segunda-feira, 3 de julho de 2023

“Parallel Lines”(Chrysalis, 1978), Blondie



Formada em 1974, em Nova York, a banda Blondie fez parte da cena alternativa nova-iorquina da qual fizeram parte também Ramones, Patti Smith, Television, Talking Heads e mais outros artistas. Todos eles incendiavam o clube CBGB’s, um pardieiro que ficava em Nova York, onde deram régua e compasso para o surgimento do punk rock e a new wave.

De todos esses artistas da cena underground de Nova York de meados dos anos 1970, o Blondie foi o primeiro a alcançar sucesso comercial. A banda resgatava o rock ensolarado da surf music e o pop contagiante das girl groups dos anos 1960 combinados com referências de glam rock e power pop. Contando com o casal de namorados Deborah Harry (vocais) e Chris Stein (guitarra), mais Gary Valentine (baixo), Jimmy Destri (teclados) e Clem Burke(bateria), o Blondie lança em 1976 o seu primeiro e homônimo álbum através do selo Private Stock Records, que teve uma boa recepção da crítica e uma modesta vendagem no Reino Unido. 

Blondie em 1975. Atrás: Chris Stein,
Debbie Harry e Gary Vatentine.
Frente: Jimmy Destri e  Clem Burke
Já de gravadora nova, a inglesa Chrysalis Records, a banda lança em 1977 o segundo álbum, Plastic Letters. Valentine havia deixado o Blondie entrando em seu lugar Frank Infante. Plastic Letters emplaca na Europa e na Ásia, não só por causa do som da banda calcado na boa dose de punk e pop, como também pelo competente trabalho promocional da Chrysalis nesses dois continentes. O sucesso de Plastic Letters fez a Chrysalis relançar o primeiro álbum da banda, antes lançado pela Private Stock Records. Na Austrália, onde já havia emplacado alguns hits, o Blondie era mais conhecido do que na sua própria terra natal, os Estados Unidos. E era aí que residia o grande desafio da banda nova-iorquina.  

Enquanto Plastic Letters deslanchava no mercado, o Blondie recebia mais um integrante, o baixista Nigel Harrison. Infante assume a guitarra, e assim a banda passa contar com dois guitarristas. O outro era Chris Stein. O Blondie vira um sexteto.

Durante uma passagem do Blondie pela Califórnia, em meados de 1978, o empresário da banda, Peter Creed, conhece Mike Chapman, produtor australiano radicado no Reino Unido, cujo currículo incluía a produção de discos de gente como Suzi Quatro e The Sweet, além de ser um profissional com faro apurado para hits. Com planos de levar o Blondie ao topo, Leeds via em Chapman o produtor ideal para que isso acontecesse. O empresário convenceu os membros do Blondie a trocar Richard Gottehrer, produtor dos dois primeiros álbuns da banda, por Chapman para produzir o próximo álbum. Os rapazes aceitaram, enquanto que Debbie relutou, mas acabou sendo convencida. Mike Chapman mudou-se para Nova York exclusivamente para produzir o próximo álbum do Blondie.

Membros do Blondie (sentados) e o produtor Mike Chapman (de óculos escuros) durantes as sessões de
gravação do álbum Parallel Lines, em meados de 1978. 

Em junho de 1978, a banda entra nos estúdios da Record Plant (onde Aerosmith, John Lennon e Queen já haviam gravado) para gravar o novo álbum. Mas o processo de gravação começa com atritos entre o jovem, porém experiente e exigente produtor, e a imatura e rebelde banda nova-iorquina. Debbie chega a entrar em choque com a postura disciplinadora de Chapman. O produtor tentava extrair de Jimmy Destri, um tecladista limitado, o máximo possível para tornar o som do Blondie mais “digerível” para o público pop. Para atender as exigências de Chapman, a banda teve que reescrever algumas letras e até a dormir quatro horas por noite. Por outro lado, as sessões de gravações começavam às seis da manhã. O trabalho árduo e dedicado tinha como objetivo alcançar o sucesso comercial. Apesar da dedicação da banda e do produtor, os executivos da gravadora não acreditavam no potencial do álbum que ainda estava em fase de produção.

Após tantos conflitos, suor, lágrimas e desconfiança da gravadora, Parallel Lines é lançado em setembro de 1978. O novo álbum mostra a receita musical que faria a fama do Blondie, uma combinação da fúria punk dos tempos de underground com a vocação pop da banda. Em Parallel Lines, o Blondie amplia o seu arco pop ao flertar com a disco music e até o reggae. Mas há um predomínio da referência do pop ensolarado e juvenil dos anos 1960, uma das maiores influências do Blondie.

Blondie durante a sessão de fotos para a capa de Parallel Lines. Da direita para a esquerda:
Nigel Harrison, Jimmy Destri, Debbi Harry, Chris Stein, Frank Infante e Clem Burke.

O álbum abre com “Hanging On The Telefone”, cover do The Nerves, uma banda de power pop da Califórnia. A versão do Blondie traz uma bateria energética e veloz. “One Way Or Another” foi inspirada num ex-namorado de Debbie que após o fim do namoro, passou persegui-la obsessivamente. “One Way Or Another” foi regravada pela boyband One Direction, em 2013. “Picture This” é pop,romântica e de versos singelos (“Tudo que eu quero é uma foto na minha carteira / Uma pequena lembrança de algo mais sólido”). A bela balada “Fade Away And Radiate” traz a participação especial de Robert Fripp, do King Crimson, fazendo solos de guitarra. A faixa termina num compasso discreto e estilizado de reggae. “Pretty Baby” teve como inspiração o papel da atriz Brookie Shields no polêmico filme “Pretty Baby”, lançado meses antes de Parallel Lines, onde ela interpreta a filha de uma prostituta que teve a sua virgindade leiloada. A atriz tinha na época apenas 12 anos. “I Know But I Don´t Know” fecha o lado A do álbum e traz Debbi e o guitarrista Frank Infante, autor da música, dividindo os vocais. A bateria de Clem Burke e os solos distorcidos da guitarra de Infante são os destaques de “I Know But I Don´t Know”. Em 1983, ganhou uma versão em português da Gang 90 & Absurdettes. 

Debbie Harry durante gravação do
álbum Parallel Lines.
“11:59” abre o lado B e traz um som que remete ao pop festivo e descartável de bandas de bubblegum dos anos 1960. O clima festivo da faixa anterior se repete em repete em “Will Everything Happen”. A ensolarada “Sunday Girl” traz de volta o clima praieiro da surf music dos anos 1960. O Blondie chegou a gravar uma versão em francês de “Sunday Girl”.

A faixa seguinte, “Heart Of Glass”, foi o grande sucesso do álbum e se tornou o maior da carreira do Blondie. Na verdade, a música foi uma das primeiras compostas pela banda, em 1974, tinha outro título, “Once I Had A Love”, e foi gravada numa fita demo na época em ritmo de disco music, mas não mereceu a devida atenção do grupo. Só foi gravada para o álbum por insistência do produtor Mike Chapman que acreditou no potencial da música. No álbum, ela ganhou uma versão uma pouco mais rápida do que a da fita demo, mas mantendo-a no ritmo de disco music.

Gravada originalmente por Buddy Holly, em 1957, 
“I´m Gonna Love You Too” é outro cover presente em Parallel Lines. Se a versão original era um lento rockabilly, na versão do Blondie “I´m Gonna Love You Too” virou um misto de rock’n’roll com pop dos anos 1960, com guitarras ao estilo Chuck Berry. “Just Go Away” fecha o álbum com louvor em meio a guitarra e teclados que ratificam o pop dos anos 1960 como uma das principais referências do Blondie.

Propaganda do álbum Parallel Lines.
Sem sombra de dúvidas, Parallel Lines foi o grande êxito da carreira do Blondie, não só do ponto de vista artístico como também comercial. O álbum teve uma ótima recepção da crítica e do público e catapultou o Blondie para o estrelato mundial. O som acessível e a imagem de uma vocalista loura e sensual, uma espécie de “Marilyn Monroe do rock”, à frente de uma banda com mais cinco rapazes, conquistou fãs em todo o mundo. Com Parallel Lines, finalmente o Blondie conquistou os Estados Unidos, a sua terra natal, onde o álbum foi 6º lugar. O álbum foi 1º lugar no Reino Unido e 2º lugar na Austrália.

Parallel Lines emplacou seis singles. O single de “Hanging On The Telefone” foi 5º lugar no Reino Unido enquanto que o de “Sunday Girl” alcançou o topo na Austrália e também no Reino Unido. "I'm Gonna Love You Too" chegou ao 3º posto na Bélgica e 6º lugar na Nova Zelândia. O single "One Way Or Another" foi 7º lugar no Canadá.

Mas melhor performance de todos os singles do album foi o de “Heart Of Glass”, um sucesso em escala mundial. Foi 1º lugar na parada de singles dos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Alemanha, Nova Zelândia, Suíça e Reino Unido, 2º lugar na Irlanda, e 5º lugar na Bélgica e Noruega. Nos Estados Unidos, o single de “Heart Of Glass” vendeu mais de 1 milhão de cópias. Aqui no Brasil fez muito também chegando a figurar na época, na trilha sonora do telenovela Pai Herói, da TV Globo.

Estima-se que nos últimos 40 anos, Parallel Lines tenha vendido em todo o mundo mais de 20 milhões de cópias. O álbum figura em 140º lugar na lista dos “500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos” revista Rolling Stone.

Faixas

Lado A
  1. "Hanging on the Telephone" (Jack Lee) 
  2. "One Way or Another" (Nigel Harrison - Deborah Harry) 
  3. "Picture This" (Jimmy Destri – Harry - Chris Stein) 
  4. "Fade Away and Radiate" (Stein) 
  5. "Pretty Baby" (Harry - Stein) 
  6. "I Know But I Don't Know" (Frank Infante) 
Lado B 
  1. "11:59" (Destri) 
  2. "Will Anything Happen" (Lee)
  3. "Sunday Girl" (Stein)
  4. "Heart Of Glass" (Harry, Stein) 
  5. "I'm Gonna Love You Too" (Joe B. Mauldin - Norman Petty - Niki Sullivan) 
  6. "Just Go Away" (Harry)
Blondie: Deborah Harry (vocal), Chris Stein (guitarra), Frank Infante (guitarra), Jimmy Destri (teclados), Nigel Harrison (baixo), Clem Burke (bateria).

Participaçãpo especial: Robert Fripp (solo de guitarra em "Fade Away and Radiate")



Ouça Parallel Lines na íntegra.



"Heart of Glass" - vídeoclipe



"Hanging On The Telephone" - vídeoclipe



"Picture This" - vídeoclipe



"Sunday Girl" - Blondie no programa 
"Top Of The Pop", BBC TV, 1979

“Cartola”(Discos Marcus Pereira,1976), Cartola

 



Cazuza (1958-1990) dizia que não gostava do seu nome, Agenor, talvez por acha-lo feio, cafona. Mas logo mudou de ideia quando descobriu que um dos seus maiores ídolos, Cartola, também se chamava Agenor. No entanto, curiosamente, o grande sambista foi registrado com um erro gráfico, Angenor de Oliveira, um “n” num lugar em que não deveria existir. Por incrível que pareça, Cartola só teria descoberto o erro em 1964, já na vida adulta, no cartório, quando preparava a papelada para casar-se oficialmente com Eusébia Silva do Nascimento, mais conhecida como dona Zica, sua segunda mulher.

Mais velho de oito irmãos numa família muito pobre, Cartola nasceu em 1908, no bairro do Catete, Rio de Janeiro. Após morar algum tempo no bairro das Laranjeiras, aos nove anos, Cartola mudou-se com sua família para o morro da Mangueira. Foi lá, ainda criança, que Cartola conheceu Carlos Cachaça, um garoto um pouco mais velho do que ele que se tornaria amigo pra vida toda e um dos seus maiores parceiros nas composições de sambas.

Cartola na infância aos 12 anos de idade.
Aos 15 anos, Cartola troca os estudos pelo trabalho e boemia. Foi aprendiz de tipógrafo, mas foi como ajudante de pedreiro que ganhou o apelido que o tornaria famoso. Ao trabalhar nos serviços de pedreiro, usava um chapéu-coco para proteger a cabeça do cimento. Foi daí que surgiu o apelido “Cartola”.

Em 1928, juntamente com um grupo de sambistas do morro da Mangueira, Cartola funda a escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Começa a ficar famoso no começo dos anos 1930, quando artistas consagrados como Francisco Alves, Mário Reis, Carmem Miranda e Araci de Almeida gravam os seus sambas. A convite do maestro Heitor Villa-Lobos, Cartola junta-se a  Pixinguinha, Donga, João da Baiana e outros músicos para uma série de gravações de músicas brasileiras para o maestro norte-americano Leopold Stokowski que estava de passagem pelo país em 1940. 


Quando tudo parecia bem, a vida de Cartola cai em desgraça. Os sambas que vendia, ainda que mantivesse o seu nome como autor, rendiam pouco dinheiro. Porém, a morte de Deolinda, sua primeira, e a rota de colisão com a direção da Estação Primeira de Mangueira, escola de samba que ajudou a fundar, acabam fazendo-o deixar a favela do morro da Mangueira. Fica quase uma década sumido, chegando alguns a acreditarem que ele havia morrido. No final dos anos 1940, conhece dona Zica, uma antiga admiradora que o resgata do abandono e do álcool. É ela quem o leva de volta ao morro da Mangueira onde vão morar juntos.

O artista redescoberto

Em 1956, a vida de Cartola começaria a mudar. O jornalista Sérgio Porto (conhecido como Stanislaw Ponte Preta) o reconhece magro e mal vestido, trabalhando na rua lavando carros e como vigia de um prédio no Rio de Janeiro. Sensibilizado, o jornalista decide ajudar o sambista. Com a ajuda de Stanislaw, Cartola se apresenta em rádios, faz shows e dá entrevista para imprensa. Além de retomar a carreira artística, Cartola consegue emprego de contínuo num jornal com ajuda de Stanislaw e depois vai trabalhar no Ministério do Comércio.

Coma ajuda de amigos, Cartola e Zica abrem em 1963 o restaurante Zicartola que logo se tornaria um ponto de encontro de sambistas, jornalistas e intelectuais. Figuras como Nélson Cavaquinho, Elizeth Cardoso, Zé Kéti, Elton Medeiros, Paulinho da Viola foram alguns dos frequentadores ilustres. Apesar da boa comida e das animadas rodas de samba, o restaurante faliu, fechando as portas dois anos depois por má administração.

Bar e Restaurante Zicartola: ao centro Cartola acompanhado de Nélson Cavaquinho (de costas com o violão).

Quanto à vida artística, Cartola recuperava cada vez mais o prestígio, principalmente entre as novas gerações. Firma parceria com o jovem Elton Medeiros que renderia clássicos do samba como “O Sol Nascerá”. Suas letras dotadas de uma grande sensibilidade poética deixavam a todos impressionados, ainda mais se tratando de um homem de vida sofrida e de poucos recursos.

Apesar do pouco estudo, Cartola era um grande leitor de poesia. Lia Castro Alves, Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade, Humberto de Campos, Gonçalves Dias, Vinícius de Moraes e Guerra Junqueira, este último, o seu poeta preferido. Toda essa bagagem literária acabou se refletindo na qualidade de seus versos, e certamente reside aí o fato de Cartola ter se tornado um compositor de altíssimo nível na música popular brasileira. Conseguia compor canções de dor de cotovelo sem cair na vulgaridade ou no dramalhão. Ao contrário, fazia isso através de versos dotados de grande elegância poética.

O prestígio renovado como compositor não só rendeu-lhe o interesse de artistas em gravar as suas músicas, mas também participações especiais cantando em gravação de discos de artistas como os de Elizeth Cardoso, em meados dos anos 1960. Mas até então, quase um sexagenário, Cartola ainda não havia gravado um álbum solo, um completo vacilo por parte das gravadoras.

Antes tarde do que nunca

Capa do primeiro e autointitulado álbum
solo de Cartola, lançado em 1974.
Somente em 1974, aos 66 anos, é que Cartola grava o seu primeiro e autointitulado disco, através da gravadora independente Discos Marcus Pereira. Recheado de composições do artista como “Acontece” e “Tive Sim”, e parcerias como “Disfarça e Chora” (Cartola e Dalmo Castele), “Alvorada”(Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Belo de Carvalho) e a já citada “O Sol Nascerá” (Cartola e Elton Medeiros). O álbum surpreende a crítica pela qualidade do repertório e se revela uma oportunidade para o público conferir num só disco, o Cartola intérprete.  

No rastro da boa receptividade do álbum de estreia, em 1976 é lançado o segundo álbum que também leva o nome do artista e pela mesma gravadora. Assim como no álbum de estreia, o segundo álbum traz composições autorais de Cartola, parcerias e composições de outros autores. O álbum reúne um conjunto de composições antigas como “Sala de Recepção” (1941, Cartola) e “Não Posso Viver Sem Ela” (de 1942, Cartola e Alcebíades Barcellos), sambas inéditos até então como “As Rosas Não Falam” e “O Mundo É Moinho”.

A faixa que abre o segundo álbum de Cartola é a obra-prima “O Mundo É Um Moinho”, um samba-canção feito por Cartola dedicado a Creuza Francisca, afilhada da primeira esposa de Cartola, Deolinda. Em 1932, aos cinco anos, Creuza perdeu a mãe e passou a ser criada por Deolinda e Cartola. Erroneamente costumam afirmar que Cartola compôs “O Mundo É Um Moinho” ao descobrir que sua filha adotiva havia se tornado uma prostituta. Na verdade, Cartola fez a canção quando a filha, já adolescente, quis deixar a casa dos pais adotivos e ganhar o mundo. A letra revela a preocupação de um pai com as armadilhas que o mundo lá fora poderia reservar para a sua filha.

“Minha” é sobre desilusão, rejeição e decepção, temas constantes nos sambas de Cartola (“Minha / ela não foi um só instante / como mentiam as cartomantes / como eram falsas as bolas de cristal”). “Sala de Recepção”, samba em que Cartola canta com a filha Creusa Francisca, é uma ode à Estação Primeira de Mangueira, escola de samba fundada por Cartola (“Eu digo e afirmo que a felicidade aqui mora / e as outras escolas até choram / invejando a tua posição), e ao mesmo tempo ao morro da Mangueira (“ Habitada por gente simples e tão pobre / que só tem o sol que a todos a cobre / como podes, Mangueira cantar?”). Desilusão e decepção voltam a dar as caras em “Não Posso Viver Sem Ela”, mas num misto de raiva, amor e perdão (“... mas não faz mal eu lhe perdoo outra vez / meu coração vive reclamando noite e dia / por isso eu peço que ela volte para a minha companhia”).

Filha e pai: Creuza e Cartola no estúdio durante as gravações do segundo álbum do "poeta do morro", em 1976.

No samba-canção “Peito Vazio”, uma das mais bonitas faixas do álbum, Cartola procura sair do fundo poço de um fim de um relacionamento prometendo dar a volta por cima (“Vou seguir os conselhos de amigos / e garanto que não beberei mais / e com o tempo essa imensa saudade que sinto se esvai”). Desprezo, ingratidão e arrependimento estão presentes nos versos do samba de gafieira “Aconteceu” (“... hoje ela chora tudo que perdeu / e chorando veio me pedir perdão / fica para ela a lição”).

Sem sombra de dúvidas, a grande canção do álbum é “As Rosas Não Falam”, onde Cartola mostra toda a sua veia poética em versos tão belos e muito bem construídos (“Queixo-me às rosas / Mas que bobagem / as rosas não falam / simplesmente as rosas exalam / o perfume que roubam de ti”). As rosas são as testemunhas da dor da solidão do poeta. É não só a grande canção do álbum, mas a grande canção da carreira de Cartola.

Dona Zica e Cartola.
Dor de cotovelo e sofrimento amoroso dão o tom de “Sei Chorar”, enquanto “Ensaboa” é um canto de trabalho, onde Cartola conta com a participação mais uma vez da sua filha adotiva Creusa Francisca. A canção parece fazer uma alusão a Deolinda, a primeira esposa de Cartola, madrinha e mãe adotiva de Creuza que trabalhava como lavadeira. “Senhora Tentação” versa sobre os efeitos incontroláveis da paixão. Fechando o álbum, “Cordas de Aço” é um samba-canção onde Cartola presta homenagem ao seu fiel amigo: o violão. 

O segundo álbum de Cartola foi muito bem recebido pela crítica e pelo público, a ponto de levar Cartola a fazer no Teatro Galeria, no Rio de Janeiro, a sua primeira temporada de shows solo, seguida de uma turnê nacional que durou quatro meses. Ao longo do tempo, o álbum passou a figurar nas listas dos discos mais importantes da música brasileira, como a da edição brasileira da revista Rolling Stone, ficando 8º lugar na lista dos 100 Maiores Discos da Música Brasileira promovida pela publicação.

Depois deste segundo álbum, Cartola ainda gravou mais dois álbuns, Verde Que Te Quero Rosa (1977) e Cartola 70 Anos (1978). Em 1980, Cartola falece aos 72 anos.

Faixas

Lado A
  1. "O Mundo É um Moinho"
  2. "Minha"             
  3. "Sala de Recepção" (participação: Creusa)         
  4. "Não Posso Viver Sem Ela" (Cartola – Bide)       
  5. "Preciso Me Encontrar" (Candeia)         
  6. "Peito Vazio" (Cartola - Elton Medeiros) 

Lado B
  1. "Aconteceu"    
  2. "As Rosas não Falam"   
  3. "Sei Chorar"      
  4. "Ensaboa" (participação: Creusa)           
  5. "Senhora Tentação" (Silas de Oliveira)
  6. "Cordas de Aço"

Todas as faixas são de autoria de Cartola exceto as indicadas.




“Exodus” (Island, 1977), Bob Marley & The Wailers

 


Durante a década de 1970, a Jamaica era um verdadeiro barril de pólvora, tanto no campo social quanto no campo político. A ilha vivia um alto índice de violência fruto da grande desigualdade social, principalmente nas ruas de Kingston, capital jamaicana. Na política, desde que se tornou independente da Inglaterra, em 1962, a Jamaica era dividida por um sistema bipartidário no qual o PNP (People’s National Party ou Partido Nacional Popular) liderado por Michael Manley, e o JLP (Jamaican Labour Party ou Partido Trabalhista Jamaicano), liderado por Edward Seaga, se revezavam no poder e travavam batalhas políticas sangrentas.

No meio de todo esse confronto estava Bob Marley, ilustre filho da ilha caribenha. Marley vivia a plena ascensão artística, era um astro internacional da música. Popularizou o reggae em todo o planeta e colocou a pequena ilha onde nasceu no mapa da música pop mundial. Apesar da fama, Marley mantinha contato com as suas origens, com o povo do gueto de Kingston.

Jamaica em pleno estado de tensão em 1976.

Em 1976, a Jamaica estava em pleno clima de pré-eleições, e isso significava estado de tensão num país tão desigual e polarizado politicamente. Numa tentativa de amenizar a situação, Bob Marley fora convidado para fazer um show para o povo em dezembro daquele ano, na verdade um evento pacífico intitulado “Smile Jamaica” promovido pelo PNP que naquele momento estava no poder. Bob Marley era a única figura que poderia conter aquela situação que beirava a uma guerra civil.

Só que dois dias antes do esperado show, a mansão do astro do reggae foi invadida por sete homens armados que chegaram atirando, mas felizmente não houve mortos. Contudo, Marley foi ferido no peito que quase atingiu o coração. Rita Marley, sua mulher, foi ferida de raspão da cabeça, enquanto que o empresário de Bob, Don Taylor, conseguiu sobreviver, mesmo tendo levado vários tiros. Alguns músicos da banda também foram feridos.

Apesar do atentado, Marley e sua banda cumpriram a combinado e fizeram o show para um público estimado em 80 mil pessoas, em Kingston. Marley subiu ao palco ainda com os curativos. No show, Bob Marley promoveu o encontro dos dois líderes adversários políticos, Michael Manley e Edward Seaga no palco.

Bob Marley promovendo o encontro pacifista entre os inimigos políticos
Michael Manley ( à esquerda) e Edward Seaga ( à direita), em dezembro de 1976. 

Em janeiro de 1977, Marley, acompanhado da sua família e banda, deixa a Jamaica e muda-se para Londres, Inglaterra, onde permanecerá por pouco mais de um ano. Marley desembarca numa Inglaterra em plena efervescência punk e acaba se identificando com aquele movimento que pôs o cenário musical e cultural inglês de pernas para o ar. Para aqueles jovens garotos, Marley compõs “Punky Reggae Party”, uma música que é uma confraternização entre rastas e punks, que no fim das contas tinham algumas coisas em comum.

Já instalados na nova morada, Bob Marley & The Wailers começam naquele mesmo janeiro de 1977 o processo de gravação do novo álbum nos estúdios da Island Records. Intitulado, Exodus, o título do novo álbum tinha tudo a ver com a nova realidade daqueles jamaicanos astros do reggae.

“Natural Mystic” abre o álbum com um som quase inaudível, mas que vai aumentando gradativamente até chegar à sua normalidade. “So Much Things To Say” parece tocar sobre o atentando que Marley sofreu (“Não viemos para a luta de carne e sangue / Mas contra a maldade espiritual em lugares altos e baixos / Assim, enquanto eles tentam te derrubar / Fique firme e dê graças a Jah”). Em “Guiltiness”, Marley manda um recado àqueles que tentaram matá-lo (“Eles comem o pão da tristeza / Aí vem os opressores / Eles comem o pão triste amanhã). “The Heathen” versa sobre ter a coragem de lutar e não desistir. 

Fechando o lado A está a faixa-título do álbum, uma clara inspiração no êxodo do Antigo Testamento sob uma visão da filosofia rastafári, mas ao mesmo tempo uma inspiração no próprio êxodo de Marley ao deixar a Jamaica após o atentado que sofreu. 


Exílio londrino : Bob Marley retornando do Tribunal de Magistrados, em Londres, 
após ser multado por porte de maconha, em abril de 1977. 

O lado B se mostra um tanto quanto mais ameno, abrindo com “Jamming” que traz um ritmo descontraído, mas Marley em seus versos toca ainda no assunto do atentado que sofreu ao afirmar que nem as balas podem detê-lo e que nem se curvará diante dos que querem destruí-lo. Em seguida vem uma sequência de duas canções românticas com “Waiting In Vain”, que traz um lindo solo melódico de guitarra de Junior Marvin, e “Turn Your Lights Down Lown”, uma bela e lenta balada com forte influência de R&B, evidenciada pelos vocais das I Threes, as backing vocals da banda de Marley. As duas canções foram compostas por Marley e dedicadas a Cindy Breakspeare, uma modelo com quem o “Rei do Reggae” teve um romance extraconjugal, e no qual os dois tiveram um filho, o cantor Damian Marley.

As duas últimas faixas ficaram famosas pelo teor otimista e pelo ritmo alegre. “Three Little Birds” conquistou o público infantil, enquanto que “One Love (People Get Ready)” tornou-se um dos maiores sucessos da carreira de Bob Marley. A canção na verdade é antiga, gravada originalmente em 1965, quando os Wailers ainda eram um trio, formado apenas por Bob Marley, Neville “Bunny” Livingston e Peter Tosh. A regravação para o álbum Exodus por fazer uma citação de “People Get Ready”, canção do soulman Curtis Mayfield, passou a ser creditada a Marley e Mayfield, e ganhou esse subtítulo.

The Clash: um dos homenageados por
Marley em "Punky Reggae Party".
Exodus  chegou às lojas em 3 de junho de 1977 e teve um lançamento festivo em Paris e Los Angeles bancado pela Island Records. O álbum foi bem aclamado pela crítica que teceu elogios à guitarra de Junior Marvin e à “cozinha” dos Wailers formada pelo baixo de Aston Barrett e à bateria de Carlton Barrett. No Reino Unido, Exodus foi 8º lugar na parada de vendas, nos Estados Unidos ficou em 20º na parada da Billboard, na Holanda em 11º lugar e na França em 20º. O single de “Jamming” trouxe no seu lado B a faixa "Punky Reggae Party", homenagem de Marley aos punks em cuja letra faz citações a bandas punks britânicas como The Clash e The Damned, mas que ficou de fora do álbum Exodus. A música seria uma retribuição ao fato do Clash ter gravado em seu primeiro álbum “Police And Thieves”, do cantor Junior Murvin, não confundir com o guitarrista dos Wailers que é Junior Marvin, com “A”. “Three Little Birds” e “One Love (People Get Ready)”, assim como “Jamming”, tornaram-se os grandes hits do álbum e clássicos da história do reggae.

Bob Marley ainda gravaria mais um álbum durante o seu exílio em Londres, Kaya, em 1978. Pouco depois, ele retornaria para a Jamaica pondo fim à sua morada londrina.

Neste ano de 2017, foi lançada uma edição especial de 40 anos de Exodus chamada de Exodus 40 – The Movement Continues que saiu em três versões: CD duplo, triplo, vinil quádruplo e em serviço de streaming. Essa edição, além de trazer a versão original, traz uma versão produzida por Ziggy Marley, filho de Bob, com arranjos inéditos e ordem alterada. O álbum triplo traz um dos CD’s com o show de Exodus gravado ao vivo em junho de 1977 no Rainbow Theatre, em Londres.

Faixas

Lado A
  1. "Natural Mystic"
  2. "So Much Things to Say"
  3. "Guiltiness"
  4. "The Heathen"
  5. "Exodus"

Lado B
  1. "Jamming"     
  2. "Waiting in Vain"      
  3. "Turn Your Lights Down Low"
  4. "Three Little Birds"              
  5. "One Love/People Get Ready" (Bob Marley - Curtis Mayfield)

Todas as faixas são de autoria de Bob Marley, exceto a indicada.

Bob Marley & The Wailers:
Bob Marley (vocal principal, guitarra base, violão, percussão), Aston "Family Man" Barrett (baixo, guitarra, percussão), Carlton Barret (bateria e percussão), Tyrone Downie (teclados, percussão, vocais), Alvin "Seeco" Patterson (percussão), Junior) Marvin (guitarra solo) e I Threes (Rita Marley, Marcia Griffiths, Judy Mowatt – backing vocals)






PEROLAS DO ROCK N´ROLL

 

COUNTRY ROCK - HOLY MACKEREL - Same - 1972



Pérola formada em Lancashire, norte da Inglaterra, no começo dos anos 70. A banda Holy Mackerel (não confundam com a americana de mesmo nome) contava com ex-membros de Jason Crest, Orang-Utan e Samuel Prody. Lançaram um único álbum em 1972, se desfazendo precocemente no ano seguinte, quando gravaram outro disco, mas que por problemas com a gravadora só veio à público vinte anos depois.
Posto aqui o debut homônimo de 1972, relançado este ano em CD. O álbum traz 8 faixas curtas, abrindo com o cover de "Going to the Country", da Steve Miller Band, mostrando a influência pesada de country rock dos caras, com doses acentuadas de hard, blues e algumas baladas. O som é típico da época, dominado por excelentes passagens das guitarras e poderoso vocal de Terry Clark, com alguns bons momentos de gaita e bateria. Destaque para "Going to the Country", "Spanish Attraction", "Oh!" e "The Boy And The Mekon".
Pérola altamente recomendada para fãs de country rock dos anos 70.


Derek Smallcombe (guitarra, violão, harmônica, vocal)
Terry Clark (vocal)
Roger Siggery (bateria)
Chris Ware (guitarra)
Tony Wood (baixo)

01 Going To The Country 3:02
02 Virginia Water 3:45
03 Spanish Attraction 7:34
04 Rock-A-Bye 2:34
05 Oh! 5:15
06 Were You At All 2:55
07 New Black Shoes 3:48
08 The Boy And The Mekon 5:46





PEROLAS DO ROCK N´ROLL

HARD ROCK - THE BOLTON IRON MAIDEN - Maiden Flight  - 2005 (1970-76)



Pérola rara vinda de Bolton, cidade ao norte da Inglaterra. Este Iron Maiden não pode ser confundindo com o dos anos 60, que lançou o disco Maiden Voyage e muito menos a famosa banda de heavy metal, sendo o segundo na ordem cronológica. O trio foi formado por jovens locais em 1967, mas mudaram de nome definitivamente apenas em 1970, alcançando certa popularidade nos anos seguintes, tocando em bares e faculdades e chegando a dividir palco com Chicken Shack, Procol Harum e Thin Lizzy. Em 1976 o grupo chegou ao fim precoce após a morte do guitarrista Ian Smith por câncer, sem lançar nada na época.
Apenas 30 anos depois, em 2005, antigas gravações dos caras voltaram a vida em Maiden Flight, sendo todo o dinheiro de vendas doado para pesquisas contra o câncer. Ainda em 2007, outro disco com covers saiu em CD. O álbum é dividido em 12 faixas próprias, sendo 4 gravadas em estúdio e as outras de forma precária ao vivo, trazendo um rock pesado e direto do começo ao fim, típico da época e com doses de blues e psicodelia, tocado por um power trio barulhento e competente.
Prato cheio para amantes do "hardão setentista", altamente recomendado!
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MUSICA&SOM



Paul Terence John O'Neill (bateria, vocal)
Ian Boulton Smith (guitarra, backing vocal)
Derek George Austin (baixo 1970-74)
Noel Pemberton-Billing (baixo 1974-76)

01 Cracked Path
02 Crawl Crawl Night-time
03 Cell Debris
04 Red Sky
05 A Place of My Own
06 Exchange is No Robbery
07 I'm to Blame
08 Life Span
09 Windwiper Freeway
10 The Naughtiest Girl is Alive and Well
11 Crawl Crawl Night-time (Live)
12 Maiden Flight






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