Mesmo com dois álbuns no currículo, Barão Vermelho (1982) e Barão Vermelho 2 (1983), o Barão Vermelho ainda não havia conseguido conquistar um grande público. Os seus conterrâneos cariocas Lulu Santos e Blitz, e até mesmo o inglês radicado no Rio de Janeiro, Ritchie, haviam se tornado grandes estrelas daquele novo cenário do rock brasileiro que se formava no início dos anos 1980. O também carioca Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens, que estourou com o seu compacto “Pintura Íntima”, em 1983, teve mais exposição no rádio e na TV do que o Barão com os seus dois primeiros álbuns. O fato de João Araújo, pai de Cazuza (então vocal do Barão Vermelho) ser na época presidente da gravadora Som Livre, não foi o suficiente para fazer a banda estourar na grande mídia.
Porém, a sorte do Barão Vermelho começou a mudar ainda em 1983, depois que Ney Matogrosso gravou “Pro Dia Nascer Feliz” para o seu álbum ...Pois É, lançado em outubro daquele ano. A música fez um enorme sucesso nas rádios FM. Ney apareceu em vários progra mas de TV cantando essa música em trajes roqueiros. O que ninguém sabia é que aquela música era uma regravação de uma música do Barão Vermelho. A versão original estava no álbum Barão Vermelho 2, lançado também em 1983, só que meses antes do álbum de Ney. Foi então que descobriram a versão original de “Pro Dia Nascer Feliz” e esta passou a ser executada nas emissoras de rádio à exaustão.
... Pois É, álbum de Ney Matogrosso que traz "Pro Dia Nascer Feliz", do Barão Vermelho. |
A projeção dada por “Pro Dia Nascer Feliz” ao Barão Vermelho levou a banda ser convidada a compor e gravar o tema do filme Bete Balanço, de Lael Rodrigues, em 1984. A música “Bete Balanço” foi lançada em compacto e teve grande execução em rádio, enquanto que o filme, que estreou nos cinemas em julho de 1984, foi sucesso de bilheteria. A trilha sonora do filme ainda contou com músicas de outros nomes do rock brasileiro que despontavam na época, como Titãs (com “Toda Cor”) e Lobão & Os Ronaldos (com “Me Chama”). Além de ter feito a música principal do filme, o Barão participou de algumas cenas de Bete Balanço, o que só ajudou a dar ainda mais visibilidade à banda carioca.
Enquanto o filme Bete Balanço estreava nos cinemas e a música-tema tocava no rádio, o Barão entrava em estúdio naquele mesmo mês de julho de 1984 para gravar o seu terceiro álbum, sob a produção do jornalista e produtor Ezequiel Neves, que havia coproduzido os dois primeiros álbuns do quinteto.
Maior Abandonado chegou às lojas em setembro de 1984. Numa entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, Cazuza afirma que a temática do álbum gira em torno da vida boêmia e da fossa, apontando a sua ligação como artista a cantores como Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e Ataulfo Alves que tinham a boemia e os amores fracassados como a grande fonte de inspiração. E toda essa temática Cazuza traduz para o olhar do rock.
Quem abre o álbum é “Maior Abandonado”, faixa que dá título ao trabalho. Com uma letra que fala de pedidos desesperados de um adulto apaixonado para chamar a atenção de sua amada, a faixa é um rock’n’roll que tem uma levada bem ao estilo dos Rolling Stones e solos de guitarra maravilhosos que remetem a Chuck Berry. “Maior Abandonado” ficou eternizada pelos versos emblemáticos “Mentiras sinceras me interessam”.
Mágoa, decepção e desconfiança num relacionamento estão presentes nos versos de “Baby Suporte”: “A diferença tá grudada na carne / Que diferença há entre o amor e o escárnio? / Cada carinho é o fio de uma navalha”. “Sem Vergonha” fala das artimanhas de quem está apaixonado, enquanto que “Você Se Parece Com Todo Mundo” fala de amor por interesse material. Com um riff de guitarra de hard rock na sua introdução, “Milagres” mistura em sua letra ironia, ficção e a dura realidade: “As crianças brincam com a violência / Nesse cinema sem tela / Que passa na cidade”.
Fechando o lado A, “Não Amo Ninguém”, um blues carregado de melancolia, tratando de amor não correspondido. O Barão Vermelho aqui parece promover o encontro do blues com as canções de “dor de cotovelo” de Lupicínio Rodrigues.
Contracapa do álbum Maior Abandonado com membros da banda à parede, da esquerda para a direita: Guto Goffi, Maurício Barros, Roberto Frejat, Cazuza e Dé Palmeira. |
“Por Que A Gente É Assim?” abre o lado B e já dá o recado: “Mais uma dose? / É claro que eu estou a fim / A noite nunca tem fim / Por que a gente é assim?”. Paixão, boemia e loucuras são o tema deste hard rock com um andamento bluesy. A curiosidade fica por conta da participação dos Golden Boys no coro e de Peninha na percussão. Peninha que já havia participado no segundo álbum do Barão Vermelho como músico de estúdio, foi efetivado como membro da banda a partir de 1988.
Se o narcisismo é a tônica em “Narcísio” (não poderia ser diferente), “Nós” é uma ode à boemia : “Tomamos cerveja / E queremos carinho / E sonhamos sozinhos / E olhamos estrelas / Prevendo o futuro / Que não chega”. Outra faixa que traz a boemia e a dor de amor é “Dolorosa”, um rock com pegada de ska, mas que lembra muito bem letra de samba-canção: “Fim / A noite acabou feito gim / Espuma branca varrendo o meu pé / Os amigos de sempre já tão indo embora / E o garçon fecha o bar / Mal-humorado e cansado / Será que você não vê”.
Encerrando o álbum, “Bete Balanço”, música-tema do filme homônimo e que havia sido lançada antes do álbum como single. “Bete Balanço” é um rock balada com guitarras distorcidas e uma percussão ao fundo dando um “tempero” diferenciado à música. No final da música, Roberto Frejat faz um solo magistral na sua guitarra. “Bete Balanço” é outra faixa de Maior Abandonado com verso antológico e que ficou no imaginário do rock brasileiro: “Quem tem um sonho não dança”.
Diogo Vilela e Débora Bloch em cena do filme Bete Balanço, de Lael Rodrigues: música-tema do Barão Vermelho. |
Bem avaliado pela crítica, Maior Abandonado foi o primeiro álbum do Barão Vermelho a ser um sucesso comercial, vendendo mais de 100 mil cópias e conquistando disco de ouro. Assim como “Bete Balanço”, a faixa-título e “Por Que A Gente É Assim?” tocaram bastante no rádio e na TV.
O Barão seguiu em turnê nacional para promover o álbum com shows lotados. Durante a passagem da turnê por São Paulo, em outubro de 1984, os membros do Barão, exceto Cazuza, foram presos por porte de 300 gramas de maconha, encontradas nos quartos de um hotel em que a banda estava hospedada. Após pagarem fiança, os músicos foram liberados.
A popularidade alcançada pelo Barão Vermelho graças ao sucesso do álbum Maior Abandonado credenciou a banda a se apresentar na primeira edição do Festival Rock in Rio, em janeiro de 1985, no Rio de Janeiro, onde fez duas apresentações antológicas.
Apesar do sucesso comercial do álbum e da banda ter ampliado o seu prestígio após o Rock in Rio, internamente a situação do Barão Vermelho não ia nada bem. Brigas, agressões em público, o estrelismo de Cazuza, tornaram o ambiente dentro da banda insuportável. Num dos shows do Barão, Cazuza agrediu o baixista Dé em pleno palco. Em meio ao clima pesado internamente, o Barão Vermelho chegou a lançar no primeiro semestre de 1985, o single de “Eu Queria Ter Uma Bomba”, canção gravada durante as sessões de Maior Abandonado, mas que acabou ficando de fora do álbum. “Eu Queria Ter Uma Bomba” foi incluída na trilha sonora da telenovela A Gata Comeu, da TV Globo. A canção foi outro sucesso certeiro do Barão.
Barão Vermelho na primeira edição do Rock in Rio, em 1985: consagração. |
Em maio de 1985, o Barão Vermelho preparava repertório para a gravação do novo álbum, que incluiria as músicas “Exagerado”, “Um Dia Na Vida”, “Só As Mães São Felizes”, “Mal Nenhum” e “Maioridade”. Tudo indicava que um grande sucessor de Maior Abandonado estava por vir. A banda já estava ensaiando o novo repertório e estava tentando adotar um processo de democratização criativa, onde todos os membros teriam o poder de decisão para compor, vetar ou não uma música para o novo álbum, descentralizando o poder de decisão das mãos de Cazuza e Frejat. A “democracia criativa” teria deixado Cazuza insatisfeito, e ele já manifestava o desejo de desenvolver um trabalho individual. Frejat chegou a apoiar a ideia, desde que ele se mantivesse no seu posto de vocalista do Barão, assim como estava fazendo Mick Jagger, líder dos Rollin Stones, que naquele ano de 1985, estava lançando seu primeiro álbum solo, mas sem deixar a banda inglesa.
Às vésperas do Barão renovar o contrato com a gravadora, Cazuza anunciava em julho de 1985 que estava deixando o Barão Vermelho. A notícia pegou os integrantes de surpresa. O vocalista deixou a banda e levou consigo as canções citadas que fariam parte do novo álbum do Barão. Ele as gravou para o seu primeiro e autointitulado álbum-solo, lançado em novembro de 1985. “Exagerado” foi o primeiro sucesso da carreira-solo de Cazuza, cujo arranjo, assim como o de todo o álbum, carrega toda uma sonoridade característica do Barão Vermelho.
Quanto à banda, esta teve que recuperar-se do baque, catar os cacos, e seguir em frente. Frejat assumiu os vocais e manteve-se como guitarrista do Barão. Com a saída de Cazuza, a banda penou por três álbuns para recuperar o prestígio perdido. Só a partir do álbum Carnaval, de 1988, o Barão Vermelho conseguiu sair do fosso em que havia se enfiado e recuperau a popularidade.
Faixas
Lado A
- “Maior Abandonado”
- “Baby Suporte” (Cazuza - Ezequiel Neves – Pequinho - Maurício Barros )
- “Sem Vergonha”
- “Você Se Parece Com Todo Mundo”
- “Milagres” (Cazuza - Denise Barroso - Roberto Frejat)
- “Não Amo Ninguém” (Cazuza - Roberto Frejat - Ezequiel Neves)
Lado B
- “Por que a Gente é Assim?” (Cazuza - Roberto Frejat - Ezequiel Neves)
- “Narciso”
- “Nós”
- “Dolorosa”
- “Bete Balanço”
Todas as as músicas são de autoria de Cazuza e Roberto Frejat, exceto as indicadas.
Barão Vermelho: Cazuza (vocal), Roberto Frejat (guitarra), Dé Palmeira (baixo), Maurício Barros (teclados e piano) e Guto Goffi (bateria e percussão).
Vídeo clipe de "Maior Abandonado", programa
Fantástico, TV Globo, 1984.
Vídeo clipe de "Baby Suporte", programa
Fantástico, TV Globo, 1985.
Sem comentários:
Enviar um comentário