O peso de banda charneira do indie rock dos últimos anos foi demasiado para Will Toledo.
Os Car Seat Headrest lançaram em 2016 Teens of Denial, álbum portentoso e pico do que melhor se fez no contexto do rock alternativo nessa década. Sendo este um facto algo consensual, é sobretudo também um peso díficil de carregar para o seu mentor Will Toledo – para onde ir depois? Relembramos que Toledo tinha na sua “bagagem” uma catrefada de discos lançados por ele próprio no bandcamp, desconhecidos pelo mundo. Não foi portanto de estranhar que quisesse ir buscar material já criado, dar-lhe uma nova aragem e mostrá-lo – assim nasceu Twin Fantasy (2018), uma semi desilusão, por muito nem considerado como um novo disco. O ano passado foi lançado um disco ao vivo da banda, meandros onde os Car Seat se mexem muito bem, como mostraram o ano passado em Paredes de Coura. Eis então agora o “verdadeiro” sucessor de Teens of Denial.
Quatro anos depois, um novo Will Toledo surge. Usa uma máscara de gás e chama-se a si próprio Trait, a sua sonoridade foi enriquecida com carradas de texturas electrónicas, e as músicas ficam-se pelos 5 minutos. No seu arranque, “Weighlifters”, ainda parece haver resquícios dos Car Seat Headrest do passado, dado o longo intro para a música arrancar. Mas a aparente semelhança fica-se mesmo por aí, dado que são os sintetizadores a assumir a frente de “batalha”. Assiste-se então a um (triste) espectáculo de batidas e ritmos repetitivos, experiências que parece nunca atingirem o seu propósito, e a desilusão toma conta de mim.
Neste ano que fica para a história pela pandemia mor, houve regressos aos discos de duas bandas que deram com certeza aos Car Seat Headrest alguma base de sustentação na sua sonoridade – os Pearl Jam e os Strokes. O dos Pearl Jam só ouvi o primeiro single (é uma longa história a minha relação com a banda e não vos vou aborrecer com a mesma aqui, fica para outro dia e outra ocasião), enquanto que o de Strokes dei várias voltas, e se em ambos a direção para a inclusão de electrónica é vísivel, parece-me que quem caiu com mais estrondo foram mesmo os Car Seat. Safam-se aqui e ali alguns bons momentos (“Deadlines (Hostile)” e “There Must be More than Blood”) mas o resto é totalmente dispensável. Acabo o disco e volto a ouvir “Fill in the Blank” e a distância percorrida entre um disco e outro parece abismal.
Com El Bando Bueno cumpre-se um ciclo e projeta-se outro na discografia de Sr. Chinarro. É o que sentimos e pensamos sobre o seu recentíssimo álbum. O mundo não está para graças e Antonio Luque também não, mas isso, para nós que somos seus ouvintes, é motivo de grande prazer e satisfação.
El Bando Bueno é o décimo sétimo disco de estúdio de longa duração de Antonio Luque, mais conhecido artisticamente como Sr. Chinarro. Dois anos depois de Asunción, e também do best of ColecciónPermanente, o regresso às canções inéditas faz-se com mais dez, como quase sempre vem acontecendo ao longo dos anos. Essas duas mãos cheias de novos temas trazem-nos algumas novidades, mas também se encontra nelas o músico que bem conhecemos, com algumas das suas idiossincrasias sempre bem evidentes.
Depois dos três singles que foram saindo a conta gotas como forma de apresentação do álbum (a moda veio para ficar, isso parece claro), muito se esperava de El Bando Bueno, saído no passado dia 29 de maio. O Altamont ouviu o disco com a atenção merecida, como nas próximas linhas se lerá. Em plena pandemia, Sr. Chinarro resolveu sair à rua para nos deixar confinados à sua nova rodela musical, novamente lançada pela sempre ativa Mushroom Pillow.
Comecemos pelo que já conhecíamos, os avanços “Sábanas Santas”, “Una Famiglia Reale” e “Aplauso”. Três temas com enormes diferenças estilísticas, todos eles bastante fortes e previsivelmente anunciadores, como agora se confirma, de um álbum mais variado do que o muito uno Asunción.
“Sábanas Santas” deu-se a conhecer a dezasseis de abril e surpreende pelo seu jeito rumbístico (será este um neologismo altamontiano?), pelo refrão orelhudo e também pela letra inteligente e, em certa medida, acusatória. Percebe-se que Antonio Luque não está disposto a mostrar sorrisos num mundo cada vez mais cinzento e feio. “Quedan las manchas en el colchón / Donde está escrito que fue amor / Eso que nos sucedió”. É já um novo clássico da obra do maestro mor da chamada indie espanhola, se é que o termo ainda faz sentido. Experimente ouvi-lo sem se balançar de cima a baixo, ainda que timidamente, a ver se consegue. As palmas andaluzes e o acordeão não perdoam.
Depois, a seis de maio, saiu “Una Famiglia Reale”. A primeira coisa a referir é que não, não é um erro de escrita o que o título da canção apresenta (o que não seria caso virgem na discografia de Sr. Chinarro, embora não por culpa do próprio). A italianização do termo acentua o mundo farsante em que vivemos. As verdades e as mentiras dificilmente se distinguem e o mundo parece já habituado (bem ou mal, com ou sem proveito) a esta realidade twitteira, a este novo paradigma em rede da nossa pequena aldeia cada vez mais global. As “palabras siempre ambiguas” (o verso é da canção “Aplauso” e não de “Una Famiglia Reale”) de Antonio Luque servem na perfeição uma canção dançante, ritmada, com mais um refrão poderoso, mais um clássico emergente da vastíssima produção chinarra. Para o artista foi proveitosa a ambiguidade do verso “Sé mi princesa, Leticia”, sobretudo porque, foneticamente, Letizia Ortiz Rocasolano (o nome da Rainha consorte de Espanha) e o mencionado na canção estão muito próximos, e para mais a esposa de Filipe VI é uma confessa fã da música alternativa do nosso país vizinho, adorando Los Planetas e, estamos em crer, Sr. Chinarro, o que só lhe fica bem.
O último single de El Bando Bueno a ser conhecido foi o já referido “Aplauso”, tema a fazer recordar a synthpop alternativa dos New Order com um travo pós-punk gótico dos The Cure. Às zero horas de vinte de maio, a surpreendente “Aplauso” dava conta do novo namoro de Sr. Chinarro com os sintetizadores, coisa que se confirmaria em muitas outras canções do álbum. Já lá iremos. Para além da melodia festiva, da batida fria e forte, uma vez mais os versos merecem destaque. Sr. Chinarro anuncia-se como “traficante de placer”, expressão feliz e absolutamente correta para quem o aprecia. Depois, a vinte e oito do mês passado, veio ao mundo o que restava conhecer de El Bando Bueno.
E assim chegaram mais sete ótimas canções, algumas delas bem dignas da maior e melhor safra de sempre do artista que se deu a conhecer nos primeiros anos da passada década de noventa. É o caso de “Escorpio”, baladeiro tema que teria cabido bem em El Progreso, por exemplo, e que em El Bando Bueno também cabe e mostra ser um caso muito sério. Impossível não cantar, mesmo que em silêncio, para dentro, os versos “Y tuvimos que aprender / A no hacer daño / Y a no ser um par de extraños / Tu y yo”, já para não falar das guitarras e das linhas de sintetizadores que surgem após o refrão. Fabuloso! Talvez seja o tema que mais cresceu desde a primeira audição de El Bando Nuevo, embora já se apresentasse grande e poderoso na primeira escuta. Será uma canção-resumo de toda a carreira de Sr. Chinarro? Algo nos leva a pensar que sim…
Outro tema absolutamente fantástico, que acaba por parecer, num primeiro momento, um objeto sonoro algo estranho e bem à margem do conjunto das canções que apresenta El Bando Bueno, é “Teleraña”. De novo os sintetizadores a deixarem marca, de novo esse galanteio recente por essas máquinas e pelo seu som ochentero (estamos em crer que o próximo disco de Sr. Chinarro será ainda mais revelador do que agora dizemos) à maneira de uns Orchestral Manoeuvres In The Dark do período Dazzle Ships, por exemplo. Para além do inesperado ambiente sonoro da composição, a canção traz a voz de Sandra Rubio, que fazia parte do grupo de Sr. Chinarro no tempo de El Por Qué de Mis Peinados e de Noséqué-Nosécuántos, inesquecível sobretudo em “El Idilio”, dos mais bonitos temas de toda a carreira de Antonio Luque. Em “Teleraña”, e uma vez mais, Sr. Chinarro fala de si e do seu (nosso) estranho tempo. É das melhores canções do álbum. Densa e misteriosa, enigmática, capaz de causar calafrios.
Mas há mais. Há “Planeta B”, que começa em jeito de samba e se transfigura depois num pop-rock honesto com marcante letra ecologista. O aquecimento global está aí e por isso “quedarás muy frito” como é certo e sabido. É uma canção sobre o presente, não tanto sobre o futuro do mundo, que no entanto, não tenhamos ilusões, parece perspetivar-se escaldante e dantesco.
No lado B do disco, digamos assim, temos ainda “Depresión”, “Arlequín”, “No Recuerdo” e “La Odisea”, que termina o disco de forma triunfante. É mais um tema com grande balanço roqueiro, marcado por guitarras sóbrias e por um refrão orelhudo, e que traça, de forma algo autobiográfica, a trajetória de um homem e de um músico que morre de amores por Sevilha, a sua cidade natal, mas que se viu em trânsito por outros lugares de Espanha afastando-se dela por causa do calor (o aquecimento global, uma vez mais), por vezes sentindo-se um “emigrante térmico”, como referiu numa recente entrevista ao site Je Ne Sais Pop. Em “Depresión” volta a referir-se a Sevilha, e nos tempos deprimentes como os que passou em Espanha, em casa, durante o pico da pandemia do seu país, não se deixou ir abaixo e resolveu escrever uma canção sobre a única depressão que conhece, a do rio Bétis, ou Guadalquivir, com a sua extensa depressão geográfica. Em “Arlequín”, bonita canção de amor, volta a cantar que “Ahora mi futuro es gris”, para não destoar do tom pessimista do álbum. E, por fim, falta referirmo-nos a “No Recuerdo”, canção algo tímida, de contornos ainda difíceis de definir. É dar-lhe espaço e tempo para crescer e mostrar-se-á mais plena.
Uma (quase) última nota para salientar a capa do disco, um meme que Antonio Luque faz de si mesmo, enganador porque risível, e o disco / o mundo não está para grandes contentamentos. Nesse sentido, a imagem da capa é uma blague e revela o que o álbum tantas vezes afirma no seu interior. No quadro “El caballero de la mano en el pecho”, de El Greco, surge o rosto inusitado de Antonio Luque. Querem expressão mais fake (de fakenews) e mais consentânea com o tempo em que vivemos?
No seu conjunto, El Bando Bueno é um disco de alguém que fez uma pausa para apreciar o mundo. Não gosta do que vê, mas transmite essa ideia de vertigem, de insegurança e de inquietação da forma mais bonita possível. Não há sorrisos, há angústia e há, sobretudo, a certeza de que a estupidez humana tem dimensão planetária e projeta-se de forma cada vez mais crescente. O álbum, segundo Antonio Luque, era para se chamar La Gente Es Tonta, e isso já é dizer o bastante sobre o que pensa e sente a propósito do planeta em que habita.
Em conclusão, a única verdade é esta: com Sr. Chinarro estaremos sempre em porto seguro. Isto tanto é válido para os ouvidos como para a alma. Para o corpo também, quando se arrepia ou tem vontade de um pasito de dança. Que siga fazendo música e cantando o que também sentimos e pensamos, embora sem cantarmos como ele e sem a grande arte que o caracteriza!
A banda brasileira de death metal, Crypta disponibilizou hoje, via Napalm Records, o seu segundo álbum de estúdio, intitulado “Shades of Sorrow”, que sucede “Echoes of the Soul” (2021).
A Crypta chegou em 2019, formada pelas egressas do Nervosa em 2020, Fernanda Lira (voz e baixo) e Luana Dametto (bateria), hoje completam o time as guitarristas Tainá Bergamaschi e Jéssica di Falchi.
Disco lançado em 1983 pela Som Livre. O álbum continha a música "Bete Morreu", que fez sucesso, mas teria a sua execução radiofônica proibida em todo o território brasileiro pela censura. A banda foi expulsa meses depois da Som Livre por não aceitarem mudar o nome da banda, que a gravadora alegava ser pesado e anti-comercial.
Na virada dos anos 60/70, Peter Gabriel chamou a atenção dos roqueiros como um cara que conta e canta histórias estranhas durante a música torta do Genesis . Naquela época, Gabriel conseguia chocar até mesmo seus companheiros de banda ao usar inesperadamente um vestido vermelho e uma capa de raposa quando subia no palco. Em pouco tempo, o Genesis se tornou um ambiente muito restritivo para Gabriel, que sempre segue seu próprio caminho, e ele deixou a bandaapós The Lamb Lies Down On Broadway (1974).
No final dos anos 70, Gabriel iniciou aos poucos sua carreira solo. Seus primeiros quatro álbuns estavam cheios de art rock original e muitas vezes muito inovador. Eles foram apreciados pela imprensa musical e pelos entusiastas da música, mas não eram a música de toda a nação; em vez disso, Gabriel poderia ser descrito principalmente como um artista cult com um perfil relativamente alto.
Tudo isso finalmente mudou em 1986.
O álbum So , com seus videoclipes criativos, fez de Peter Gabriel uma grande estrela e um homem rico. Normalmente depois de um grande sucesso, a fórmula normal é fazer outro disco parecido, rodar o mundo, fazer outro disco parecido ad infinitum. No entanto, ao contrário das expectativas, Gabriel desacelerou sua taxa de lançamento e, em vez disso, investiu sua nova riqueza no complexo comercial de estúdio Real World, fundou sua própria gravadora Real World Records, reviveu seu festival de música étnica WOMAD e participou de vários eventos filantrópicos. Atividades.
O diretor Martin Scorsese vinha discutindo sobre fazer um filme sobre a vida de Jesus com Gabriel desde 1983 e, finalmente, depois de muitos desafios, as filmagens puderam começar em outubro de 1987. Gabriel entrou em ação.
O polêmico filme de Scorsese, A Última Tentação de Cristo, foi finalmente lançado em agosto de 1988, mas o álbum de Gabriel só foi lançado em junho do ano seguinte. O que é obviamente muito excepcional quando se trata de um álbum de trilha sonora. Mas, na realidade, não é exatamente disso que trata a Paixão . Conhecido como um perfeccionista (e às vezes um trabalhador muito lento), Gabriel não parou de fazer música quando o filme acabou, mas continuou trabalhando até finalmente ter um todo que poderia ser chamado de álbum inspirado no filme em vez de trilha sonora . Gabriel fez as últimas gravações para o álbum em março de 1989, ou seja, mais de meio ano após a estreia do filme. Uma parte significativa com Paixãomúsica audível, portanto, não é ouvida no filme. Passion, que foi escolhido como o nome do álbum, era o título provisório do filme de Scorsese e a escolha mostra que Gabriel claramente queria separar a música em um trabalho próprio que pudesse se sustentar por seus próprios méritos.
Passion não é o primeiro álbum de trilha sonora de Gabriel, já que ele fez música para o filme Birdy de Alan Parker em 1985. No entanto, a trilha sonora de Birdy consistia principalmente em novas versões instrumentais de canções antigas de Gabriel. Com Passion, ele faz algo completamente novo.
A maior parte da música de cinema no final dos anos 80 ainda era música instrumental orquestral que devia muito à música clássica ocidental. Essas partituras orquestrais geralmente não visavam refletir uma localização geográfica ou período histórico, mas sim comentar as emoções dos personagens e enfatizar eventos e ações. Gabriel's Passion toma uma nova direção interessante porque ele constrói a instrumentação do álbum para se assemelhar ao ambiente geográfico onde Jesus já teve influência. E como também existem muitos instrumentos tradicionais daquela região, também é fácil imaginar que até alguns dos timbres são os mesmos que se ouviam naquela época. Claro, é apenas uma ilusão e não Paixãoa música realmente não tem nada a ver com a música que se ouvia na região da antiga Palestina há mais de 2.000 anos. Mas não é essencial, mas que a ilusão de autenticidade seja forte o suficiente.
É tentador chamar a música de Passion de música instrumental, mas na realidade não é verdade porque a voz humana é usada como parte da música em abundância e, na melhor das hipóteses, de forma muito eficaz. Portanto, há vocais no disco, mas todo o canto ocorre sem letras. Como no terceiro e quarto discos solo de Gabriel, os ritmos são mais uma vez elevados a um papel central, talvez ainda mais central do que nunca.
Eu não sou um suposto especialista em world music, então posso estar errado aqui, mas mesmo que Gabriel extraia influências da música de diferentes regiões, a mistura resultante não soa como música étnica de uma determinada região. E é precisamente aqui que reside o poder da Paixão ; Gabriel conseguiu criar algo completamente novo com base em espaços em branco antigos.
A paixão foi feita com uma vasta gama de músicos. Muitos dos músicos tocaram nos festivais WOMAD de Gabriel ou em álbuns étnicos publicados pela Real World Records e vêm do norte da África ou do Oriente Médio. Os mais famosos deles são os vocalistas Nusrat Fateh Ali Khan , Youssou N'Dourin e o violinista L. Shankar . Há também músicos de rock e jazz ocidentais, alguns dos quais são frequentadores regulares de Gabriel, como o guitarrista David Rhodes , o tecladista David Sancious e o baterista Manu Katché. Novos nomes nos designs de Gabrieli incluem, por exemplo, bateristas Manny Elias (tocou muito com Peter Hammill ) eBilly Cobham ( Mahavishnu Orchestra ), o baixista Nathan Elias e o trompetista Jon Hassell .
No entanto, a arma secreta de Gabriel no álbum é o Fairlight, um cruzamento entre teclado e computador capaz de samplear, e o sampler Akai S990. Com a ajuda desses aparelhos, Gabriel recorta e cola elementos musicais à vontade e constrói algo inteiramente novo a partir dos sons tocados por seus músicos. Sons orgânicos e tecnológicos se encontram perfeitamente e muitas vezes é impossível dizer se um som vem de um instrumento real ou se foi tocado ou pelo menos completamente processado com Fairlight. Nesse sentido, Passion às vezes soa um pouco como a trilha sonora arrepiante de Mike Oldfield de 1984, lançada no álbum The Killing Fields. No entanto, Gabriel's Passion soa mais orgânico do que a música criada com Oldfield's Fairlight.