quinta-feira, 23 de março de 2023

Funkadelic – Free Your Mind… and Your Ass Will Follow (1970)

 

O título é um achado. O álbum é um claro passo em frente na banda de George Clinton, mais em direção ao rock do que ao funk ou ao soul. A droga tornou-o épico como poucos.

Quem conhece as bandas que George Clinton criou ao longo da vida, certamente sabe sempre ao que vai ao encostar a agulha na negra rodela de vinil, sobretudo tratando-se de discos dos Parliament ou dos Funkadelic. Assim sendo, não há engano possível quando se trata de ouvir o que Free Your Mind… and Your Ass Will Follow tem para nos dizer. No entanto, a sua mensagem não é linear, antes um pouco equívoca, uma vez que marca um certo desvio em relação ao disco anterior, o primeiro da safra Funkadelic. A loucura e o desvario que dele fazem parte, esses permanecem intactos e até reforçados, uma vez que o álbum será seguramente um dos mais carregados de droga da história da música do século passado. Sim, isso mesmo, estamos longe de qualquer exagero ao afirmarmos tal coisa. A substância de eleição foi o LSD. Albert Hofmann, se alguma vez o escutou, ter-se-á sentido feliz e recompensado pelo esforço do seu trabalho químico, lá pelos finais dos anos 30.

Ao que parece, o álbum foi concluído todo num único take (afirmação um pouco excessiva, talvez) e num único dia. George Clinton queria verificar se seria possível gravar o que pretendia, ele e a sua banda, numa espécie de banho de imersão lisérgico. Conseguiu, sem dúvida, e com bons proveitos para quem o ouviu à data de lançamento, assim como por mais cinco décadas. Free Your Mind… and Your Ass Will Follow fará cinquenta e um anos de idade lá mais para o verão, em junho.

O caos é perfeito e o clima não poderia ser mais propenso a uma substancial dose de loucura, tanto instrumental como rítmica.

O disco, todo ele, todas as faixas sem exceção, ecoam a Sly Stone, Jimi Hendrix e MC5. As guitarras altas e estridentes são a marca fulcral do disco. Parecem armas de arremesso sempre dispostas a iniciar um motim, uma qualquer revolução dentro da nossa cabeça, pelo que o conselho que deixamos é que Free Your Mind… and Your Ass Will Follow deve ser escutado sem sermos parcimoniosos com o volume do nosso sistema de som. É bem possível, no entanto, que cause incómodo nos ouvidos menos experientes nesta coisa de verter rock numa base funk. Os Funkadelic deveriam ter, aliás, o epíteto da melhor banda de funk-rock (ora mais uma coisa, ora mais outra) de sempre. Se assim fosse (talvez até seja para alguns), este disco seria fundamental para entendermos esse estatuto, talvez até mais do que Maggot Brain, o disco seguinte, ou o anterior e inaugural Funkadelic.

Mas vamos ao recheio, que é o que mais importa: o caos é perfeito e o clima não poderia ser mais propenso a uma substancial dose de loucura, tanto instrumental como rítmica. Sabe mesmo bem iniciar a travessia proposta (são somente seis faixas que duram apenas trinta e um minutos, aproximadamente), mesmo sabendo que não será longa a viagem. Curta, mas duradoura, ou não fosse a música uma matéria cheia de manhas, bem capaz de permanecer nos corpos (e na cabeça, sobretudo) que a escutam e a entendem. Sim, o entendimento é necessário para lidarmos com os Funkadelic, assim como uma certa tendência para a abstração. Se assim for, é natural que na viagem de escuta deste segundo longa duração dos Funkadelic possamos encontrar um enredo que envolve muita e variada coisa, desde a sua evidente base psicadélica (poderia muito bem ser uma banda sonora de um filme de ficção científica série Z passada entre Júpiter e Plutão), até ao rock-funk-rhythm and blues distorcido pela quantidade generosa da doce dietilamida do ácido lisérgico. As faixas do álbum são, mesmo assim, bastante coesas, perfeitas no exemplo que revelam entre alguma tensão e algum relaxamento. Alguma e algum serão sempre quantificadores a usar conforme o nosso estado de espírito, naturalmente. Se a tendência for no sentido de os extremar, mal nenhum virá ao mundo.

No fundo, é tudo uma questão de nos prepararmos para a libertação. O nosso bem comportado ass saberá swingar ao ritmo certo. Em caso de viciação, é virar a rodela e pousar de novo a agulha. No vinil, é claro.


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