domingo, 12 de janeiro de 2025

Discografias Comentadas: Triumph

 Discografias Comentadas: Triumph

Triumph em 1983: Gil Moore, Rik Emmet e Mike Levine

Um grupo canadense com um talentoso guitarrista loiro, um baixista de cabelos longos, que também tocava teclado, um vocalista de voz aguda e inconfundível e um baterista que mais parecia uma lula, de tantas batidas e viradas impressionantes, com uma fase áurea no final dos anos setenta e início dos oitenta, misturando hard rock com progressivo, e que teve uma pequena decadência na metade dos 80, flertando com sintetizadores e um som mais pop. Não, não estou falando do Rush, mas sim do maior rival que o trio de Ontario teve: o Triumph.

O grupo formado no bairro de Mississauga, Ontario, no ano de 1975, tinha Rik Emmett (guitarra e vocais), Gil Moore (bateria e vocais) e Mike Levine (baixo), e foi um dos grandes nomes do rock canadense, apesar de sofrer com a (injusta) comparação com seu irmão mais velho, o já citado Rush. O Discografias Comentadas dessa semana irá contar um pouco a respeito dos dez discos de estúdio desse excelente power trio. Como as discografias variam de país para país, vamos seguir a ordem cronológica dos lançamentos canadenses, destacando as mudanças em relação à versão americana e/ou europeia quando as mesmas existirem. Então vamos aos triunfos do Triumph.


Triumph [1976]

Após uma apresentação no Gasworks em Toronto, no dia 9 de agosto de 1976, o Triumph assinou contrato com a gravadora Attic Records e lançou esse que é sem sombra de dúvida um dos melhores álbuns de estreia de todos os tempos, forte candidato a melhor do Triumph. Rik, Gil e Mike destroem, arregalando os olhos da mídia e do público canadense. São vários os destaques, a começar pela faixa de abertura, a fantástica “24 Hours a Day”, um rock safado à la Kiss, com introdução similar a canções de Caress of Steel (Rush, 1974), mas que depois vira um som do qual o Rush não teria condições de fazer justamente pela ausência de virtuosismo ou algo do estilo, mas que o Triumph fazia também com perfeição, como podemos comprovar em “Street Fighter” e “Street Fighter (Reprise)”, duas canções de mesmo nome mas bem diferentes entre si. A primeira é um pesado hard e a segunda é uma suave balada, com destaque para os teclados.  Outro hard pesadíssimo é “Easy Life”, com Rik utilizando-se do pedal de oitavas para fazer seu solo. Um ponto forte que pode ser comparado ao Rush é o uso da linha de melodias do Led Zeppelin (que o Rush empregou principalmente no seu álbum de estreia), as quais aparecem em “Don’t Take My Life” e “Let Me Get Next to You”. O funk de “What’s Another Day for Rock’n’Roll?” é mais uma prova de que o Triumph estava à frente do Rush em termos de composições, e “Be My Lover” mostra Rik usando um talk box, novidade para a época. Por fim, a épica e linda “Blinding Light Show/Moonchild” encerra o LP em uma das canções mais belas do rock canadense, onde os vocais tristes de Rik comandam uma canção arrastada, tendo um belo arranjo de teclados e de guitarra, cheia de efeitos, mostrando puro sofrimento e agonia, com destaque para o virtuosismo clássico de Rik no violão durante “Moonchild”, que se repetiria nos álbuns seguintes. O guitarrista é o centro das atenções, com um vocal perfeito e um dedilhado encantador, mas não podemos deixar de perceber a importância de Mike e Gil, com uma levada perfeita e com sessões sincronizadas que se encaixam perfeitamente com a canção, além da participação de Laurie Delgrande tocando sintetizadores. O que podemos perceber no geral é uma clara divisão de canções compostas por Rik e Gil, cada um cantando a sua, e que, assim como o Supertramp, funcionou muito bem durante alguns anos, mas rendeu problemas no futuro. Triumph foi lançado somente no Canadá. Posteriormente, um disco chamado In the Beginning… (1995) foi lançado contendo todo o álbum. 

Rock & Roll Machine [1977]

O Triumph quase não fez shows após o lançamento do primeiro disco, trabalhando e muito no segundo álbum, que, assim como a estreia, surpreendeu positivamente, com ainda mais peso e pitadas homeopáticas de progressivo, fazendo as comparações com o Rush crescerem ainda mais. Apenas duas podem serem comparadas ao co-irmão: “Bringing It on Home” e “Little Texas Shaker”, ambas por causa da linhagem zeppeliana da guitarra. No mais, o Triumph definia seu estilo nas clássicas “Takes Time”, que seria posteriormente a forte referência para as canções cantadas por Gil, e o cover para “Rocky Mountain Way”, composta pelo grupo Barnstorm (por onde o guitarrista Joe Walsh passou) com Rik abusando da slide guitar,  além da excepcional faixa-título, uma épica canção cantada por Gil e com Rik mostrando ao mundo que compará-lo a Alex Lifeson era como comparar Barcelona e Real Madrid: dois grandes músicos, mas com qualidades totalmente diferentes entre si. A dupla “New York City Streets, Pt. 1” e “New York City Streets, Pt. 2” (assim como “Street Fighter” do primeiro álbum), é composta de duas canções distintas, com a primeira sendo uma bela balada cantada por Gil, onde  Rik mostra mais um novo dom, o emprego de escalas e notas jazzísticas à la Wes Montgomery, enquanto a segunda é um hard agressivo cantado por Rik, onde o uso do wah-wah se sobressai. O maior destaque do LP vai para mais um épico, a progressiva “City”. Dividida em três partes, essa é a melhor canção do Triumph na minha opinião. O começo com “War March”, inspirado no “Bolero” de Ravel, é um sombrio e apetitoso crescendo de acordes e viradas de Gil, chegando ao solo de violão clássico para “El Duende Aconizante”, com Rik relembrando “Asturias”, do compositor espanhol Isaac Albeniz. A técnica de Rik é absurda, alternando dedilhados lentos com rápidos acordes flamencos. Fantástico! Por fim, o dedilhado do violão leva para a parte central, “Minstrel’s Lament”, onde o flerte com o progressivo é feito através do uso de mellotron e de uma cadência suavemente viajante, com destaque para o belo solo de guitarra feito por Rik, inspirando C.C. DeVille, Richie Sambora e toda a geração de guitarristas do hard surgidos nos anos 80. Nos Estados Unidos, o álbum saiu com o título de Rock ‘n’ Roll Machine, com outra capa e outro track list, o qual apresentava uma mescla dos dois primeiros álbuns lançados no Canadá (sem “City” por exemplo, que foi substituída por “The Blinding Light Show”), com o mesmo acontecendo na versão europeia.

Just a Game [1979]

Esse foi o último álbum onde algum resquício de comparação com o Rush existiu. O Triumph enveredava pela linha hard oitentista com força, e passava a registrar clássicos hinos de arena, que levaram o nome do grupo às primeiras posições das paradas. O melhor LP da carreira da banda, que tem de tudo: AOR (“Movin’ On” e “Hold On”), blues (“Young Enough to Cry”), jazz (“Suitcase Blues”) e o forte apelo ao mercado americano, com os hards de “American Girls”, “Just a Game” e “Lay It on the Line”. Dessas três últimas, “Just a Game” e “Lay It on the Line” são as que possuem os melhores e mais marcantes refrões do grupo, preparados quase que nota por nota para arrancar a voz dos fãs nos lugares por onde a banda tocava. A minha dúvida até hoje é qual das duas é a melhor, assim como se a melhor do álbum é “Young Enough to Cry”, um blues veloz e sensacional cantado por Gil, contendo um belíssimo arranjo vocal, ou a maravilhosa e suave “Suitcase Blues”, com um show à parte de Rik tanto nos vocais quanto nas escalas jazzísticas. Obviamente, a junção das duas com uma garrafa de uísque é um convite para uma profunda noite de embriaguez. Rik também dá show em “Fantasy Serenade”, um complicado tema no violão clássico que só enaltece ainda mais as qualidades desse grande músico. A capa original gatefold de Just a Game formava um tabuleiro que servia para jogar xadrez ou damas, e uma tiragem limitada de peças de xadrez apresentando imagens relacionadas à cada faixa do álbum, sendo hoje uma relíquia. O álbum foi o primeiro disco de ouro da carreira do Triumph.

Progressions of Power [1980]

Depois do estrondoso sucesso de Just a Game, o Triumph foi eleito o melhor grupo de 1979, exorcizando de vez as comparações bestas com o Rush. A primeira grande sequência de shows pelos Estados Unidos  fez com que o grupo tivesse apenas dois meses para gravar o álbum seguinte. Isso acabou refletindo no resultado final, já que Progressions of Power apresenta canções sem tanta inspiração e diversidade como seu antecessor. Mesmo assim, encontramos bons momentos, como “I Live for the Weekend”, tendo Rik fazendo escalas de blues em outro grande solo, o hardão setentista de “Nature’s Child” e a típica canção Triumph de “Tear the Roof Off”. O grupo flerta mais com o AOR, nas baladas “Woman in Love”, “I Can Survive”, que foi o grande hit do álbum, e “In the Night”. Os grandes momentos ficam para o solo de violão clássico em “Finger Talking”, com um show de virtuosismo feito por Rik, e “Hard Road”, um hardão puxado onde o primeiro solo de teclados da carreira do grupo aparece, sendo o mesmo feito por Levine.  Assim como Just a Game e os LPs subsequentes, nada de diferença entre a versões canadense e as lançadas no resto do mundo.


Allied Forces [1981]

Depois de um momento de pouca inspiração, o trio canadense uniu forças para mais um grande álbum, na mesma linha de Just a Game. Depois de uma  turnê pela Europa, o grupo apresentou o bem diversificado Allied Forces, que foi o LP que mais trouxe hinos para o grupo. Nele, encontramos clássicos do porte de “Fool for Your Love”, “Magic Power”, “Allied Forces”, “Fight the Good Fight” e “Ordinary Man”, cada uma com sua dose triumphiana. “Fool for Your Love” se tornou um grande clássico, com um grudento refrão que fica na cabeça por dias, o mesmo acontecendo com a faixa-título, um bom hard adaptado para os anos 80, sendo antecedida pela vinheta “Air Raid”, que é uma sequência psicodélica de passos apressados, explosões e sirenes. A leve introdução de “Magic Power” dá origem a uma das mais bonitas canções do grupo, em um rock animado com letra otimista que levantaria plateias nas turnês posteriores. Os rocks de “Hot Time (In This City Tonight)” e “Say Goodbye” são bons aperitivos do LP, além da peça clássica para “Petite Etude”, deixando as pérolas para “Fight the Good Fight”, uma bela canção repleta de momentos diferentes, carregados de teclados, e a épica “Ordinary Man”, onde a presença de um coral introduz uma sensacional canção, que começa como uma balada, ganhando velocidade e tornando-se um fantástico e pesado hard, com destaque para os velozes riffs de Rik, além de um solo arrepiante. Allied Forces virou o LP mais cultuado pelos fãs devido ao grande número de sucessos, e claro, a uma sonoridade perfeita, que não bate Just a Game e os dois primeiros apenas por detalhes de gosto pessoal mesmo.

Never Surrender [1983]

A série de grandes lançamentos do Triumph continuou com outro grande álbum. Depois de uma longa turnê por Europa e América do Norte, o grupo voltou aos estúdios e saiu de lá com mais clássicos. “A World of Fantasy”, “Never Surrender” e “When the Lights Goes Down” entraram direto entre as preferidas dos fãs. Mas o LP não vive apenas delas. O grande hard setentista de “Too Much Thinking” apresenta um dos melhores trabalhos de wah-wah feito por Rik, assim como “All the Way”, outro grande hard Triumphiano. “Battle Cry” mostra como Rik sabia usar alavanca como poucos, em outro grande momento instrumental. “When the Lights Goes Down” começa como um excelente blues, no violão, com Rik detonando no slide e no wah-wah, e com Gil se destacando nos vocais. “Writing on the Wall” é a mais fraca, uma canção bem na linha anos oitenta. Os pontos altos são sem dúvida “A World of Fantasy”, onde o violão dedilhado e a cama de teclados apresentam um dos mais conhecidos riffs da carreira do trio, tendo ainda a participação do hammond durante o refrão; e “Never Surrender”, trabalhada ao extremo em seus quase sete minutos de belas harmonias vocais, excelente arranjo feito por Levine e Gil,  e claro, o excepcional solo de Rik. Três curtas canções ainda complementam o LP: “Overture (Procession)”, que é uma mescla de sons de plateia, sintetizadores e guitarras, “Epilogue (Resolution)”, onde acordes de violão acompanham um belo solo de guitarra, e a peça clássica “A Minor Prelude”, um lindo dedilhado construído na escala de Lá Menor, nos mesmos moldes do violonista Fernando Sor. “All the Way” e “A World of Fantasy” foram segundo e terceiro lugar respectivamente, e o Triumph conquistou seu segundo disco de ouro com Never Surrender, vendendo mais de meio milhão de cópias apenas nos Estados Unidos.


Thunder Seven [1984]

Esse é o álbum mais polêmico do grupo e um dos meus favoritos, lado a lado com Just a Game. O Triumph abdicou do sucesso dos álbuns anteriores, trocou de gravadora e, em uma viagem de Rik Emmett, construiu um álbum conceitual que mostrava o futuro da humanidade, narrando fatos sobre como os homens lutavam para conseguir sobreviver em um mundo cheio de novidades, como computadores, aparelhos celulares e naves espaciais. Um excelente trabalho, que demorou para ser absorvido pela crítica e pelos fãs, acostumados com as letras e temas adolescentes dos álbuns anteriores. A sonoridade, repleta de sintetizadores e eletrônicos, agradou à turma jovem americana, mas afastou os fãs antigos. Enfim, pelo menos mais dois clássicos: “Spellbound”, faixa que abre o LP com Gil cantando sua melhor composição desde “Rock and Roll Machine”; e “Follow Your Heart”, outra grande canção na linha AOR e também com Gil nos vocais. Das canções de Rik, a que mais se destacou foi justamente a peça clássica “Midsummer’s Daydream”, copiada e estudada por muitos garotos que estão aprendendo a tocar violão, e que antecede a bela vinheta “Time Canon”, onde barulhos diversos abrem espaço para minha canção favorita no LP, “Killing Time”, uma linda balada com vocais divididos entre Rik e Gil. O hard de “Cool Down”, com a introdução ao violão folk, e os teclados de “Rock Out, Roll On”, trazem novamente as variações de gêneros dentro de um mesmo álbum do grupo, assim como o blues oitentista de “Stranger in a Strange Land”, com muitas alavancas e bends, presentes também na ótima “Time Goes By”. O LP encerra-se com a linda instrumental “Little Boy Blues”, com Rik despejando sentimentos em sustains e bends sensacionais. Esse foi um dos primeiros álbuns da história a ser lançado em uma grande tiragem em CD. A capa apresentava o tema central do LP, com uma versão computadorizada do “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci. A turnê de Thunder Seven foi recheada de efeitos computadorizados, lasers e um show de luz e fumaça. Gil, por exemplo, utilizou-se de baquetas iluminadas para executar seu solo. A gigantesca turnê culminou no álbum Stages, lançado em 1985. Os problemas internos começaram a aparecer nessa época, principalmente entre Rik e Gil. Esse foi o último grande álbum do Triumph, também o mais experimental da carreira do trio. 


The Sport of Kings [1986]

Depois de uma separação de quase um ano, Rik e Gil aceitaram conversar novamente, e o Triumph voltou para os estúdios de forma não muito amigável, o que refletiu direto nesse LP. Álbum mais fraco do Triumph com Rik, The Sport of Kings tentou reviver Never Surrender em uma época onde o pop já havia tomado conta das rádios e o AOR não estava mais na moda. Grandes destaques não existem, mas temos bons momentos AOR como “Tears in the Rain”, “What Rules My Heart”, a melhor do álbum, e “Take a Stand”. Momentos hard estão presentes em “Hooked on You”, na qual os vocais são divididos entre Gil e Rik, e “Somebody’s Out There”, além da pesada e bem interessante “Play With the Fire”. O Triumph exagera nas baladas, com “Just One Night” (cover do vocalista Eric Martin), “Don’t Love Anybody Else But Me” (mais um cover) e “In the Middle of the Night”, com muitos teclados e eletrônicos. A peça clássica “Embrujo” talvez seja a canção que lembre melhor os bons momentos antes das brigas começarem. Fuja de “If Only”! The Sport of Kings até que vendeu bem nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas não faz jus ao que o Triumph havia elaborado até então. As brigas continuaram, mesmo com uma bem sucedida turnê, onde apenas um problema ocorreu, com Rik ficando muito doente e tendo que ser substitiuído por Rick Santers, que já havia sido integrado ao grupo como quarto membro.


Surveillance [1987]

Rik deu a cartada final: ou gravavam o que ele queria ou ele saía da banda. Este álbum apresenta o trio com um visual bem farofa, com cabelos esvoaçantes e tudo mais, e conta com a presença de Steve Morse em duas canções: “Headed for Nowhere”, onde o duelo com Rik é sensacional, deixando bem claros os diferentes estilos de ambos, e a balada “All the King’s Horses”. O AOR aparece em “Let the Light (Shine on Me)” e “Long Time Gone”, o grande hit do disco. Duas vinhetas surgem através de “Prologue: Into the Forever”, com um mágico solo de guitarra acompanhado por sintetizadores, e “Prelude: The Waking Dream”, uma mistura de sinos, chuva e outro belo solo de  guitarra. “Never Say Never” é um pesado hard Triumphiano, bem como as boas “Rock You Down” e “On and On”. A melhor canção do LP fica por conta da tentativa de rock progressivo com “Carry on the Flame”, que, cantada por Gil e Rik, traz em seu refrão a alma do Triumph, com intervenções de sintetizador e viradas de bateria que agradam aos fãs antigos. Mas, a pouca inspiração floresce nas canções que encerram o LP: “All Over Again” e “Running in the Night”, regadas de sintetizadores e eletrônicos. No geral, é um bom álbum, mas nada mais que isso.


Edge of Excess [1993]

Depois de cinco anos afastados, Gil e Levine reformulam o Triumph, já que Rik saiu logo após o lançamento de Surveillance. Tendo Phil X nas guitarras e a participação de Rick Santers, o Triumph sofreu para lançar um álbum no meio da onda grunge. Mas o resultado não é dos piores, e Edge of Excess pode ser considerado o melhor álbum do Triumph desde Thunder Seven. A guitarra de X deu uma cara mais moderna para a banda, como podemos verificar nos hards de “Child of the City”, “Edge of Excess”, “Turn My Back on Love” e “Love in a Minute”. A bela “Somewhere Tonight” é um dos momentos mais bonitos do álbum. Porém, os grandes destaques vão para a homenagem ao grupo canadense Moxy, com “Ridin’ High Again”, um hard muito semelhante ao que este grupo fez na década de 70; os southern rocks de “Boy’s Night Out” e “Black Sheep”; a pesada e excelente “Troublemaker” e a sensacional balada “It’s All Over”, saída de alguma propaganda de cigarros ainda desconhecida. Um grande álbum, sem muita discrepância de sonoridade, soando linear e redondo para os novos e velhos fãs do grupo, e que encerrou a carreira do Triumph em termos de lançamentos de estúdio. O trio original voltou a se reunir em 2007 e em 2008, mas não por muito tempo, já que a guerra de egos entre Rik e Gil é muito maior do que o Canadá!

Vários “2001: A Space Odissey” (1968)

 

Ninguém vê 2001: Odisseia no Espaço sem sair da sala de cinema com uma relação diferente com a música que escuta durante o filme. Tal como Morte em Veneza de Visconti criou um corpo de imagens que hoje inevitavelmente associamos ao adagietto da Sinfonia Nº 5 de Mahler ou Apocalypse Now de Coppola deu nova vida à Cavalgada das Valquírias de Richard Wagner, também o 2001 de Stanley Kubrick inscreveu a sua música num espaço de relacionamento inevitável entre o som e as imagens.

Do Also Spracht Zharathustra de Richard Strauss (que escutamos em diversos momentos, perante a presença do monólito, uma delas em cenário pré-histórico) ao belíssimo Atmosphéres de Ligeti (que nos acompanha com o espaço por fundo), passando pelo Danúbio Azul de Johann Strauss, naquele momento em que uma nave “dança” em torno de uma estação orbital, a ligação é tamanha que não nos abandona mais, mesmo quando, num outro contexto, somos confrontados com estas mesmas obras musicais. Acrescente-se ainda a belíssima presença da música de Katchaturian, quando iniciamos a etapa que nos conduz a Júpiter.

A história da grande relação de Kubrick com a música não se esgota neste filme, podendo ser evocado o trabalho de Wendy Carlos em A Laranja Mecânica ou o de Jocelyn Pook em De Olhos Bem Fechados como outros exemplos de uma atenção que não procurava no som um mero adorno cénico.

Em 2001: Odisseia no Espaço Kubrick definiu contudo um momento ímpar na história do cinema. E a história da utilização desta música decorre de um pedido dos estúdios MGM para visionamento de imagens de uma produção que se começava a alongar, tendo o realizador usado alguma música retirada de gravações em disco para a montagem de trabalho que então apresentou em 1966.

A verdade é que Kubrick encontrou uma das vozes do filme nas ligações entre som e imagem dessa montagem de trabalho. E, sem que o compositor Alex North (chamado para assinar a banda sonora) soubesse, acabou por não usar uma única nota da partitura orquestral que este compusera para o filme. Conta-se que North só soube desta opção do realizador na noite da estreia do filme. 



Jabba’s Palace Band, “Lapti Nek” (1983)

 

Lado A: Lapti Nek
Lado B: Lapti Nek (Club Mix)
(RSO, 1983)

Apesar de naturalmente dominado pela música orquestral criada por John Williams, o universo musical dos nove filmes da saga central de Star Wars mostrou algumas frestas ocasionais rumo a outras ideias… Uma delas fez história com a Cantina Band, que vemos no filme inaugural, de 1977. Outra, com direito a surgir até no formato de single em alguns mercados, é a canção que escutamos numa das cenas no Palácio de Jabba The Hutt, no filme O Regresso de Jedi.

A banda (fictícia) que ali vemos tem por nome Max Rebo Band, havendo contudo muitas edições em single que a identificam como Jabba’s Palace Band. De uma forma ou de outra a canção que escutamos é Lapti Nek. No filme surge apenas um excerto, na versão cantada na língua hutt. Em disco as versões são mais… livres. Tanto na letra como na língua. Surge assim uma pop invulgar, nascida há mais de dez mil anos numa galáxia muito, muito distante… E com um certo tempero funk… A composição? É também de John Williams.

Lapti Nek existe tanto em edições de sete como de 12 polegadas, muitas vezes incluindo uma Club Mix que, na verdade, se limita apenas a ser uma leitura mais longa da canção.

Wendy Carlos, “Tron” (1982)

 

Wendy Carlos estava já longe de ser uma figura desconhecida quando, em inícios dos anos 80, foi convidada pela Disney para assinar a banda sonora de um filme cuja ação iria decorrer entre o mundo real e o universo virtual dos computadores (e em particular dos jogos vídeo). O seu disco de 1986 Switched on Bach, que tinha encantado Stanley Kubrick, e que havia gerado uma colaboração para a banda sonora de A Laranja Mecânica, tinha-se transformado num título de referência entre as obras pioneiras da música eletrónica. Em 1980 tinha voltado a colaborar com Kubrick, desta vez na banda sonora de ShiningTron, todavia, parecia guardar todos os ingredientes (sobretudo os que permitiriam criar visões de futuro) para acrescentar um episódio tão marcante à obra de Wendy Carlos como o fora a criação da música de A Laranja Mecânica.

O trabalho de composição envolveu uma primeira colaboração entre Wendy Carlos e Annemarie Franklin, explorando sintetizadores analógicos e digitais, mas conheceu uma intervenção direta por parte da Dieney, que insistiu na presença da London Phliharmonic Orchestra para a gravação das sequências não eletrónicas. Wendy Carlos reconheceria, mais tarde, uma insatisfação com o trabalho da orquestra. A sua opção teria antes sido a utilização de um novo sintetizador digital. De resto, a criação de uma música orquestral com recurso a máquinas seria o principal foco de Digital Moonscapes, um álbum que editaria pela CBS dois anos depois.

A intervenção da Disney na montagem final do filme deixou de fora alguma da música de Wendy Carlos que, todavia, estava já registada e fixada na banda sonora editada em disco pela CBS em 1982. Além da música de Wendy Carlos a banda sonora apresenta Only Solutions, dos Journey, que escutamos no filme (e que nada tem a ver com o mood que a restante música depois sugere).
O disco teve uma edição original em 1982 e só chegou a CD vinte anos depois, tendo sido então necessário um processo de restauro digital para recuperar as gravações originais. Mais recentemente a música de Tron teve uma nova edição em vinil.

Para a sequela, Tron Legacy, de 2010, a composição da banda sonora foi atribuída aos Daft Punk. A música de Wendy Carlos foi então referida pela dupla francesa como tendo representado uma das referências para este seu trabalho.

Um dos marcos do cinema de ficção-científica dos oitentas, Tron (Steven Lisberger, 1982) revelava uma história vivida entre o mundo real e o virtual, numa altura em que os computadores começavam aos poucos a entrar no quotidiano (então ainda mais no mundo do trabalho que no espaço da casa).

Importante esforço pioneiro na área da animação digital, Tron cruzava lugares e objectos criados por computador com imagens reais, estabelecendo através da linguagem visual (e sonora também) uma imediata separação entre o espaço da vida real e o mundo dos computadores entre os quais evolui a acção.

Em traços largos, Tron revela a odisseia de um programador, autor de jogos de sucesso (Flynn, interpretado por Jeff Bridges), a quem a autoria das patentes foi “roubada”, obrigando-o a viver das moedas que todos os dias entram nas máquinas da sua sala de jogos vídeo. Um programa de controlo (que entretanto tiraniza o mundo virtual) desvia-o do mundo real para o espaço digital. E aí, entre programas rebeldes à nova ordem, o “utilizador” que veio do outro mundo luta pela restauração da liberdade…

Danny Elfman, “Edward Scissorhands OST” (1990)

 Editada em 1990, a banda sonora de “Eduardo Mãos de Tesoura” representa um dos momentos mais inspirados do trabalho conjunto entre o compositor Danny Elfman e o realizador Tim Burton.

Natural de Los Angeles, onde nasceu em 1953, Danny Elfman tinha já uma carreira (com algum sucesso) na música, como vocalista e principal compositor dos Oingo Boingo, quando Tim Burton o desafiou a criar música para Pee Wee’s Big Adventure, a sua primeira longa metragem. O músico não estava seguro de que seria capaz de entrar num mundo diferente daquele a que estava habituado. Mas avançou, contando com algum apoio do guitarrista da banda. E a coisa correu bem. Correu na verdade tão bem que se seguiram novas propostas para trabalho em cinema. E entre essas propostas houve uma série de novos trabalhos ao lado de Tim Burton. E tantas vezes colaboraram que acabaram mesmo por definir um corpo de trabalhos comuns que fez dos dois um daqueles pares de referência juntando realizadores e compositores, como Steven Spielberg e John Williams ou David Lynch com Angelo Badalamenti.

Depois desse primeiro encontro com Tim Burton a vida de Danny Elfman seguiu por dois caminhos em simultâneo. Por um lado começou a ter uma carreira regular de escrita de música para cinema. E por outro manteve ativos os Oingo Boingo, com ponto final dado em 1995. E há uns 20 anos, numa das ocasiões em que falei com o compositor, ele mesmo reconheceu que os últimos anos de vida dos Oingo Boingo foram “difíceis”, sublinhando que “os grupos deviam ser forçados a separar-se ao fim de dez anos”. E no caso da sua banda, a carreira estendeu-se por 16 anos. Datada de 1990, a banda sonora de Eduardo Mãos de Tesoura, de Tim Burton, que nessa mesma entrevista Danny Elfman apontou como a que escolheria como a melhor do trabalho conjunto de ambos, nasceu por isso num tempo de coexistência entre uma vida pop/rock e um já muito expressivo corpo de trabalho para o cinema.

Música orquestral, onírica mas também algo fantasmagórica (ideia sublinhada pelo recurso ocasional a um coro), a banda sonora que Danny Elfman criou para Eduardo Mãos de Tesoura é, a par com as canções de Nightmare Before Christmas, uma peça de referência na sua obra, já plena de marcas de identidade. Este é também um trabalho de composição que traduz bem um entendimento com a visão de um realizador. “Partilhamos raízes semelhantes, crescemos a ver os mesmos filmes, pelo que nos compreendemos mutuamente”, explicou-me nessa conversa que seria publicada no DNmais. “Temos muito em comum, nos seus filmes não é fácil encontrar o mote, o ponto de partida. Mas, para mim, procurar esse ponto quando trabalho com ele é mais um exercício de prazer do que uma luta”, acrescentou.

Sobre o que pode ter de positivo para o trabalho de um compositor esse tipo de proximidade regular com um mesmo realizador (algo que com Danny Elfman depois sucedeu também com Gus Van Sant), explicou então: “Quando se tem uma colaboração isso implica que o realizador me conceda liberdade. O que, a confirmar-se, faz com que tenha vontade de trabalhar outra vez com ele. Muitas vezes o mais difícil não é compor uma banda sonora mas ter um realizador que ceda espaço de manobra. Muitos ficam tomados por uma espécie de temor, e muitas vezes sentem medo do que não conhecem. Tanto o Tim [Burton] como com o Gus [Van Sant] tentaram não se preocupar com isso e confiaram no meu trabalho. Especialmente o Tim, que tem um cinema muito teatral que me faz responder ao que ele está a fazer. É uma linguagem que compreendo”. O trabalho entre ambos gerou, além de Eduardo Mãos de Tesoura ou do o já referido Nightmare Before Christmas (que na realidade tem realização de Henry Selick), a parceria entre realizador e compositor gerou momentos igualmente marcantes em filmes como Batman, Sleepy Hollow, Big Fish ou Charlie & The Chocolate Factory, aqui conciliando a escrita de uma partitura orquestral com a criação de novas canções.

“Edward Scissorhands (Original Motion Picture Soundtrack)” teve edição original em cassete e CD. Na Alemanha houve uma prensagem em vinil em 1990. Mais recentemente houve uma reedição em vinil nos EUA.



Koyaanisqatsi: banda sonora para retratos de um mundo em desequilíbrio

 

No principio era o filme. E o projeto começou ainda em inícios dos anos 70, quando o realizador Godfrey Reggio trabalhava no Institute for Regional Education e realizou uma série de campanhas para transmissão em televisão. É por essa altura que, com a ajuda do director de fotografia Ron Fricke (que mais tarde realizaria o filme Baraka), começa a recolher imagens para um filme sem argumento. Escolhem o que lhes pareça que possa gerar boas imagens, e filmam sem um rumo definido.

Com o passar dos anos e o acumular das imagens a improvisação cede espaço a uma ideia que ganha forma. O filme começa então a desenhar um retrato da vida humana sobre a Terra, os sinais de desequilíbrio gerados, o confronto entre o espaço e o tempo das paisagens desabitadas com o ritmo da vida urbana. Francis Ford Coppola vê, numa sessão privada, uma primeira montagem do filme ainda em 1981 e decide apoiar a sua produção. O seu nome será assim uma peça central para a sua visibilidade. Mas um outro, que entrara em cena um pouco antes, acabará por ser o mais central dos rostos responsáveis pela sua transformação numa peça de culto: Philip Glass. 

Numa etapa em que o Philip Glass Ensemble era ainda o destinatário central da escrita do compositor, a música que cria e grava para Koyaanisqatsi (palavra dos índios hopi que traduz uma noção de vida em desequilíbrio) assenta essencialmente nas electrónicas, juntando sopros e vozes.

De certa forma o que encontramos nesta música pode ser entendido como uma derivação direta das ideias exploradas em Einstein On The Beach mas, e sem perder as características de formas ainda próximas do minimalismo, ensaiando novas demandas, procurando, sobretudo, a exploração de uma lógica melodista mais visível. Tudo isto mantendo firme uma estrutura assente numa arquitetura ritmicamente demarcada. A música serve o filme em perfeito sincronismo e garante às imagens a voz que a ausência de falas poderia fazer sentir ao espectador. A precisão geométrica na relação entre imagens e música serviu de base à apresentação do filme em espetáculos ao vivo nos quais a projeção surgia sobre um palco, com os músicos a interpretar a música em sincronia. 

Lançada pela Antilles (etiqueta da Island Records) em 1982, a gravação em disco da banda sonora incluía apenas 46 minutos de música gravada (o tempo que a duração do LP permitia). Com o advento do CD Philip Glass regravou a música de Koyaanisqatsi, para a Nonesuch. Mais recente é uma outra gravação, com a totalidade da música criada para o filme, lançada pela Orange Mountain Music em CD e que, em junho, por ocasião do Record Store Day, terá pela primeira vez uma edição em vinil.

Philip Glass “Mishima” (1985)

 A banda sonora que Philip Glass compôs para o filme de Paul Schrader “Mishima – A Life in Four Chapters” correspondeu, em 1985, ao primeiro episódio de colaboração entre o compositor norte-americano e o Kronos Quartet. 

Mishima foi um dos primeiros trabalhos de Philip Glass para o grande ecrã e correspondeu à terceira banda sonora em nome próprio que editou em disco, sucedendo assim a North Star, de 1978 e Koyaanisqatsi, de 1982.

O filme, Mishima – A Life in Four Chapters, de Paul Schrader, aborda (de forma algo distinta dos modelos mais habituais dos biopics) a vida e obra do escritor japonês Yukio Mishima e teve estreia mundial na edição de 1985 do Festival de Cannes onde venceu um prémio pelos contributos do diretor de fotografia, do diretor artístico e do compositor da banda sonora. Plástica e narrativamente desafiante, o filme conhece de facto na partitura de Philip Glass um dos seus maiores trunfos.

Criada num tempo de transição, após um longo período em que a escrita para o seu ensemble tomava parte central das suas preocupações e um momento de novos desafios para orquestra e vozes, a música de Mishima reflete ainda uma vontade em redescobrir o trabalho para quarteto de cordas que havia em tempos ensaiado ainda nos dias de estudante e que recentemente tinha retomado em Company (de 1983).

A gravação das peças para quarteto de cordas que integram a banda sonora (que em vários momentos envolve ainda a presença de uma orquestra) assinalou o encetar da colaboração discográfica entre Philip Glass e o Kronos Quartet.

Mishima teve edição em LP e CD logo em 1985 naquele que foi o primeiro lançamento do compositor pela Nonesuch Records. Uma reedição da mesma gravação surgiu, anos mais tarde, incluída na caixa Philip on Film, lançada em 2001. Por sua vez o filme teve uma reedição recente no formato de Blu-Ray pela Criterion, contando-se entre os extras uma entrevista com Philip Glass.



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