Suddenly é uma nova abordagem de Caribou, que preferiu inovar face ao anterior álbum, nunca esquecendo, porém, os vetores estruturantes da sua música, assente em vibrações íntimas e hipnotizantes.
Poucas devem ser as pessoas que conseguem responder automaticamente à pergunta «Quem É Dan Snaith?».
Se, no meio da rua, vos pararem o passo e perguntarem «Quem Foi Ricardo Basoalto?» ou «Quem É Allan Königsberg?» saberão responder às perguntas? O primeiro foi Pablo Neruda e o segundo é Woody Allen. O poeta é Pablo; Ricardo corresponde apenas ao corpo do Homem. E quem pega na câmara de filmar e grava os arranha-céus nova-iorquinos é Woody e só Woody.
Então, quem é Dan Snaith? Dan Snaith é Caribou, mas, primeiro do que ser Caribou, Dan é um sonhador que, desde o início, quis fazer música. Na sua (auto) biografia no Spotify, é assim que se apresenta: «Hi, it’s Dan. Do you make music too? I always dreamed of being a musician. When I was starting out, I had access to super basic equipment and don’t claim any special insight into music – just enthusiasm. If I did it, you can too. Send me your music on social media. Have fun and enjoy yourself. Bye.»
É impossível não rasgar um sorriso ao ler estas palavras, de tão genuínas que são. Bem sei que as aparências iludem, mas Dan parece ser a companhia ideal para beber uma cerveja, enquanto discutimos o que é que os nossos ouvidos andaram a ouvir nos últimos tempos – não sentem o mesmo?
Fevereiro de 2020 estava a completar o seu penúltimo dia de vida quando Caribou lança Suddenly, o seu sétimo trabalho de estúdio. Este é o primeiro álbum do produtor canadiano desde 2014, ano em que ofereceu às pistas de danças mais intimistas do mundo o trabalho Our Love.
Mas voltando ao presente.
Antecederam ao lançamento de Suddenly, os singles “Home”, “You & I” e “Never Come Back”, que vieram a integrar a versão final do LP.
“Home” foi a primeira amostra do que Suddenly viria a ser e é, sem sombra de dúvida, um das canções mais vívidas de Caribou (tanto que, à primeira audição, os nossos ouvidos têm legitimidade para achar que este tema é dos Avalanches). Em “Home”, o sample da voz leve de Gloria Barnes pega em nós e, desprendendo-nos de todo o cinzento do mundo, deita-nos sobre uma cama feita de céu azul.
A bateria inicial em “You and I” não nos é estranha; parece ter saído retirada de Our Love. A voz de Caribou surge-nos pela primeira vez nesta faixa, que é a segunda do álbum, e vem ter connosco num ambiente sensível, mas abrigado. Ao longo do processo de audição de Suddenly, sentimo-nos sempre muito próximos das pinceladas instrumentais de Caribou, que acabou por pintar, no fim, um quadro azul. (Se este álbum fosse uma cor, era azul – talvez seja por isso que a sua capa seja dessa cor.) “You and I” é uma balada eletrónica, cheia de emoções e de sons diferentes. É, por isso, um produto típico do produtor canadiano, que se habilitou a compor uma canção mais sólida e ornamentada – com mais substância, no fundo – do que aquelas que encontramos em trabalhos anteriores. “You and I” é uma canção rica, mais pormenorizada, com mais detalhes, sendo uma das bandeiras deste projeto.
“Never Come Back”. Não há nada melhor no mundo do que dançar. Esta faixa é uma das mais ritmadas de Suddenly. Nela, encontramos uma união perfeita entre notas de piano e um curto refrão que, repetido vezes sem conta, nos faz mexer os pés, as pernas, o tronco, os ombros, os braços, a cabeça – o corpo todo.
Mas Suddenly não pode ser limitado à análise dos singles que antecederam o lançamento do álbum na íntegra.
Fiquei com a ideia de que Caribou, enquanto estava ainda a preparar o lançamento do álbum, nos quis dar poucas pistas sobre o que é que Suddelnly iria ser realmente. “Home”, “You and I” e “Never Come Back” são «instant classics» na discografia do canadiano, sim – são canções bem trabalhas, cheias de camadas musicais apenas por Caribou imaginadas –, mas estão substancialmente distantes das restantes canções do projeto.
O tema “Sister” inicia o álbum e vem carregado de uma melancolia digital profunda. A música eletrónica também pode ser triste. O encontro da voz de Caribou e de Carolyn Snaith atinge-nos e torna-nos parte de uma conversa íntima, de irmão e de irmã. Este é um encontro bonito e é, para os meus ouvidos, um dos bons apontamentos do projeto.
O piano em “Sunny’s Time” é hipnotizante e dura quase um minuto – acreditem que vão desejar que aqueles 60 segundos sejam eternos, de tão harmoniosos e profundos que são. “Sunny’s Time” é uma das faixas mais intensas em Suddenly – é provável que eu diga o mesmo em relação a outras canções do álbum. Se, numa fase inicial, adormecemos envolvidos pelas notas de um piano longínquo, a meio da faixa acordamos sobressaltados, como se tivéssemos tido um pesadelo. Há um sentimento «jaariano» nesta passagem do álbum – na verdade, esse sentimento espalha-se um pouco por todo o trabalho. Mas é em “Sunny’s Time” que o sentimento atua com mais intensidade. É por estes momentos que podemos considerar que o som, que aqui é a arte, de Caribou inovou e ganhou novos contornos desde a sua última produção de estúdio.
Vale a pena referir o psicadelismo de “Lime”. A canção é consideravelmente curta (tem menos de três minutos), mas é composta por vibrações sonoras intensíssimas; ainda agora, enquanto escrevi a frase anterior, me apercebi de um apontamento novo: um suspiro de um clarinete, precisamente aos 2 minutos. A parte final em “Lime” é, novamente, «jaariana»: aquele murmúrio secreto cria uma névoa indistinguível em redor dos nossos ouvidos – nesse momento, somos marinheiros sem rota e estamos perdidos no meio do azul do oceano. (Esta é altura perfeita para repararem que a capa de Suddenly não é muito diferente da imagem de um mar azul, reservado apenas aos homens mais corajosos.)
“Filtered Grand Piano” é uma ótima passagem instrumental, que cumpre o seu propósito na perfeição: introduz a faixa “Like I Loved You”. Lembrem-se agora do que eu escrevi há umas linhas atrás: a música eletrónica também pode ser triste. Se há momentos em que Suddenly parece ter beneficiado da inspiração que Nicolas Jaar poderá ter causado em Dan, em “Like I Loved You” sinto uma abordagem menos robótica dos Daft Punk – isto é um mero parecer.
“Like I Loved You” é um belo registo. É completo e rico, sendo talvez a música que reflete com maior transparência o que é Suddenly. Vê-se bem que Caribou gosta de baladas; nós gostamos de as ouvir. Aqui, deparamo-nos com a típica batida que encontramos, geralmente, nas composições deste produtor – uma batida progressiva, viciante e intensa. Mas em “Like I Loved You”, como em outras passagens do trabalho, há algo mais, algo que também é mais palpável. Há mais substância musical; encontramo-la na guitarra que acompanha a parte final da canção e no momento de percussão quase tribal, que conduz a faixa até ao seu fim.
Suddenly termina com “Cloud Song”. Esta é a faixa mais comprida do álbum e é uma boa despedida. É uma passagem calma, mas é igualmente rica em pormenores, tanto que pode muito bem ser a música mais complexa (e, ao mesmo tempo, simples) de todo o projeto – talvez por essa razão de ser a mais longa. Durante o processo de audição de “Cloud Song”, sentimo-nos leves. Este é mesmo o momento mais tranquilo de um álbum. Neste momento, estamos numa colina verde, deitados na relva e a observar a correria calma e alegre das nuvens. (A dado momento, na parte final da canção, parece haver a sensação de estarmos a ser puxados para o Plantasia, de Mort Garson.) Esta é a minha música favorita do álbum, porque me faz sonhar.
Todos nós temos sonhos. E todos nós lutamos diariamente por eles. A pouco e pouco, dia após dias, estamos cada vez mais perto deles – ou mais longe (às vezes, estamos mais longe). O sonho de Dan foi sempre fazer música. «I always dreamed of being a musician.» Um dia, deixarei escritos num papel os meus e aconselho-vos a fazer o mesmo, apenas para não se esquecerem deles.
Espero que Dan – aqui Caribou – continue a realizar os seus sonhos e que continue a fazer muita música.
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