quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Dinosaur Jr. – You’re living all over me (1987)

 


O segundo álbum dos Dinosaur Jr., You’re All Living Over Me, é o mais pujante e influente do power trio. Reconciliar o alternativo com o classic rock é o seu grande legado.

O punk foi uma declaração de guerra ao classic rock: morte aos solos e dedilhados, à técnica e às nuances, ao próprio ideal de beleza. O hardcore americano foi ainda mais longe na terraplanagem da história, não deixando pedra sobre pedra. O projecto parecia promissor – bandas como os Black Flag, os Bad Brains e os Minor Threat foram elegantes no seu extremismo tábua rasa – mas a partir de um certo patamar de rapidez, concisão e brutalidade tornou-se enfadonho procurar novos recordes.

A válvula de escape era blasfema mas inevitável: regressar ao classic rock como inspiração, enxertando o velho no novo. Os punks mais puritanos atirariam algumas pedras mas já ninguém tinha pachorra para os Steve Albinis da vida. Replacements e Husker Du desbravariam o terreno; os Dinosaur Jr. foram, porém, mais longe no necessário renascimento. No fundo, era fácil: todos os punks cresceram a ouvir Zeppelin e Sabbath…

J Mascis e Lou Barlow vinham do hardcore, integrando os Deep Wound (banda tão absurdamente rápida que influenciariam os Napalm Death!). Agora, debaixo do nome Dinosaur, e principalmente a partir do segundo álbum, devolvem o sentido de história às bandas vindas do punk. You’re All Living Over Me traz de volta o solo exuberante ao rock alternativo (J Mascis como o primeiro guitar heroe do indie). Fá-lo, ainda para mais, usando uma panóplia de pedais, prática banida com igual fervor pelo evangelho hardcore. Como se a heresia não fosse suficiente, Mascis usa o próprio wah-wah, o mais proibido dos pedais, pela sua associação aos hippies, os fidagais inimigos dos punks.

J Mascis perpetra outro sacrilégio: não grita, tenta cantar. Pode fazê-lo com desmazelo mas não está zangado com o mundo, está apenas entorpecido, tudo o que quer é voltar para o sofá. Com a agravante de Mascis cantarolar melodias bonitas e trauteáveis (a tragédia! o horror!). Em sua defesa, diga-se que faz tudo para soterrar esse melodismo pop num paredão de ruído à Sonic Youth (os gritos emo de Barlow e o seu baixo distorcido dão uma ajuda). Noise pop, portanto, essa nobre linhagem fundada pelos Velvet, consolidada pelos Jesus & Mary Chain e desenvolvida pelos Pixies e os Dinosaur. A influência desta rapaziada sobre o shoegazing inglês e o grunge americano é incalculável.

Os Dinosaur infringem outro mandamento do punk: não escreverás sobre a patetice pequeno-burguesa do amor. Ora You’re All Living All Over Me não fala de outra coisa que não sobre corações amarrotados. A sua voz arrastada e chorosa tem, aliás, uma inclinação natural para o queixume (ao seu lado, Morrissey parece um tipo descomplicado, quase optimista).

Não deixa de ser irónico que o mais letárgico dos frontmen – é mítica a sua total inaptidão para as entrevistas, sempre num torpor quase comatoso – tenha deixado um legado tão vasto. A começar pela sua própria atitude slacker, tão definidora da geração X (Pavement e Silver Jews seriam alguns dos seus herdeiros). Os Dinosaur vão buscar muita coisa coisa ao classic rock mas renegam, em absoluto, a sua bazófia de macho alfa. Por mais vivaz que seja um solo de Mascis, nunca transmite poder e dominação mas sim desligamento e indolência: a TV sempre ligada, um vinil dos Toy Dolls a fazer de tabuleiro, uma lata de atum vazia no chão. Quando o reaganismo promovia o sucesso a todo o custo – esmagando os adversários, se preciso for -, a modorra olímpica de J Mascis era um acto de resistência.



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