quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Rush – Moving Pictures (1981)



O oitavo álbum dos Rush, Moving Pictures, é a sua indiscutível obra-prima. Engenhosa a sua conciliação entre o complicado prog e a depurada new wave.

Reza a historiografia oficial que a simplicidade selvagem do punk salvou o rock do pomposo e balofo prog. Consolidado o dogma, o rock progressivo passou a ser proscrito do cânone do bom gosto, deixando de ser socialmente frequentável (só se pode ouvir Emerson, Lake & Palmer às escondidas, com os estores devidamente corridos). Acontece que a realidade – a ingrata! – insiste em se esquivar da justeza destas doutas teorias: na verdade, o prog setenteiro foi inovador e imaginativo, oferecendo-nos belíssimos discos (que a alma penada de Lester Bangs nos perdoe mas não ter In the Court of King Crimson na nossa colecção é tão grave como nos faltar o primeiro dos Ramones).

E não falamos apenas dessa riquíssima primeira vaga inglesa (Genesis, Jethro Tull, Pink Floyd…). A réplica do outro lado do oceano chamada Rush é igualmente incontornável. Os canadianos começam por ser um sucedâneo dos Led Zeppelin (RushFly By Night) mas a partir de ’76 evoluem para um prog rijo e roqueiro, cheio de personalidade, muitíssimo influente (2112, A Farewell to Kings, Hemispheres).

O auge criativo do power trio acontece, porém, no início dos anos 80, com uma síntese que se julgava impossível: aliar a complexidade e virtuosismo do prog com o sentido pop da new wave. Primeiro com Permanent Waves (1980) e depois com Moving Pictures (1981), a nova sensibilidade foi-se aprimorando. O casamento, contra-natura em teoria, resulta na perfeição: a precisão intrincada que vem do prog ao serviço da melodia que fica no ouvido.

O lado A é mais imediato e memorável, para gáudio das rádios americanas de classic rock.

Os Rush não perdem tempo, abrem logo com a emblemática “Tom Sawyer”. Os sintetizadores futuristas são bem reveladores das influências new wave. O facto de um tema tão exótico e sombrio ser o predilecto dos fãs diz tudo sobre a singularidade dos Rush.

“Red Barchetta” tem uma melodia doce e suave como um piquenique no campo. Como tantas vezes acontece nos Rush, o baterista-escriba Neil Peart revela a sua agenda libertária, pincelando uma distopia colectivista. No futuro totalitário de “Red Barchetta”, os carros foram banidos pelo governo mas o protagonista desafia a interdição (a viagem frenética pela estrada fora como metáfora de rebeldia e liberdade). Muita tinta se escreveu sobre o suposto liberalismo selvagem de Neil Peart, mas nós, menos versados nos meandros complexos da filosofia política, confessamos só encontrar uma saudável desconfiança da autoridade e da tradição.

“YYZ” é um divertido instrumental muito acarinhado pelos fãs. A cumplicidade e humor entre os três amigos é não só notória como contagiante. O solo arabesco de Alex Lifeson é encantador.

“Limelight” é outro clássico instantâneo, uma reflexão do reservado Neil Peart sobre os malefícios da fama. O curioso é que só depois de Moving Pictures é que os Rush se tornaram realmente conhecidos. O solo de guitarra de Lifeson é mais uma vez superlativo, todo ele dor e solidão.

Já com tremores pela privação de prog no sangue, os Rush começam o lado B com a epopeia de 10 minutos “The Camera Eye”. Preferimos contudo, a atmosférica “Witch Hunt”, um retrato vívido de uma turba toldada pelo ódio, com música sinistra a condizer. O reggae à Police de “Vital Signs” é o tema que leva mais longe o namoro com as novas tendências.

É prog? É pop? Não, são os Rush. Nunca foram outra coisa que não eles próprios e Moving Pictures não é excepção. Dada a sua total ausência de sentido de coolness, sempre foram maltratados pela fútil imprensa musical (mas acarinhadíssimos pela sua indefectível legião de fãs). Aos poucos, até os media se foram rendendo à personalidade despretensiosa de Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart. Pode demorar muito, pode demorar pouco, mas a verdade na arte vem sempre ao de cima.



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