quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Caetano Veloso & Ivan Sacerdote – Caetano Veloso & Ivan Sacerdote (2020)

 


Ouvir Caetano Veloso & Ivan Sacerdote divide-nos entre a “dor e o prazer”. E assim vivemos enganados durante pouco menos de 40 minutos. É muito pouco, e tanto ao  mesmo tempo!

Quando muito se espera, diz o povo, a tendência é para que se instale o desespero, a dor, a angústia. Mas, findo o tempo de espera, é o prazer que faz notar a sua chegada. E, se sempre assim foi, não é exatamente esse o caso agora. O novo disco de Caetano Veloso não é um disco novo de Caetano Veloso. A aparente contradição, não é contradição sequer, antes uma particularidade que em si mesma revela a “dor e o prazer” que a canção “Peter Gast” refere, embora num contexto completamente diferente. É que o tão esperado e desejado sucessor de Abraçaço parece demorar uma eternidade ainda maior dos que a que já se sente. O disco foda do mano Caetano é de 2012, e nesta entrada de 2020 ainda não há notícia de um novo álbum de canções inéditas. Afinal, o que é este Caetano Veloso & Ivan Sacerdote? Dito de forma simples, é uma pequena rodela de prazer controlado. Se nos quisermos alongar um pouco mais, então as considerações serão outras. Ou seja, as seguintes.

Caetano Veloso & Ivan Sacerdote é um álbum de regravações. Assim mesmo, sem extras autorais inéditos de qualquer espécie. As nove composições do disco são todas sobejamente conhecidas, embora na escolha das mesmas haja boas e gratas surpresas, como é sobretudo o caso de “Peter Gast”, tema antigo, dos mais bonitos do igualmente muito bonito Uns, trabalho que até hoje Caetano Veloso considera mais do que qualquer outros dos muitos que fazem parte da sua extensa discografia. O espanto da escolha da canção é total, e a versão apresentada agora difere, como é óbvio, da genuína. Ganha o bonito sopro do clarinete do menino Ivan Sacerdote, mas perde o piano delirante de Tomás Improta. Perde ainda a frescura da voz de Caetano, por troca do som soturno que agora emprega para adensar o tema. Todo o álbum está praticamente despido de qualquer outro instrumento, que não o que sai do sopro de Ivan e das cordas do violão de Caetano. Depois, a voz faz o resto. Já não será igual à dos tempos dos temas escolhidos, como é natural, mas é a voz de Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, e isso é o que importa, embora a de Mosquito, um novo valor do samba carioca, também surja lá mais para a segunda metade do álbum.

Mas entremos no disco, fixando-nos nos momentos de maior interesse, que são vários. “Trilhos Urbanos”, o tema “onde o Imperador fez xixi”, é belíssimo, e faz-nos recordar o tremendo disco que é Cinema Transcendental (1979), espevitando em nós as saudades desses inventivos anos do baiano de Santo Amaro da Purificação. “O Ciúme”, tema de enorme sucesso que Caetano Veloso recuperou do ótimo álbum Caetano (1987), permanece perfeito. “Onde o Rio é Mais Baiano”, com o requebro extra de Mosquito (o novo Zeca Pagodinho?) é uma delícia, como aliás já era a versão original do elegante álbum Livro, de 1997. O mesmo acontece com “Desde que o Samba é Samba”, clássico absoluto de Tropicália 2, faixa que encerra o disco lançado no distante ano de 1993. As quatro canções sobrantes estão, na nossa opinião, num patamar ligeiramente inferior, embora bem dignas de registo, mesmo assim. São elas “Aquele Frevo Axé”, “Você Não Gosta de Mim”, “Minha Voz, Minha Vida” (mais um tema divino-maravilhoso do mestre Caetano, mas que neste álbum perde um pouco do encanto que costuma ter na voz de Gal Costa, ou até mesmo na do seu autor (basta lembrar a versão ao vivo nos concertos de Prenda Minha) e ainda “Manhatã”, alguns furos abaixo da original (disco Livro).

Deste encontro entre Caetano Veloso e Ivan Sacerdote surgiu um álbum (custa-nos designá-lo assim, uma vez que não tem, pelo menos até à data, qualquer edição física) com bons motivos de interesse. A erudição jazzística, clássica e bossanovista de Sacerdote, o carioca mais baiano do Brasil, faz-se notar na medida certa, sem entraves à audição do que mais importa: a canção. Sem delírios de erudição instrumental, o sopro de Ivan Sacerdote acompanha bem a voz e o violão de Caetano, e também com completo acerto faz o mesmo com Mosquito. Adivinha-se nova e longa digressão pelo Brasil, Europa, o mundo! Quanto ao mestre Caetano, e pela primeira vez em registo gravado, percebe-se, aqui ou ali, alguma fragilidade na extensão da voz. No entanto, o que muitas vezes a idade tira, a experiência devolve em dose franca. Ouvir Caetano será sempre um prazer acima dos limites humanos. Aliás, é de um deus que falamos, como bem sabemos.



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