt, se consolidando com um quinteto. Black Dawn já é um disco mais pesado e mais distorcido que o anterior. Os licks de blues estão menos explícitos mas a rifferama come solta, como esperado. O disco é bastante homogêneo e se mantém em um bom nível. Porém, também faltam destaques a citar. A guitarra de McCarty é especialmente boa de se ouvir em “Headed for a Fall” e Appice brilha na faixa seguinte “You Need Love” (que lembra bastante o BBA. O disco traz ainda duas faixas inéditas dos anos 70, resgatando um pouco do que parece ser o processo de arranjo (uma quebradeira dos diabos!) de “One Way or Another”, com o nome de “Another Way or Another” e um blues improvisado, batizado de C70 Blues. A banda anuncia em seu site um novo disco para 2020, com a mesma formação de Black Dawn, mas que ainda não se encontra disponível (provavelmente postergado por causa da COVID-19).


Fully Unleashed: The Live Gigs Volume 1 and 2 [2004/2007]

Tratam-se de dois CDs duplos de enorme valor histórico, que trazem o Cactus ao vivo em diversas ocasiões no início dos anos 70. Um show completo em Memphis em 1971, trechos da participação pouco comentada deles na terceira e épica edição do Festival da Ilha de Wight 1970, shows em Nova York, dentre outros. A banda era realmente espetacular ao vivo e sabia alternar bem entre os momentos de loucura e a boa hora de manter a coisa nos trilhos. Alguns aspectos interessantes surgem ao ouvirmos o material – a banda não alterava muito a velocidade das canções ao tocar ao vivo (um fato frequente e muitas vezes incômodo em muitas performances), Rusty Day tinha muita precisão nos vocais e improvisava bem quando necessário, Appice e Boggert tinham uma interação fantástica na cozinha e não eram aclamados a toa e há em alguns momentos um guitarrista de apoio (Ron Leejack) tocando junto com Jim McCarty, com um resultado deveras interessante. Imperdível!

Discografias Comentadas: Som Imaginário

 

Discografias Comentadas: Som Imaginário

No próximo dia 12 de dezembro, um dos maiores nomes da música nacional completa 75 anos. Trata-se do pianista Wagner Tiso. Sendo assim, nada mais justo do que apresentar para vocês a sensacional criação de Tiso, o Som Imaginário.

Voltando no tempo, lá quando o fim dos anos de 1960 conheceu a emergência da chamada MPB como veio principal, ordenado e canônico da música que se produziu no Brasil a partir da bossa-nova e que, esgotado no fim dos anos 70, se transformou nesse zumbi malcheiroso que ainda hoje vemos vagando por aí, nos atazanando os ouvidos e manchando o passado glorioso dos fundadores.

Mas dentro desta nascente MPB se gestava já, não digo seu oposto absoluto, mas um riozinho marginal que ora misturava suas águas ao mainstream, ora dele se afastava em direção ao experimento; ora se encostava em certos aspectos do tropicalismo, ora juntava voz com o iê-iê-iê. Uma vertente relevante e original deste carro musical que oscilava de um lado para outro da rodovia foi o grupo mineiro que chegava ao eixo Rio-São Paulo por meio da voz alienígena de Milton Nascimento, fantasmagórica em meio à gritaria dos festivais.

O que nem todo mundo reparou na época foi no som que vinha do fundo do palco (é bom lembrar que falamos de um tempo em que a execução instrumental não era mais do que acompanhamento do crooner) e que, fundado no lado instrumental da bossa nova (o lado jazz da coisa, digamos), se deixava levar pela liberdade sonora promovida pelo rock’n’roll, que se ouvia vindo de fora. Por trás da notável voz de Milton, soava a síntese de um largo número de músicos de grande talento e que estavam, até então, escondidos nos bares e pequenos teatros das Gerais.

Bastidores do show “Milton Nascimento, ah, e o Som Imaginário!”

É desse caldo de cultura que emergem as diferentes formações da rápida trajetória do Som Imaginário, que durou meros três e heterogêneos discos mas que se mantiveram como experiência indelével na música brasileira e, se falarmos mais livremente, no rock nacional. O Som Imaginário foi cultivado no ancestral W Boys, de onde procediam tanto Milton quanto Wagner Tiso, uma das forças criativas  iniciais da banda. Depois de algum tempo de luta na noite carioca, atraíram o baterista Robertinho Silva e o baixista Luiz Alves, que seriam o núcleo da banda que acompanharia Milton.

A estreia já indicava uma mudança sem precedentes no próprio som de Milton Nascimento que foi mal qualificado pela imprensa da época como adesão do cantor mineiro ao tropicalismo (embora a influência seja inegável). Era o show “Milton Nascimento, ah, e o Som Imaginário”, exibido no Teatro Opinião e, depois, no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro, seguindo depois para São Paulo. No espetáculo sobravam eletricidade, decibéis e virtuosidade. O título já indicava uma mudança de ponto de vista ao lembrar “…ah, e o Som Imaginário”. Sem se descolar de Milton, o Som alçou carreira própria. Assinou com a Odeon (representante da EMI, era a gravadora do Beatles no Brasil) e gravou três discos muito diferentes um do outro, mas que passaram a caracterizar a sonoridade do grupo.


1970 2Som Imaginário [1970]

Em 70, sai Som Imaginário. Ao lado dos primeiros discos de Gal Costa, de Jards Macalé, dos Brasões, dos 3 espetaculares primeiros LPs dos Mutantes, entre poucos outros, o disco era um verdadeiro ET no mercado e, como tal, vendeu pouco para os padrões das multinacionais e virou, assim como os discos seguintes, objeto de culto de rodinhas de roqueiros. Mas, tirante este aspecto legendário, Som Imaginário é um dos melhores discos de estreia de uma banda no Brasil. Neste primeiro LP, a formação contava com Wagner Tiso (piano e órgão), Tavito (violão), Luiz Alves (baixo), Robertinho Silva (bateria), Frederyko (guitarra) e Zé Rodrix (órgão, percussão voz e flautas), mas outros músicos participaram da gravação, como Naná Vasconcelos e Marco 1970Antônio Araújo. Os principais compositores no LP são Zé Rodrix e Frederyko, mas o espírito anárquico e bem humorado da obra dão a impressão de que Rodrix é a força dominante no disco, talvez porque seja sua voz que se ouve na maior parte das faixas. Coisas como “Nepal“, uma espécie de Pasárgada psicodélica, e “Poison” remetem à descontração pastoral hippie. O bom humor é compensado, por outro lado, com certa dose de virtuosismo e dramaticidade, de faixas como “Pantera”, “Feira Moderna” (depois, um hit na voz de Beto Guedes) e, sobretudo, “Tema dos Deuses” (originalmente, canção tema de Os Deuses e os Mortos, filme de Ruy Guerra), de Milton Nascimento, uma tour de force progressiva, onde a batalha entre a instrumentação eletrizante e a voz do cantor marcam o disco como um emblema. O disco abre com “Morse”, um tema instrumental abertamente rock movido a órgão e guitarra, enquanto “Super God” brinca com filtros de voz. Já “Make Believe Waltz” traz uma levada hard que emenda com um blues cantado em inglês. “Sábado” é uma balada que antecipa as características do pop mineiro que seria codificado em Clube da Esquina. “Hey Man” joga com as mesquinharias do cotidiano sobre um base carregada de peso que prepara o tema de encerramento do disco, “Poison”, que traz a contribuição de Marco Antônio Araújo.

Logo depois do lançamento de Som Imaginário, ainda em 1970, a banda toca emMilton, disco clássico do cantor que poderia muito bem ter tido o título acrescentado daquele “ah, e o Som Imaginário”, tal é a contribuição que deram ao LP. Mas seria um exagero incluir esta gravação na discografia do grupo. Em 1971, voltam a fazer história, acompanhando Gal Costa, sob a direção musical de Lanny Gordin, no lendário show Fa-Tal – Gal a Todo Vapor que rendeu um álbum ao vivo (Fa-Tal – Gal a Todo Vapor) igualmente envolto em lendas.


1971Som Imaginário [1971]

Esse álbum indica um giro mais radical ao rock progressivo, o que deve ter a ver com a saída de Zé Rodrix que, músico brilhante e inspirado, era mais afeito ao um rock de sabor mais pop. Melhor para os ouvintes que puderam ficar com o Som Imaginário e ainda poder ouvir a nova empreitada de Zé no igualmente brilhante (e igualmente fugaz) Sá, Rodrix e Guarabyra. O disco, como o primeiro, é obrigatório. Abre com um rock datado mas ainda delicioso, “Cenouras”, com as costumeiras referências, 1971 2cifradas ma non tropo, às drogas. “Você Tem Que Saber” é uma toada eletrificada bem mineira, movida a guitarra base com wah-wah. “Gogó (O Alívio Rococó)” traz um free rock, cheio de efeitos e experimentações, e uma letra típica do psicodelismo da época, meio ingênua mas cativante. “Ascenso” aprofunda o clima progressivo para uma lindíssima melodia sombria muito ao gosto de certas faixas de Milton Nascimento. “Salvação Pela Macrobiótica” é um exercício, a um só tempo, de virtuose instrumental e bom-humor, brincando com a mania riponga de naturalismo. “Uê”, com letra de Márcio Borges, também crava a marca musical do pop mineiro setentista, enquanto “Xmas Blues” é o que diz o título, um blues tocado espetacularmente para escrachar as festas natalinas. “A Nova Estrela” fecha o disco com nova empreitada progressiva onde brilha intensamente a condução de Wagner Tiso ao órgão, num diálogo com a guitarra límpida de Frederyko, num tema longo, com várias seções, que preparava o que seria o ápice da banda, o disco seguinte, Matança do Porco.


som-imaginario-matanca-do-porco1Matança do Porco [1972]

Consolidado como superbanda, chamado para mil e uma gravações, programas de TV e vários festivais que se multiplicaram na época, o Som Imaginário prepara seu terceiro e último disco, Matança do Porco, já sob a direção total de Wagner Tiso que compôs todos os temas. O disco totalmente instrumental investe tanto na sonoridade progressiva, quanto no instrumental brasileiro baseado no choro e na valsa. Com efeito, o disco é uma peça inteiriça com variações em torno de um único tema, “Armina” (a exceção é exatamente a faixa título), um choro que, ao longo do disco, evolui em diferentes direções, da delicadeza pianística ao peso progressivo, com solos de guitarra rascantes, tudo por cima da pesadíssima condução do genial Robertinho Silva à bateria e do baixo sólido de Luís Alves. Ouvir Matança do Porco é uma experiência delirante e minuciosa, onde cada solução melódica, harmônica ou rítmica conduz a novas paisagens musicais, sempre refeitas a cada audição. Com um som-imag-matanca-2formação enxuta, Tiso, Luís Alves, Tavito e Robertinho, o Som Imaginário detona o que talvez seja o melhor disco brasileiro catalogável como progressivo. Introduzido ao tema gerador do disco, “Armina“, o ouvinte é levado a uma variação jazzística, “A3″, para, em seguida, voltar ao tema principal, agora em versão pontuada por cordas e flautas. A doçura de “A3″ prepara a cama para o progressivo à Focus, mas com sabor mineiro, que é “A nº 2“. Diferente dos filmes de suspense, o ponto de maior tensão vem no meio do disco, e não no final, com a faixa título, uma longa suíte inapelavelmente progressiva, mas sem um pingo de imitação dos modelos estrangeiros, onde pontificam o órgão de Wagner, a guitarra envenenada de Tavito e a voz de Milton Nascimento. O tema também provém da trilha de Os deuses e os Mortos, e foi rearranjado para este álbum. Depois da alta tensão de “Matança do Porco“, Wagner nos dá uma versão light jazz, embora curtíssima, de “Armina”, mas que nos permite respirar por um momento, e emenda uma toada mineiríssima, porém pianística, “Bolero”. Antes de terminar com mais uma vinheta em torno de “Armina”, Wagner nos indica suas próxima paragens, com um tema bossa-nova/jazz que define bem o que a gente passaria a chamar de instrumental brasileiro, já bem longe do rock e do progressivo. Nem por isso somos privados de novo solo de guitarra magistral de Tavito.

Em 1974, sai Milagre dos Peixes – ao vivo, creditado a Milton Nascimento e Som Imaginário. Disco excepcional, chama a atenção a abertura com a suíte “Matança do Porco” que se liga a uma tema orquestral baseado no mesmo tema, intitulado “Xá Mate”. Antes de Milton abrir a boca em Bodas, a segunda faixa, o disco já era um clássico.

Som Imaginário em 2012

Nessa década, Tiso reuniu a formação de Matança do Porco para algumas apresentações, como no 1º Festival de Arte de Brasília e na última Virada Cultural de São Paulo, mas nada de inédito foi lançado ainda. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.


Sérgio Godinho – Pano-cru (1978)


 

Pano Cru é um disco de charneira que faz a ponte entre o Sérgio Godinho político e o criador de êxitos imortais.

Em 1977, Sérgio Godinho tinha chegado ao fim do contrato com a Sassetti/Guilda da Música, sua editora anterior, e era altura de mudar de ares. Na Sassetti, a comissão de trabalhadores havia tomado conta da gestão, mas não revelava grande talento para isso. Mais, Godinho sentiu que estavam a ser impostos alguns mecanismos de controlo sobre o trabalho dos artistas e, gravados os seus primeiros quatro discos, foi em busca de nova casa, para gravar Pano-cru.

Essa casa foi a Arnaldo Trindade/Orfeu, onde estavam nomes como José AfonsoFausto ou Vitorino. Opção de que, mais tarde, Godinho se viria a arrepender. Mas já lá vamos. Primeiro, siga a música.

Pano-cru (editado no ano em que nasceu o autor destas linhas) é um passo em frente face ao que Godinho vinha fazendo até aí. O próprio músico admite que havia algum esgotamento no anterior De Pequenino se Torce o Destino, apesar de ser um disco que continua bem vivo e marcante no seu percurso e junto dos fãs. Seja a simples passagem do tempo ou a mudança de ares, Pano-cru revela um Godinho menos panfletário e político e aprofundando o seu registo de amor e de retratos do quotidiano, que viria a render-lhe alguns dos maiores êxitos da sua carreira.

É a casa de grandes clássicos, começando pelo slogan da ritmada “A vida é feita de pequenos nadas”, que abre o disco. Segue-se a emotiva balada de “O primeiro dia”, e temos só nestes dois primeiros temas pano para mangas, e lições que serviram de banda sonora a tantas e tantas vidas nas últimas décadas. “Balada da Rita”, que mais tarde seria aproveitada para o filme Kilas, o mau da fita, é um daqueles espantosos retratos humanos que nos faz crer que conhecemos de perto a sua protagonista. A faixa-título fecha o disco com uma duração inferior a dois minutos, e é um simples mas poderoso manifesto pessoal: “ouve, meu amigo/põe a máquina a gravar/ queria só explicar aqui/que eu sou como o pano-cru/ como o pano-cru eu ainda estou por acabar/e como o linho veio da terra/assim viemos eu e tu”. O homem e um povo em permanente construção.

Não podemos deixar de salientar também a lindíssima “2º Andar, Direito”, talvez a mais longa canção gravada por Sérgio Godinho. É um vívido retrato da vida de um jovem casal que já viveu melhores dias, cantado (sabemos só no final da canção) por um vizinho solitário que serve de narrador e assim preenche o vazio da sua própria vida. Lindo, terno e arrepiante.

A política e a crítica social não estão ausentes, naturalmente. “Venho aqui falar” atira-se aos recuos do caminho rumo ao socialismo, enquanto “Lá isso é” vai deixando alertas sobre as derivas que iam diluindo os sonhos de outrora, assente numa cama musical que nos atira para a música popular portuguesa, ao som da concertina e de adufes. “O homem fantasma” pertence à mesma “família”, mas servida por arranjos fora do comum, com sopros e uns ferrinhos maníacos, com cheiro a marcha popular.

Sobram temas que não são menores, como “O galo é o dono dos ovos”, exercício curiosíssimo em que o refrão é cacarejado e com uma letra cheia de metáforas bem trabalhadas; e “Feiticeira”, uma música de amor que conjuga um swing africano “a la Zeca” com uma guitarra espanhola, numa ponte entre a Península Ibérica e África.

Duas notas finais: a bonita capa, algo que não é necessariamente o ponto forte da longa discografia do músico portuense; e a qualidade do som, muito elevado tanto em temas mais despidos como naqueles mais cheios de detalhes.

O dissabor com a escolha da editora teve a ver com o contrato assinado então. Em troca de uma avença, um valor fixo por mês (um alívio, depois de tanta instabilidade, imaginamos), Godinho entregou os direitos de Pano-cru e do disco seguinte, Campolide, à Arnaldo Trindade. A editora teve mais tarde problemas, os direitos passaram para a Rádio Triunfo, depois para a Movieplay. No meio desta confusão, estes dois álbuns foram os últimos a serem editados em CD (e numa edição pouco cuidada) e são os únicos pelos quais Sérgio Godinho não recebe, até hoje, um tostão relativo às vendas. Uma série de problemas contratuais que deixaram Godinho “muito frustrado em relação a esses dois discos, que para mim são discos de charneira, mesmo a ponte entre o antes e o depois”, como revelou a Nuno Galopim no livro “Retrovisor”.

Pano-cru é uma das peças-chave dessa evolução, um passo em frente na afirmação popular e comercial de Sérgio Godinho, e um disco que se ouve hoje, tanto tempo depois, com muito prazer.



Sérgio Godinho – Campolide (1979)

 

Lançado no final da década de setenta, Campolide fecha com chave de ouro a primeira década de carreira de Sérgio Godinho.

No ano de 1971, ocorreu um Big Bang no que toca à produção musical portuguesa: Zeca Afonso lança Cantigas do Maio e José Mário Branco estreia-se, ao lado de Sérgio Godinho. Os Sobreviventes, disco irrepreensível, foi apenas o início de um período no qual se escreveram algumas das músicas mais emblemáticas da língua portuguesa: “Romance de um Dia na Estrada”, “A Noite Passada”, “Balada da Rita” e “O Primeiro Dia”.

Campolide continua este período dourado apesar de, talvez por não incluir nenhum hino óbvio, raramente ser incluído no cânone musical do seu autor. Não deixa de ser um grande álbum, a começar logo com “Parto Sem Dor”, uma carta de despedida de quem já o fez inúmeras vezes. A vertente de intervenção continua a permear a sua obra, como se pode ouvir em “Arranja-me um Emprego” e “Vivo Numa Outra Terra”, cuja letra, que inclui linhas como “Eu sei que na minha terra há gente a lutar/Quisera eu estar lá com eles sem ter que emigrar”, se mantém assustadoramente atual.

A sofisticação dos arranjos que se ouviu nos álbuns anteriores continua neste disco, no qual se ouvem instrumentos a partilhar protagonismo com a guitarra, como o acordeão em “Lá Em Baixo”, uma canção que, misteriosamente, nunca se tornou um hino e não figura nos concertos recentes do músico. “Os Conquistadores” inclui um solo áspero de violino que ilustra perfeitamente a tensão da letra. “Quatro Quadras Soltas” contém uma alegre secção de sopros e a distinção curiosa de incluir as vozes de outros titãs da música portuguesa: Adriano Correia de OliveiraFausto e José Afonso (o último com direito a props e tudo).

Campolide não interrompe o período dourado da carreira de Sérgio Godinho, mas nunca é falado com a mesma reverência que normalmente é reservada a À Queima Roupa ou Pano-Cru. Urge ser redescoberto e reavaliado, pois é um disco fabuloso de um dos músicos mais consistentes que este país produziu.



AZART LANÇA ÁLBUM DE ESTREIA “FOCO”

 

ALBUM DE JAZZ

 

Anouar Brahem - Thimar (1998)


Bem, como já apresentamos Anouar Brahem, um excelente músico tunisiano, e você já conhece John Surman, o que você acha se os juntarmos e adicionarmos a essa fórmula um excelente baixista como Dave Holland? Essa visão foi mantida por Manfred e o maravilhoso álbum "Thimar" saiu, o quarto lançamento de Anouar Brahem na ECM como líder. Apesar de ter dois dos maiores músicos de jazz em John Surman e Dave Holland na formação, 'Thimar' não é realmente um álbum de jazz, mas provavelmente está mais próximo do jazz do que qualquer um de seus outros discos. É um daqueles álbuns da ECM com música bonita que alguns puristas do jazz adoram odiar (bateria sem bateria, sem inovar o suficiente, música bonita demais, etc.). 

Artista: Anouar Brahem
Álbum: Thrimar
Ano: 1998
Gênero: Jazz
Duração: 54:32
Nacionalidade: Tunísia




 
'Thimar' (junto con "Astrakan Cafe" y "Le Pas Du Chat Noir") e um dos melhores álbums de Brahem (creo que todos tienen su favorito, para mím é difícil elegir un galhador de estas tres obras maestras). Música que debería ser explorada por más que solo amantes de la música mundial.


 
 
Lista de tópicos:

1."Badhra"8:30
2."Kashf"5:23
3."Houdouth"5:36
4."Talwin"4:18
5."Waqt"2:32
6."Uns"4:48
7."Al Hizam Al Dhahbi"5:40
8."Qurb"5:16
9."Mazad" (Dave Holland)5:05
10."" Kernow "" (John Surman)5:10
11."" Hulmu Rabia ""2:14


Formação:
- Anouar Brahem /Oud
- John Surman / Saxofone Soprano, Clarinete Baixo
- Dave Holland / Contrabaixo

Pastoral - Todo Pastoral (1983)


Para começar a semana, uma viagem pelo universo da Pastoral, aquela lembrada dupla argentina que muitos veneram até hoje. Alejandro De Michele e Miguel Angel Erausquin para uma revisão de seu repertório. Este foi colocado à venda no mesmo ano que o "Estadio Obras" e parece-me que talvez tenha sido um CD promocional para a ocasião e para o evento. Na verdade o álbum chama-se simplesmente "Todo", mas se procurares na net vais encontrar como "Todo Pastoral". Além desses mínimos detalhes, que não acrescentam nem tiram muito, o que importa são os temas e as faixas são os mesmos.
Artista: Pastoral
Álbum: Toda Pastoral
Ano: 1983
Gênero:
Referência: Discogs
Nacionalidade: Argentina



Não vale a pena fazer muitas apresentações, isso é apenas uma compilação, acho que foi pensado para fãs, se quiserem informações sobre a banda e seus álbuns podem conferir o cabeçalho do blog-



Lista de Tópicos:
1. Circular
2. En El Hospicio
3. Triste Y Antigua Dama
4. Lustrabotas De Avenida
5. Humanos
6. Atrapados En El Cielo
7. Peleandose
8. Me Desprendo De Tu Vientre
9. De Regreso A Tus Entrañas
10. Girasoles De Papel
11. Grifama La Mujer
12. Masaje Magico

Alinhamento:
- Alejandro De Michele
- Miguel Angel Erausquin See More



Destaque

Cássia Eller - Veneno Antimonotonia (1997)

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